Cinema Brasileiro
O cinema brasileiro nos anos 80: Problemas estruturais, novos diretores e estilos, e a contribuição do grupo “Os Trapalhões”

O cinema brasileiro nos anos 80: Problemas estruturais, novos diretores e estilos, e a contribuição do grupo “Os Trapalhões”

Problemas estruturais

Nos anos 80, o cinema brasileiro sofreu com os problemas econômicos do país e com a redução das salas de cinema para exibição de filmes nacionais. A crise econômica afetou a atuação da Embrafilme no fomento da produção cinematográfica e, para piorar, os donos de cinema, assessorados pelos distribuidores estrangeiros, realizaram uma batalha judicial contra a Lei da obrigatoriedade e, assim, muitas salas simplesmente pararam de passar filmes brasileiros.

Essa situação afetou sensivelmente os investidores nacionais que tinham dificuldades de cobrir os custos da produção de um filme e, consequentemente, os impediam para novas produções. Mas o cinema brasileiro resistiu com garra e talento, apresentou grandes filmes politizados e estéticas novas, assim como também resistiu à ditadura militar que, finalmente, terminou em 1985.

Além da crise de financiamento, de distribuição e de exibição, a chegada do videocassete e a proliferação de locadoras marcou essa década no país, e o cinema nacional sofreu um declínio em relação à sua grande expansão nos anos 70. Nesse quadro, especial atenção para o curta-metragem que conseguiu ser amparado por Lei, com acesso garantido no mercado exibidor, sendo projetado antes do longa-metragem estrangeiro.

Três exemplares de um cinema político e social, com qualidade artística e reconhecimento internacional

Mesmo com problemas estruturais, o cinema brasileiro produziu filmes de muita qualidade e que conquistaram prêmios internacionais. Nesse ponto, três grandes filmes foram lançados coincidentemente em 1981 e tiveram grande repercussão: “Pixote”, de 1981, dirigido por Hector Babenco, “Eles Não Usam Black Tie”, dirigido por Leon Hirszman, e “O Homem que Virou Suco”, dirigido por João Batista de Andrade.

“Pixote” foi uma sensação. Focando na vida marginal juvenil, o filme construiu um dos mais cruéis retratos da realidade nas ruas de São Paulo, onde crianças têm sua inocência retirada ao entrarem em contato com o mundo do crime, das drogas, da prostituição e da violência. Interpretado pelo garoto Fernando Ramos da Silva no personagem-título e Marília Pêra como a prostituta Sueli, o filme se tornou um sucesso de crítica, sendo aclamado tanto nacionalmente quanto internacionalmente.

“Eles Não Usam Black Tie” venceu o Leão Ouro no Festival de Veneza, Itália. O filme é altamente politizado e foca a luta sindical no Brasil, mostrando um conflito entre pai e filho, respectivamente Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), um líder sindical que organiza os trabalhadores contra a exploração dos patrões, e Tião (Carlos Alberto Riccelli), um operário que não quer perder seu emprego numa greve. O diretor do filme Leon Hirszman era o mais engajado dos diretores do Cinema Novo, assumidamente comunista.

O talentoso diretor João Batista de Andrade realizou um grande filme de crítica social e política no bem recebido “O Homem que Virou Suco”. Com uma grande atuação de José Dumont, que vive Deraldo, um poeta popular recém-chegado do Nordeste a São Paulo que sobrevive de suas poesias e folhetos. Quando ele é confundido com o operário de uma multinacional que mata o patrão, o filme aborda a resistência do poeta diante de uma sociedade opressora, esmagando o homem dia-a-dia, eliminando suas raízes.

“Pixote”, 1981, “Eles Não Usam Black Tie”, 1981, “O Homem que Virou Suco”, 1981

Cenas de “Pixote, A lei do mais Fraco”, 1981

Cenas de “Eles não Usam Black Tie”, 1981

Cenas de “O Homem que Virou Suco”, 1981

O cinema cômico e popular do grupo “Os Trapalhões”

Os Trapalhões foram um grupo cômico que se iniciou em um programa de televisão humorístico brasileiro em 1974 na Rede Tupi e, depois, seguiu por muito tempo na Rede Globo. O grupo era composto Didi (Renato Aragão), Dedé (Manfried Sant’Anna), Mussum (Antonio Carlos Gomes) e Zacarias (Mauro Gonçalves). Cada um desenvolveu uma persona cênica distinta, dois mais falantes (Dedé e Mussum) e dois mais corporais e faciais (Didi e Zacarias).

O grupo foi um dos maiores fenômenos de empatia junto ao público popular, tanto na televisão quanto no cinema. Seu humor era alicerçado por influências cômicas dos artistas de Circo, do Teatro de Revista e da Chanchada, além das comédias de Charles Chaplin e do O Gordo e o Magro. Seu líder, Renato Aragão, afirmava que seu maior modelo era o comediante Oscarito, que foi um ícone das chanchadas da Atlântida.

Os Trapalhões possuíam um humor fácil, despojado, contando pequenas histórias. Conseguiam uma ótima sintonia, sem precisar ser tecnicamente ensaiados, mas sim mais soltos, leves. Ainda que providos de bons redatores para seu humor, o quarteto tinha o dom do improviso, geralmente mais visuais que verbais. Tinham uma enorme facilidade de nos proporcionar um riso fácil e encarnavam personagens simples. Também eram auxiliados por ótimos coadjuvantes.

No cinema, Os Trapalhões tiveram um estrondoso sucesso, seus filmes geraram grandes bilheterias e seu público era fiel. Rodaram dezenas de filmes e foi na década de 80 que o quarteto foi mais produtivo. Dois de seus filmes merecem menções especiais: O primeiro é “Os Saltimbancos Trapalhões”, de 1981, considerado o melhor filme do grupo, e o segundo é “Os Trapalhões no Auto da Compadecida”, de 1987.  As mortes de Zacarias, em 1990, e de Mussum, em 1994, selaram o fim do quarteto e deixou saudades.

Cenas de “Os Saltimbancos Trapalhões”, 1981

Cenas de “Os Trapalhões no Auto da Compadecida”, 1987

Uma seleção de filmes brasileiros dos anos 80

Mesmo num cenário de declínio do ponto de vista financeiro e de público, uma nova geração de cineastas brasileiros surgiu nos anos 80 com ótimos filmes, alguns explorando temas sociais, políticos e histórias populares ainda com influência do Cinema Novo, e outros construindo novas narrativas focadas em crônicas urbanas, mistério e marginalidades. O cinema de documentário também conquistou um bom espaço nos filmes realizados nesse período. Selecionamos nove filmes representativos dos anos 80 no Brasil.

Em 1983, um surpreendente filme foi lançado: “O Mágico e o Delegado”, dirigido por Fernando Coni Campos.  Com uma história de anedota, de linguagem fantástica, extremamente original e popular, um mágico (Nelson Xavier) e sua assistente (Tânia Alves) chegam a uma pequena cidade do interior da Bahia para apresentar um espetáculo de variedades. Frustrados com a prepotência do delegado local (Luthero Luís), o mágico traz fartura para a pobreza do povo com seus truques de mágica. Quando é preso, ele quebra a rotina da vida carcerária e coisas espantosas e maravilhosas começam a acontecer.

Em 1984, o grande documentarista Eduardo Coutinho lançou “Cabra Marcado para Morrer”. O filme é uma narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira, um líder camponês da Paraíba, assassinado em 1962. Em razão do golpe militar, as filmagens foram reprimidas e interrompidas em 1964 e retomadas quase duas décadas depois com novos depoimentos, inclusive da viúva que vivera desde então na clandestinidade. O filme é uma prova contundente da resistência política camponesa e das vítimas da repressão da ditadura militar.

Em 1985, um drama social foi lançado e dirigido por Suzana Amaral: “A Hora da Estrela”. É uma adaptação do romance homônimo de Clarice Lispector e conta uma história popular de uma pobre moça, Macabéa (Marcélia Cartaxo), órfã, que migra do nordeste para São Paulo para tentar a sorte.  O filme aborda a sua solidão, sua inocência, desencontros amorosos e a ilusão por uma vida melhor. Simples, singelo e com uma realidade cruel, o filme é um retrato tristonho de um país desigual.

 “O Mágico e o Delegado”, 1983, “Cabra Marcado para Morrer”, 1984, e “A Hora da Estrela”, 1985

Cenas de “O Mágico e o Delegado”, 1983

Cenas de “Cabra Marcado para Morrer”, 1984

Cenas de “A Hora da Estrela”, 1985

Também em 1985, um novo diretor desponta no cinema brasileiro, André Klotzel, e seu divertido e delicioso filme “A Marvada Carne”. O filme é uma comédia caipira, com tiradas folclóricas e crenças populares, que mostra as hilariantes aventuras de Carula (Fernanda Torres), uma garota simples, do interior, que faz de tudo para se casar. Enquanto isso, acompanhamos um possível pretendente dela, um “jeca tatu” (Adilson Barros), que só deseja, pasmem, comer carne de vaca.

Em 1986, um excelente filme policial foi realizado: “Cidade Oculta”, dirigido por Chico Botelho. O filme conta a história de Anjo (Arrigo Barnabé) que, depois de cumprir pena na cadeia, reencontra seu antigo comparsa, agora chefe de uma organização criminosa, e se vê às voltas com a estrela do submundo Shirley Sombra (Carla Camurati), além de arrumar inimizade com um policial corrupto (Cláudio Mamberti). O filme acerta em cheio ao tratar temas marginais, o submundo e com uma ótima ambientação noturna.

Também em 1986, o diretor Jorge Duran, um roteirista consagrado, realizou “A Cor do Seu Destino”, um drama psicológico com um fundo político da ditadura militar do Chile. Paulo (Guilherme Fontes) é um jovem chileno exilado com seus pais no Rio, solitário e angustiado. Ele só encontra tranquilidade em suas pinturas e desenhos, mas carrega lembranças de seu irmão assassinato. Ao se relacionar com sua prima Patrícia (Julia Lemmertz), ele adquire uma consciência política e participa de protestos, mas o resultado é trágico.

“A Marvada Carne”, 1985, “Cidade Oculta”, 1986, e “A Cor do Seu Destino”, 1986

Cenas de “A Marvada Carne”, 1985

Cenas de “Cidade Oculta”, 1986

Cenas de “A Cor do seu Destino”, 1986

Em 1987, um ótimo filme foi lançado: “Anjos da Noite”, dirigido por Wilson de Barros. O filme é um retrato da diversidade de tipos e situações da vida noturna paulista. Diversos personagens cruzam-se na noite paulistana à procura de amor e aventura. A investigação sobre dois assassinatos, de um jovem executivo e de um homem na banheira, envolve o excelente elenco da trama. Às vezes divertido, às vezes melancólico, às vezes desesperado, o filme aborda arte, festas e tramas misteriosas e nos mantém com um fio de esperança.

Em 1988, um grande filme cheio de estilo foi lançado: “A Dama do Cine Shangai”, dirigido por Guilherme de Almeida Prado, uma grande revelação do cinema brasileiro. O filme é um thriller repleto de mistério e influenciado pelo cinema noir, com uso frequente de tomadas escuras, ambientes noturnos, luzes de néon e personagens enigmáticos. Conta a história de um corretor de imóveis (Antônio Fagundes) que,  num cinema decadente no centro de São Paulo, conhece uma mulher (Maitê Proença) muito parecida com a atriz do filme que está sendo exibido na tela e passa a investigá-la.

“Festa”, de 1989, dirigido por Ugo Giorgetti, é um filme divertido, criativo, filmado num único cenário de uma casa onde se realiza uma festa.  Um tocador de gaita (Jorge Mautner), um jogador de sinuca (Adriano Stuart) e seu velho assistente (Antônio Abujamra) são convidados para animar uma festa de grã-finos, mas eles nunca são chamados para se apresentarem. Durante sua espera no hall de entrada presenciam todo tipo de absurdos conforme a festa prossegue e os convidados vão ficando mais desinibidos. Um incrível mosaico de tipos humanos.

“Anjos da Noite”, 1987, “A Dama do Cine Shangai”, 1988, e “Festa”, 1989

Cenas de “Anjos da Noite”, 1987

Cenas de “A Dama do Cine Shangai”, 1988

Cenas de “Festa”, 1989

Novos diretores do cinema brasileiro que despontaram nos anos 80. Pela ordem: João Batista de Andrade, Suzana Amaral, André Klotzel, Chico Botelho, Jorge Durán, Guilherme de Almeida Prado

João Batista de Andrade
Suzana Amaral
André Klotzel
Chico Botelho
Jorge Durán
Guilherme de Almeida Prado

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