O Cinema Novo no Brasil: Uma reflexão revolucionária sobre nossa realidade
Considerações iniciais
Cinema Novo foi um movimento cinematográfico brasileiro que se destacou por uma crítica radical à desigualdade social no Brasil durante os anos 1960 e 1970. O Cinema Novo se formou em resposta à instabilidade econômica e social no Brasil com ênfase na luta de classes e ideais socialistas.
Esse movimento sofreu influências do Neorrealismo Italiano e da Nouvelle Vague francesa. Se opôs ao cinema tradicional brasileiro de até então, que consistia principalmente em musicais, comédias, paródias, sátiras e épicos ao estilo “hollywoodiano”. Glauber Rocha é amplamente considerado o cineasta mais influente do Cinema Novo. O movimento é muitas vezes dividido em três fases sequenciais que diferem em tom, estilo e conteúdo.
Antecedentes
Na década de 1950, o cinema brasileiro era dominado por chanchadas que englobavam musicais, muitas vezes cômicos e “baratos”, comédias, sátiras e paródias e épicos de grande orçamento que imitavam o estilo de cinema hollywoodiano. Esse cinema tradicional foi apoiado por produtores, distribuidores e expositores estrangeiros, mas não tinha preocupação com os problemas sociais, econômicos e políticos do país.
Em meados da década de 50, um novo tipo de cinema começou a ser gerado. Um cinema que retratava as condições de vida do povo brasileiro. Essa nova fase está bem representada no filme Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos. As propostas do neorrealismo italiano, de humanismo e temática social, foram a inspiração do Diretor do filme.
A partir dessa perspectiva de refletir o país, seu povo, o Cinema Novo foi sendo moldado, ao mesmo tempo que os presidentes progressistas brasileiros Juscelino Kubitschek e mais tarde João Goulart assumiram o cargo e começaram a influenciar a cultura popular brasileira.
Em 1962, o Centro Popular da Cultura (CPC), organização associada à União Nacional dos Estudantes, lançou “Cinco Vezes Favela”, um filme seriado em cinco episódios que foi um dos primeiros produtos do movimento Cinema Novo. O Centro Popular de Cultura procurou estabelecer um vínculo cultural e político com as massas brasileiras, produzindo imagens em fábricas, morros e bairros da classe trabalhadora.
Uma criança pobre, um novo tipo de imagem do Cinema Novo
Influências
Os cineastas brasileiros modelaram o Cinema Novo segundo gêneros conhecidos por subversão: Neorrealismo italiano e Nouvelle Vague francesa. Tinha algo em comum com o cinema revolucionário soviético dos anos vinte que, como o Neorrealismo italiano e a Nouvelle vague francesa, tinha uma propensão para produzir filmes com atores não profissionais e cidadãos da classe trabalhadora. Esses movimentos rejeitaram o cinema clássico e tradicional e abraçaram o cinema de autor com baixo orçamento e conteúdo revolucionário.
Ideologia
O Cinema Novo tinha claras tendências marxistas e, por consequencia teórica, também comunistas. Propugnava a emancipação dos trabalhadores. A luta de classes foi muito abordada e a necessidade de transformações estruturais do país rumo a um socialismo utópico eram muito focadas. Numa espécie de manifesto do Cinema Novo, o jovem cineasta baiano Glauber Rocha lançou a bandeira cinematográfica da “estética da fome”, que buscava colocar nas imagens dos filmes o que é o verdadeiro Brasil.
Temas e estilos
A maioria dos historiadores do cinema divide o Cinema Novo em três fases sequenciais que diferem em tema, estilo e assunto. Uma primeira fase que vai de 1960 a 1964; uma segunda fase em execução de 1964 a 1968; e uma terceira fase em execução de 1968 a 1972. Em todo esse período, o Cinema Novo permitiu que diretores, escritores e produtores tivessem uma quantidade incomum de liberdade criativa. Essa liberdade de direção autoral, juntamente com a mudança do clima social e político no Brasil, fez com que o Cinema Novo experimentasse turnos diferentes de forma e conteúdo ao longo do seu tempo.
Primeira fase do Cinema Novo (1960-1964)
Os filmes da primeira fase representam a motivação original e os objetivos do Cinema Novo. Eles tomaram um tom mais interiorano e rural no cenário cinematográfico brasileiro, lidando com doenças sociais que afetaram a classe trabalhadora como fome, violência, alienação religiosa e exploração econômica. Os filmes compartilham um certo otimismo político, uma fé que, mostrando os problemas graves do país, isso seria um primeiro passo para uma revolução.
Nessa primeira fase, o Cinema Novo procurou os cantos sombrios da vida brasileira – suas favelas e seu sertão – os lugares onde as contradições sociais do Brasil apareceram de forma mais dramática. Eram filmes caracterizados por uma qualidade documental, muitas vezes alcançada pelo uso de uma câmera na mão, em preto e branco, usando cenários simples e vivos que enfatizavam vividamente a dureza da paisagem. Os cineastas divulgaram uma filosofia do proletariado, levaram suas câmeras e saíram para as ruas, os interiores do país e as praias em busca do povo brasileiro, o camponês, o trabalhador, o pescador, o morador das favelas.
Concluindo, nessa primeira fase, O Cinema Novo escancarou as desigualdades sociais do país, o sofrimento do povo e a necessidade de mudanças estruturais. Com Glauber Rocha no leme, o Cinema Novo foi elogiado por críticos em todo o mundo.
Os filmes considerados os mais importantes dessa primeira fase do Cinema Novo são os seguintes: “Aruanda”, 1960, de Linduarte Noronha; “Arraial do Cabo”, 1960, de Paulo Cesar Sarraceni; “Cinco Vezes Favela”, 1962, (cinco episódios); “Ganga Zumba”, 1963, de Carlos Diegues; “Vidas Secas”, 1963, de Nelson Pereira dos Santos; “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, 1964, de Glauber Rocha; “Os Fuzis”, 1964, de Ruy Guerra.
“Aruanda”, 1960, e o Diretor Linduarte Noronha
Cenas de “Aruanda”, 1960
“Arraial do Cabo”, 1960, e o Diretor Paulo Cesar Sarraceni
Cenas de “Arraial do Cabo”, 1960
“Cinco Vezes Favela”, 1962
Cenas de “Cinco Vezes Favela”, 1962
“Ganga Zumba”, 1963, e o Diretor Carlos Diegues
Cenas de “Ganga Zumba”, 1963
“Vidas Secas”, 1963, e o Diretor Nelson Pereira dos Santos
Cenas de “Vidas Secas”, 1963
“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, 1964, e o Diretor Glauber Rocha
Cenas de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, 1964
“Os Fuzis”, 1964, e o Diretor Ruy Guerra
Cenas de “Os Fuzis”, 1964
Segunda fase do Cinema Novo (1964-1968)
Em 1964, o popular presidente democrata João Goulart foi retirado do cargo por um golpe militar, transformando o Brasil em uma ditadura militar sob o novo presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Por conseguinte, os brasileiros perderam a fé nos ideais do Cinema Novo, uma vez que o movimento lutou pela democracia e direitos civis, mas foi sufocado.
O Cinema Novo em sua segunda fase procurou enfrentar a “angústia” e a “perplexidade” que os brasileiros sentiram depois que o Presidente João Goulart foi expulso e a ditadura foi instalada. Nesse processo, o movimento produziu filmes que eram análises do fracasso do populismo, do desenvolvimentismo e dos intelectuais de esquerda para proteger a democracia brasileira e defender a utopia do socialismo.
Nesse novo contexto do país, o Cinema Novo, ainda que continuando a fazer filmes politizados e questionadores, flertou com a possibilidade de alcançar mais público e serem mais lucrativos. Os cineastas dessa segunda fase reconheceram a ironia na fabricação de filmes chamados ‘populares’, mas que eram vistos apenas por estudantes universitários, intelectuais e aficionados por cinema. Como resultado, os filmes se afastaram da chamada ‘estética da fome’ em direção a um estilo cinematográfico para atrair o interesse do público, capturando uma temática mais intimista e psicológica.
Alguns filmes foram importantes nessa segunda fase: “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, 1965, de Roberto Santos; “O Desafio”, 1965, de Paulo Cesar Sarraceni; “A Falecida”, 1965, de Leon Hirszman; “O Padre e a Moça”, 1965, de Joaquim Pedro de Andrade; “Terra em Transe”, 1967, de Glauber Rocha; “O Bravo Guerreiro”, 1968, de Gustavo Dahl; “Fome de Amor”, 1968, de Nelson Pereira dos Santos.
“A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, 1965, e o Diretor Roberto Santos
Cenas de “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, 1965
“O Desafio”, 1965, e o Diretor Paulo Cesar Sarraceni
Cenas de “O Desafio”, 1965
“A Falecida”, 1965, e o Diretor Leon Hirszman
Cenas de “A Falecida”, 1965
“O Padre e a Moça”, 1965, e o Diretor Joaquim Pedro de Andrade
Cenas de “O Padre e a Moça”, 1965
“Terra em Transe”, 1967, e o Diretor Glauber Rocha
Cenas de “Terra em Transe”, 1967
“O Bravo Guerreiro”, 1968, e o Diretor Gustavo Dahl
Cenas de “O Bravo Guerreiro”, 1968
“Fome de Amor”, 1968, e o Diretor Nelson Pereira dos Santos
Cenas de “Fome de Amor”, 1968
Terceira fase do Cinema Novo (1968-1972)
A terceira fase do Cinema Novo foi uma mistura de temas sociais e políticos com um pano de fundo de personagens enraizados em nossa nacionalidade, imagens e contextos de nossa riqueza cultural e floridez de nossa fauna e flora. O Cinema Novo de terceira fase também foi chamado de fase alegórica, tropicalista e antropofágica.
O tropicalismo era um movimento que se concentrava em kitsch, deboche, mau gosto e cores turvas. A alegoria era uma maneira de apresentar questionamentos políticos nas entrelinhas das imagens cinematográficas diante do quadro de repressão da ditadura militar no país. Enquanto que a antropofagia era um resgate do nacionalismo radical defendido pelos modernistas da Semana de Arte Moderna de 1922.
Com o Brasil se modernizando em termos econômicos, o Cinema Novo de terceira fase também se tornou mais polido e profissional, produzindo filmes em que a rica textura cultural do Brasil foi pressionada ao limite e explorada para seus próprios fins estéticos, além da escondida metáfora política que aparecia assiduamente nos filmes. Os espectadores mais fiéis e os cineastas brasileiros começaram a sentir que o Cinema Novo estava se distanciando cada vez mais de seus ideais da sua primeira fase revolucionária.
De qualquer forma, a terceira fase mostrou que o Cinema Novo era profundamente nacionalista, até mesmo patriótico, produzindo filmes que se contrapunham totalmente ao cinema alienado e convencional, se aprofundando sobre nossa formação histórico-cultural e combatendo fortemente as ingerências colonialistas estrangeiras.
Alguns filmes são importantes dessa terceira fase: “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, 1969, de Glauber Rocha; “Macunaíma”, 1969, de Joaquim Pedro de Andrade; “Os Herdeiros”, 1969, de Carlos Diegues; “Os Deuses e os Mortos”, 1970, de Ruy Guerra; “Como Era Gostoso o Meu Francês”, 1971, de Nelson Pereira dos Santos; “Pindorama”, 1971, de Arnaldo Jabor; “São Bernardo”, 1972, de Leon Hirszman.
“O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, 1969, e o Diretor Glauber Rocha
Cenas de “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, 1969
“Macunaíma”, 1969, e o Diretor Joaquim Pedro de Andrade
Cenas de “Macunaíma”, 1969
“Os Herdeiros”, 1969, e o Diretor Carlos Diegues
Cenas de “Os Herdeiros”, 1969
“Os Deuses e os Mortos”, 1970, e o Diretor Ruy Guerra
Cenas de “Os Deuses e os Mortos”, 1970
“Como Era Gostoso o meu Francês”, 1971, e o Diretor Nelson Pereira dos Santos
Cenas de “Como era Gostoso o meu Francês”, 1971
“Pindorama”, 1971, e o Diretor Arnaldo Jabor
“São Bernardo”, 1972, e o Diretor Leon Hirszman
Cenas de “São Bernardo”, 1972
O legado do Cinema Novo
O Cinema Novo no Brasil foi um movimento revolucionário que mudou os parâmetros cinematográficos tradicionais até então vigentes dentro do país. Com o apoio ideológico do Neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague francesa, o Cinema Novo produziu uma geração de cineastas incríveis que estavam determinados em expor o Brasil real, rompendo com as aparências conservadoras e escancarando as desigualdades econômicas e sociais do país.
Com um núcleo de cineastas movidos por uma paixão pelo cinema e pelo nacionalismo, o Cinema Novo rompeu barreiras e, com filmes de baixo orçamento, teve uma enorme admiração internacional e assombrou o mundo pela sua ousadia em apresentar imagens e histórias da sofrida realidade social brasileira que ecoou, não só no Terceiro Mundo, mas também na Europa e em outros cantos do Planeta.
O Cinema Novo, que teve vários estilos com as mesmas preocupações transformistas da realidade brasileira, produziu filmes heroicos em que o povo brasileiro e a complexidade histórica, étnica, religiosa, política, cultural de nossa nacionalidade foram expostos. O povo brasileiro com seu cotidiano, suas crenças, suas dores e a vontade de mudanças estruturais é o protagonista cinematográfico. Em uma frase: O Cinema Novo sonhou com a utopia da independência popular.
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