A Primeira Fase do Cinema Novo (1959 a 1964), ou seja, até o Golpe Militar no Brasil, representa bem as motivações e os objetivos primordiais do movimento, com temáticas sociais que retratavam as dificuldades do povo: a fome, a violência, a oligarquia política, a alienação religiosa e a exploração econômica.
Os filmes mostravam a realidade dos trabalhadores de maneira nua e crua, filmando periferias, operários, pescadores, camponeses, favelas, morros e no sertão. Com forte apelo socialista, a intenção era, de fato, espalhar a filosofia do proletariado. Os principais diretores dessa primeira fase foram: Paulo Cezar Saraceni, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Rui Guerra e Joaquim Pedro de Andrade.
A partir da deposição do presidente João Goulart pelo Golpe Militar de 1964, iniciou-se a segunda fase do Cinema Novo (1964–1968). Os jovens e idealistas cineastas ficaram perplexos e o cinema, como instrumento de educação popular e de transformações políticas, sofreu um impacto negativo. A temática dos filmes passou a focar mais na angústia e na perplexidade de um país sob um regime autoritário do que na emblemática “estética da fome”.
Entre outros filmes dessa segunda fase, se destacam: “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (1965), “O Desafio” (1965), “A Falecida” (1965), “O Padre e a Moça“ (1965), “Terra em Transe” (1967), e “O Bravo Guerreiro” (1968). Nessa segunda fase, ainda foi possível realizar filmes politizados e focados nas transformações estruturais do país.
“A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de 1965, dirigido por Roberto Santos, é uma adaptação de um conto homônimo do escritor João Guimarães Rosa da obra Sagarana. Narra a crise interior de um violento fazendeiro latifundiário (Leonardo Vilar) que, tido como morto, passa então a oscilar entre seu temperamento agressivo e o misticismo religioso que não consegue mais abandonar. O filme venceu o Festival de Cinema de Brasília.
“O Desafio”, de 1965, dirigido por Paulo Cezar Saraceni, foi um expoente do cinema político por tratar do romance entre a mulher de um rico industrial, Ada (Isabella), e Marcelo (Oduvaldo Viana), um estudante de esquerda, e foi entendido como apologia do amor entre as classes. Pode-se dizer que o diretor Saraceni quis investigar as razões do Golpe Militar de 1964, ou seja, a traição da burguesia industrial, que não se mostrou progressista, e seu impacto psicológico sobre os intelectuais.
“A Falecida”, de 1965, dirigido por Leon Hirszman é um drama baseado na obra homônima do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. No enredo, Zulmira (Fernanda Montenegro) é uma mulher obcecada pela morte. Sonha, então, com um enterro de luxo para compensar a sua vida simples e miserável num subúrbio do Rio de Janeiro. Ao ficar doente, pede dinheiro ao homem mais rico do bairro, Guimarães (Paulo Gracindo), com quem teve um caso. O homem não aceita pagar o funeral e seu marido, Toninho (Ivan Cândido), o chantageia.
“A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, 1965, “O Desafio”, 1965, e “A Falecida”, 1965
Cenas de “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, 1965
Cenas de “O Desafio”, 1965
“O Padre e a Moça”, de 1966, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, trata de um tema complexo, a relação de paixão entre um jovem Padre (Paulo José) e a concubina de um rico comerciante, Mariana (Helena Ignez), na região serrana de Minas Gerais. O filme tem muita sensibilidade, trata de maneira poética um assunto difícil e tem profundidade psicológica.
O cineasta Glauber Rocha, líder da primeira fase do Cinema Novo, permanecia em sua luta por um cinema engajado, tendo lançado em 1967 um filme polêmico e bombástico chamado “Terra em Transe”. O filme fazia uma clara alusão à situação política brasileira, sob o regime militar, retratando a luta pelo poder, numa república fictícia, entre um tecnocrata conservador (Paulo Autran) e um líder populista (José Lewgoy). No meio deles, um jornalista de esquerda (Jardel Filho). O filme foi proibido pela censura por ser considerado subversivo. “Terra em Transe” é explosivo, vigoroso, um clássico nacional e internacional.
“O Bravo Guerreiro”, de 1968, dirigido por Gustavo Dahl, é um drama político. Na trama, o jovem deputado de um partido radical de esquerda, Miguel Horta (Paulo César Peréio), alia-se a um partido governista, na esperança de que a conciliação possa enfim garantir as condições necessárias para alguma transformação social. Massacrado pela negociação conciliatória e conservadora, e desprezado pelo populismo messiânico, ele radicaliza com sindicalistas pela greve geral dos trabalhadores.
“O Padre e a Moça”, 1966, e “Terra em Transe”, 1967, e o diretor Glauber Rocha
Cenas de “Terra em Transe”, 1967
“O Bravo Guerreiro”, 1968, e o diretor Gustavo Dahl
Cenas de “O Bravo Guerreiro”, 1968
Após esse período, houve uma piora da repressão da ditadura militar e a produção cultural, especialmente o cinema, construiu novas linguagens. A predominância do discurso político engajado vai perdendo força na produção do Cinema Novo.
Essa nova mudança de enfoque refletia a eficácia dos instrumentos de censura e repressão estabelecidos pela ditadura militar. Com isso, a crítica ácida e direta encontrada nas produções anteriores vai perder lugar para a representação de um Brasil marcado por alegorias, sua exuberância e outras figuras típicas.
A terceira fase do Cinema Novo (1968–1972) buscou sua inspiração no Tropicalismo, um movimento que fazia sucesso no país e que criticava o nacionalismo ufanista. Sua estética remetia às cores da flora brasileira, com influências da cultura pop e do concretismo, abusando do exagero e do deboche. A ideia era chocar e romper com a arte “bem comportada”.
Essa fase do Cinema Novo também foi caracterizada como alegórica e antropofágica. Alguns filmes merecem destaque: Macunaíma, “O Profeta da Fome”, “Pindorama”, “Os Herdeiros” e “Os Deuses e os Mortos”. O tratamento das questões nacionais passa a ser rearticulado fora dos limites do realismo popular e da estética da fome para uma linguagem de alegoria e simbolismo.
“Macunaíma”, de 1969, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, foi baseado na obra homônima de Mário de Andrade, um dos expoentes do modernismo brasileiro. No filme, a idéia de antropofagia aparece bem forte, no qual o protagonista (uma atuação espetacular de Paulo José), o herói sem caráter das entranhas do Brasil, acaba sendo engolido pelo sistema opressor. O filme é profundamente alegórico. Faz referências à luta armada que ocorria no Brasil na figura de Ci (Dina Sfat), critica os capitalistas implacáveis na figura de um industrial (Jardel Filho) e expõe nossos mitos culturais.
“Pindorama”, de 1970, foi realizado no auge da repressão da ditadura militar no Brasil. Foi o primeiro longa-metragem de ficção de Arnaldo Jabor. O termo Pindorama, na língua geral dos índios, significa terra das árvores altas e, em tupi-guarani, terra das palmeiras. A história se passa numa cidade brasileira imaginária no século XVI e é uma alegoria sobre as origens da formação do país, misturando guerras, negros, índios, colonos e aventureiros. Enfoca também a corrupção das autoridades na fictícia cidade de Pindorama, numa clara alusão ao que acontecia no Brasil em plena ditadura militar.
“Macunaíma”, 1969, e o diretor Joaquim Pedro de Andrade
Cenas de “Macunaíma”, 1969
“Pindorama”, 1970, e o diretor Arnaldo Jabor
“O Profeta da Fome”, de 1970, dirigido por Maurice Capovilla, narra a história de um faquir (José Mojica Marins) que trabalha em um circo paupérrimo do interior. Quando o circo pega fogo ele inicia com sua mulher uma longa caminhada acompanhado pelo domador do circo (Maurício do Vale), um homem violento e mau. Ao chegar a uma cidade em festa ele apresenta um número sensacional: o de um crucificado vivo. Ele atrai muita gente com o espetáculo, mas é preso. Na prisão, descobre a chave do sucesso: o jejum.
“O Profeta da Fome”, 1970, e o diretor Maurice Capovilla
Cenas de “O Profeta da Fome”, 1970
“Os Herdeiros”, de 1970, dirigido por Cacá Diegues, é um filme político, psicológico e histórico. Com uma linguagem teatralizada, o roteiro narra a saga de uma família brasileira e as relações dela com os diferentes governantes do país durante o período da Revolução de 1930 até o Golpe de 1964. Jorge (Sérgio Cardoso), um jornalista ambicioso, se casa por interesse com a filha de um fazendeiro de café. Com a volta da democracia, em 1946, ele retorna à cidade e se transforma em um político poderoso às custas de muitas traições. Seu próprio filho vinga suas vítimas, aliando-se aos militares e traindo o pai.
“Os Deuses e os Mortos”, de 1970, dirigido por Rui Guerra, é um ícone da fase “alegórica” do Cinema Novo, numa abordagem barroca e tropicalista que retrata a violência no campo e o monopólio da política pelas oligarquias. Tem enfoque simbolista e antropológico numa época em que o regime militar estava no auge e parte da esquerda ainda acreditava que derrubaria o regime pegando em armas. Era o período ufanista do “Brasil, ame ou deixe-o”, do general Garrastazu Médici e do guerrilheiro Carlos Marighela.
“Os Herdeiros”, 1970, o diretor Cacá Diegues e “Os Deuses e os Mortos”, de Rui Guerra, 1970
Cenas “Os Deuses e os Mortos”, 1970
Foi também nessa fase de 1968 a 1972 que a perseguição do regime militar aos seus opositores se intensificou e o cineasta Glauber Rocha, depois de lançar mais um filme explosivo chamado “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, ou “Antonio das Mortes”, em 1969, partiu para o exílio, em 1971, de onde nunca retornou totalmente. Longe de sua terra natal, Glauber realizou alguns filmes com sua mesma pegada revolucionária de Terceiro Mundo. Cheio de personagens teatrais e simbólicos da cultura e religiosidade populares, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” é o mais barroco, místico e mitológico filme de Glauber.
“O Dragão da maldade contra o Santo Guerreiro”, 1969, e o diretor Glauber Rocha filmando
Cenas de “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, 1969
O Cinema Novo foi importante porque mostrou as imagens do Brasil real, sem mentiras ou manipulações. Deixou sua marca ao incentivar várias gerações de jovens cineastas a buscar a verdade, a conscientização sobre a realidade política e social do país. Além disso, avançou nas fronteiras do Terceiro Mundo, especialmente na produção cinematográfica revolucionária de povos africanos e latino-americanos.
O movimento foi, sobretudo, um cinema de guerrilha cultural, de resistência e de abertura de caminhos para as mudanças estruturais do país. Além disso, propagou o cinema brasileiro nos festivais de cinema do mundo, nas análises dos especialistas do ramo e na mente dos grandes diretores internacionais.
As abordagens e discussões políticas do Cinema Novo deram espaço para o surgimento do Cinema Marginal, também conhecido como “Udigrudi”, que retomava o foco inicial do movimento: personagens marginalizados e problemas sociais, com uma estética mais “suja”, a chamada “estética do lixo”. Era um estilo de cinema mais experimental, de caráter radical, que surgiu no final dos anos 60 e prosseguiu na década de 70. As maiores produtoras dessa vertente foram “Boca do Lixo”, em SP e “Belair Filmes”, no RJ. Com narrativas de crimes, um pouco de anarquismo, irreverência e muita rebeldia, o cinema marginal foi vigoroso.
Nesse movimento de ruptura se destacaram Rogério Sganzerla e seu “O Bandido da Luz Vermelha”, Júlio Bressane com o filme “O Anjo Nasceu”, Ozualdo Candeias com “A Margem”, André Luiz Oliveira com “Meteorango Kid, Herói Intergalático” e Neville D’Almeida com “Jardim de Guerra”. Essas produções estavam bastante alinhadas com o movimento de contracultura, ideologias revolucionárias e também com o tropicalismo, movimento musical que ocorria na mesma época. Sofreu grande censura por parte do regime militar que se instaurava no país.
“A Margem”, de 1967, dirigido por Ozualdo Candeias, é uma obra ímpar, que dialoga com diversos períodos do cinema brasileiro, desde Limite, da década de 1930, até o cinema novo. A história em questão é incerta e errática: quatro personagens às margens do rio Tietê e da sociedade desenvolvem relações amorosas entre si que terminam em finais trágicos ou, no melhor dos casos, ambíguos. Duas prostitutas, uma mulher preta e outra branca, um homem com problemas mentais e um cafetão são o quórum de protagonistas da obra. Apesar de abordar um mundo cruel e visceral, o diretor Ozualdo Candeias aproveita a sensibilidade do neorrealismo dos filmes de Nelson Pereira dos Santos.
“A Margem”, 1967, e o diretor Ozualdo Candeias
“O Bandido da Luz Vermelha”, de 1968, dirigido por Rogério Sganzerla, é um clássico do chamado Cinema Marginal ou “Udigrudi”. É um filme brasileiro do gênero policial e inspirado nos crimes do famoso assaltante João Acácio Pereira da Costa, apelidado de “Bandido da Luz Vermelha”. O diretor Sganzerla tinha 22 anos quando o dirigiu e depois ainda realizou pelo menos mais dois grandes filmes: “A Mulher de Todos” e “Sem Essa Aranha”. O enredo: Jorge (Paulo Villaça), é um assaltante de residências de São Paulo com técnicas apuradas de ação e auxiliado por uma lanterna vermelha. Relaciona-se com Janete (Helena Ignez), conhece outros assaltantes, um político corrupto e acaba sendo traído. Perseguido e encurralado, comete suicídio.
“O Bandido da Luz Vermelha”, 1968, e o diretor Rogério Sganzerla
Cenas de “O Bandido da Luz Vermelha”, 1968
“Jardim de Guerra”, dirigido por Neville D’Almeida foi produzido em 1968, mas somente lançado em 1970. Foi o filme mais censurado do cinema brasileiro. É mais um grande filme do cinema marginal e um memorial dos tempos da ditadura militar. Conta a história de um jovem amargurado e sem perspectivas (Joel Barcelos) que se apaixona por uma atriz e cineasta (Maria do Rosário) e é injustamente acusado de terrorismo por uma organização de direita que o prende, o interroga e o tortura. O filme sem cortes se tornou uma raridade e está bem guardado em um arquivo no Rio de Janeiro. Neville D’Almeida depois realizaria filmes de sucesso de público como “A Dama do Lotação”, “Os Sete Gatinhos” e “Rio Babilônia”.
“Jardim de Guerra”, 1968, e o diretor Neville D’Almeida
Cenas de “Jardim de Guerra”, 1968
“O Anjo Nasceu”, de 1969, dirigido por Júlio Bressane, é um drama criminal sobre dois assassinos impiedosos, Santamaria (Hugo Carvana) e Urtiga (Milton Gonçalves) que, através de uma crença de que um Anjo o virá levá-los para a salvação, cometem muitos homicídios, enquanto fogem da polícia. Bressane realizou muitos filmes, sempre com sua pegada personalíssima e fora de qualquer modelo convencional de cinema. Jamais fez concessões comerciais ou se preocupou com críticas. Dois de seus filmes tiveram ótima repercussão: “O Tabu” e “O Mandarim”, ambos vencedores do Festival de Cinema de Brasília.
“O Anjo Nasceu”, 1969, e o diretor Júlio Bressane
Cenas de “O Anjo Nasceu”, 1969
“Meteorango Kid, o Herói Intergalático”, de 1969, dirigido por André Luiz de Oliveira é considerado outro clássico do cinema marginal, apesar do diretor discordar. O filme narra, de maneira anárquica e irreverente, as aventuras de Lula (Antônio Luiz Martins), um estudante universitário. De forma absolutamente despojada, mostra, sem rodeios, o perfil de um jovem desesperado, representante de uma geração oprimida pela ditadura militar e pela moral retrógrada de uma sociedade passiva e hipócrita. O herói intergalático atravessa este labirinto cotidiano através das suas fantasias e delírios libertários, deixando atrás de si um rastro de inconformismo e um convite à rebelião em todos os níveis.
“Meteorango Kid, o Herói Intergalático”, 1969, e o diretor André Luiz de Oliveira
Cenas de “Meteorango Kid, o Herói Intergalático, 1969
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