O cinema mundial nos anos 70: Temáticas diferenciadas, produção vigorosa e novos diretores e atores
O cinema mundial nos anos 70 se caracterizou pela busca de roteiros mais complexos, diversificação de temáticas e releituras de gêneros, novos diretores e atores que despontaram na cena cinematográfica mundial e priorização artística ao invés do grande público. Exceção a essa regra foi o aparecimento do cinema blockbuster e franquias (leia mais na categoria Cinema Blockbuster e as Franquias). Difícil definir os melhores filmes da década. Nosso critério foi selecionar novos diretores e atores que surgiram, filmes expressivos e premiados em festivais internacionais e temas revigorantes.
Uma seleção de filmes de Hollywood nos anos 70: Releitura de gêneros, realismo e renovação
O cinema norte-americano fez florescer um surto de filmes realistas com uma incrível ousadia nas histórias e com um domínio técnico apurado. A busca pelo público seria uma consequência das propostas estéticas e das mensagens construídas e não meramente uma busca de válvula de escape em filmes melodramáticos e alienados. O conteúdo das histórias aliado à qualidade artística dos filmes foram as marcas de Hollywood nessa década.
Grandes diretores surgiram e outros se consolidaram. Temáticas já tratadas no passado de Hollywood voltaram com um novo vigor, tais como gangsters e policiais. A guerra também foi abordada, mas com uma visão mais crítica. Novas histórias foram criadas e renovaram o conteúdo do cenário cinematográfico. Atores como Marlon Brando e os ainda novatos Gene Hackman, Jack Nicholson, Al Pacino e Robert De Niro se sobressaíram.
Filmes selecionados
Em 1970, um talentoso diretor despontou, Robert Altman, e seu divertido, mas também crítico, “MASH”, sobre os bastidores da guerra da Coréia nos anos 50. O subtexto é a guerra do Vietnã que ocorria na época do filme. O filme retrata uma unidade de médicos do exército americano estacionada em um Hospital Cirúrgico Móvel (MASH) durante a Guerra da Coréia. O filme é satírico, mas sem deixar de ser sério sobre os malefícios da guerra. Trocadilhos e jogos de palavras, duplos sentidos da cultura americana foram brilhantemente reproduzidos na tela.
“Operação França”, de1971, dirigido por William Friedkin, é um thriller de crimes que acompanha o policial Jimmy Popeye (Gene Hackman), que, com o intuito de desarticular uma rede de tráfico francesa, não segue as normas da lei e age por conta própria em perseguições cruas de tirar o fôlego pelas estradas e becos de Nova York. O filme é um revolucionário policial e a sujeira das ruas e suas marginalidades começavam a serem mostradas no cinema de forma mais realista e sem maquiagem.
Em 1972, um novo e super talentoso diretor aparecia de forma brilhante: Francis Ford Coppola. Retomando o tema dos filmes de máfia e gangster das décadas de 30 e 40, realizou uma obra prima denominada “O Poderoso Chefão”, baseado no best-seller de Mário Puzo. O filme recebeu aclamação mundial da crítica e do público e foi muito premiado com o Oscar de Hollywood. Narra a saga de uma família mafiosa nos anos 40 e 50 em Nova York e Sicília, sob o patriarcado de Vito Corleone (Marlon Brando).
“MASH”, 1970, “Operação França”, 1971, e “O Poderoso Chefão”, 1972
Cenas de “MASH”, 1970
Cenas de “Operação França”, 1971
Cenas de “Poderoso Chefão”, 1972
Em 1973, o diretor George Roy Hill dirigiu o aclamado e super divertido “Golpe de Mestre” com a dupla de atores Paul Newman e Robert Redford numa perfeita sintonia. Além das brilhantes atuações, o filme tem uma reconstituição de época impecável dos anos 30 em Illinois, EUA. O vigarista Johnny Hooker (Robert Redford), cujo parceiro é massacrado pelos capangas de Doyle Lonnegan (Robert Shaw), um chefe do crime implacável, procura se vingar. Ajudando-o está Henry Gondorff (Paul Newman), um experiente vigarista fugindo do FBI que planeja um incrível golpe financeiro.
Em 1974, foi lançado o filme neo-noir “Chinatown”, dirigido por Roman Polanski. O filme é um policial obscuro que transita entre a necessidade de solucionar um mistério e a narrativa de um drama psicológico. O filme foi inspirado pelas guerras da água na Califórnia nos anos 30 e acompanha o detetive de Los Angeles J.Gittes (Jack Nicholson) que investiga uma suposta traição matrimonial do marido de Evelyn Mulwray (Faye Dunaway), mas que se revela uma trama de desvio de fornecimento de água, aquisições fraudulenta de terras e corrupções.
Em 1975, um filme de grande aclamação de crítica e de público, com um roteiro bombástico e uma tremenda interpretação do novato ator Al Pacino foi realizado: “Um Dia de Cão”, dirigido por Sidney Lumet. O filme é baseado em fatos reais e narra o roubo de um banco por dois amantes homossexuais, Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale), que se transforma em uma grande encrenca e com repercussão em toda a mídia americana. Com o tema da identidade de gênero, pesado para a época, e em tons de puro drama de realismo policial, o filme foi transgressor.
“Golpe de Mestre”, 1973, “Chinatown”, 1974, e “Um Dia de Cão”, 1975
Cenas de “Golpe de Mestre”, 1973
Cenas de “Chinatown”, 1974
Cenas de “Um Dia de Cão”, 1975
Ainda em 1975, um filme que conseguiu os cinco principais Oscar de Hollywood, inclusive melhor filme, fez um grande sucesso: “Um Estranho no Ninho”. O filme segue a história de Randall McMurphy (Jack Nicholson), um criminoso que escapa de trabalhos forçados ao se fingir de louco e vai para uma instituição psiquiátrica onde passa a influenciar os outros internos, mas tem de enfrentar a oposição da cruel e sádica enfermeira Mildred Ratched (Louise Fletcher). O filme é atemporal, inconformista, um libelo pela liberdade, contra a opressão e o status quo.
Em 1976 foi lançado “Taxi Driver”, dirigido por Martin Scorsese, um novo e promissor diretor que apareceu no cenário americano e mundial. O filme venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Situado em uma Nova York decadente e moralmente falida após a Guerra do Vietnã, o filme segue Travis Bickle (Robert De Niro), um veterano da Marinha com transtorno de estresse pós-traumático que se torna motorista de Táxi, e seu estado mental que vai se deteriorando enquanto trabalha à noite na cidade.
Em 1977 um filme de reflexões e inovador na narrativa foi lançado: “Annie Hall”, dirigido por Woody Allen. Esse filme deu o Oscar e fama internacional a Woody Allen. Na história, temos Alvy Singer (Woody Allen), um comediante judeu divorciado que reflete sobre seu relacionamento com a ex-amante Annie Hall (Diane Keaton), uma aspirante a cantora de boate, que terminou abruptamente, assim como seus casamentos anteriores. O filme é encantador, divertido e atrapalhado, um exemplar de um cinema renovador e com temática modernizante.
“Um Estranho no Ninho”, 1975, “Taxi Driver”, 1976, e “Annie Hall”, 1977
Cenas de “Um Estranho no Ninho”, 1975
Cenas de “Taxi Driver”, 1976
Cenas de “Annie Hall”, 1977
Diretores americanos que despontaram nos anos 70. Pela ordem: Robert Altman, William Friedkin, Francis Ford Coppola, Sidney Lumet, Martin Scorcese, Woody Allen
Uma seleção de filmes pelo mundo nos anos 70: Consagração de diretores e novas abordagens
O cinema pelo mundo nos anos 70 apresentou temas variados que vão desde histórias milenares, crises psicológicas, memórias, perturbações e transgressões, solidão e críticas existenciais. O destaque vai para a produção cinematográfica de diretores italianos que apresentaram filmes excepcionais. Todos esses diretores já possuíam uma vigorosa obra no cinema, mas nos anos 70 eles se encontravam em plena forma, no auge de suas carreiras. Veremos a seguir.
Filmes selecionados
Vittorio De Sica, após ter sido um dos maiores expoentes do neorrealismo italiano com filmes clássicos, rodou em 1970 “O Jardim dos Finzi Contini”. O filme é um drama histórico de época sobre a vida de uma família judia de classe alta no norte da Itália em fins dos anos 30. Riqueza, privilégios e gerações de posição intelectual e social da família se tornarão vulneráveis e sofrerão com a ascensão do fascismo e do nazismo e sua política antissemita. O filme é bem conduzido e bem reconstituído, sendo premiado como melhor filme no Festival de Berlim e em Hollywood
Em 1971, o diretor italiano Pier Paolo Pasolini assombrou o mundo com o transgressor, erótico e divertido filme “Decameron”. Baseado na literatura clássica medieval do século XIV de Giovanni Boccaccio, o filme oferece uma variedade de episódios que estão ligados por um aluno do pintor Giotto (interpretado pelo próprio Pasolini) que chega em Nápoles para pintar um mural. Com muito humor satírico e escatológico, temas obscenos, críticas religiosas e anticapitalistas, o filme é o primeiro da chamada “Trilogia da Vida” de Pasolini.
Em 1972, o sueco Ingmar Bergman realizou aquele que talvez seja seu melhor filme: “Gritos e Sussurros”. Filmado dentro de uma casa, o filme se utiliza de cores saturadas, notadamente o vermelho, para tratar de crises físicas e psíquicas e acompanhar as angústias, segredos e medos de quatro mulheres: duas irmãs, Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullmann), que cuidam de uma outra irmã doente, Agnes (Harriet Andersson), com a ajuda de Anna (Kari Sylwan), que cuida dos afazeres domésticos. Bergman explora com profundidade a alma feminina.
“O Jardim dos Finzi Contini”, 1970, “Decameron”, 1971, e “Gritos e Sussurros”, 1972
Cenas de “O Jardim dos Finzi Contini”, 1970
Cenas de “Decameron”, 1971
Cenas de “Gritos e Sussurros”, 1972
Também em 1972, o diretor italiano Bernardo Bertolucci rodou “Último Tango em Paris” que é um dos filmes mais eroticamente dramáticos e sobre a solidão já realizados. O filme retrata um recém-viúvo de meia idade (Marlon Brando) que, tentando purgar sua turbulência emocional, tem um relacionamento sexual anônimo com uma jovem parisiense (Maria Schneider). Ao abordar uma relação crua, de violência sexual e crise psicológica numa ambientação claustrofóbica, o filme teve problemas com a censura, mas se tornou um ícone do cinema mundial.
Em 1973, Federico Fellini rodou aquele que é considerado o seu filme testamento: “Amarcord”. Trabalhando com memórias, humanismo, insolência, sexualidade, sonhos, personagens excêntricos e cenários fantásticos, Fellini nos brinda com um clássico que viverá para sempre em nossas lembranças. Acompanhando o dia a dia do garoto Titta (Bruno Zanin), seu alter ego, numa pequena cidade litorânea da Itália, o filme é um mosaico de tipos humanos e situações divertidas, mesclando aventuras e fantasias, sob o pano de fundo político do fascismo.
Em 1974, Luchino Visconti, um exímio cineasta de reflexões sobre classes sociais, notadamente a nobreza e a burguesia, realizou seu melhor filme: “Violência e Paixão”. Um professor americano aposentado (Burt Lancaster) vive uma vida solitária em um palácio em Roma, cercado por obras de arte e livros. Ao alugar um apartamento para uma Condessa (Silvana Mangano) rica e vulgar, seu jovem amante (Helmut Berger), sua filha adolescente e o noivo dela, sua vida fica pelo avesso. O filme explora brilhantemente temas como a colisão entre o velho e o novo, a iminência da morte, a crise existencial e o fosso social e moral entre gerações.
“Último Tango em Paris”, 1972, “Amarcord”, 1973, e “Violência e Paixão”, 1974
Cenas de “Último Tango em Paris”, 1972
Cenas de “Amarcord”, 1973
Cenas de “Violência e Paixão”, 1974
Em 1975, o diretor alemão Werner Herzog rodou um filme surpreendente abordando a história real do jovem Kaspar (Bruno S.) que, subitamente, deve se adaptar à realidade do mundo e das coisas depois de uma existência de confinamento inexplicável. O filme em questão é “O Enigma de Kaspar Hauser”. O processo de ligação do jovem com o mundo à sua volta é o desenvolvimento do filme. De atração circense até ficar sob os cuidados de um bondoso professor, o jovem não escapará dos horrores do seu passado.
Em 1977, os irmãos italianos Paolo e Vittorio Taviani se consolidaram como os novos talentos do cinema mundial ao lançar o filme “Pai Patrão”. O filme venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e retrata um pastor da Sardenha que é aterrorizado por seu pai dominador e tenta escapar educando-se. Ele eventualmente se torna um linguista célebre. O filme aborda tradições e realidades rurais onde a tirania prevalece nas relações familiares, e mostra também a cruel luta contra dois autoritários senhores: o pai e a terra. Como se desligar deles?
Em 1979, um novo diretor alemão se sobressai no mundo cinematográfico, Volker Schlondorff, e sua obra prima “O Tambor”. O filme é uma fábula moderna sobre um garoto que deseja não crescer em protesto contra o caos que o cerca, um mundo de adultos repleto de hipocrisia e injustiça, além da clara alusão à ascensão do nazismo e suas maldades. Como num conto de fadas, o garoto Oskar (David Bennent) permanece, então, uma criança que vive incessantemente batendo em seu tambor e gritando nas ruas de maneira solitária.
“O Enigma de Kaspar Hauser”, 1975, “Pai Patrão”, 1977, e “O Tambor”, 1979
Cenas de “O Enigma de Kaspar Hauser”, 1975
Cenas de “Pai Patrão”, 1977
Cenas de “O Tambor”, 1979
Diretores estrangeiros consagrados nos anos 70. Pela ordem: Vittorio De Sica, Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Luchino Visconti, Paolo e Vittorio Taviani
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