Movimentos Cinematográficos
O cinema espanhol: Surrealismo, simbolismo e modernidade

O cinema espanhol: Surrealismo, simbolismo e modernidade

O cinema espanhol tem algumas figuras de alto nível ao longo da história. Destacam-se os diretores Luis Buñuel, Carlos Saura e Pedro Almodóvar, mas devem citar-se outros nomes como Juan Antonio Bardem, Luis García Berlanga, Bigas Luna e Alejandro Amenábar.

O cinema espanhol teve alguns movimentos internos: o cinema surrealista, principalmente com o diretor Luís Buñuel; o cinema bélico, ou de propaganda, durante a Guerra Civil Espanhola e a segunda guerra mundial; o cinema de simbolismo contra a ditadura de Franco, principalmente do diretor Carlos Saura; e o cinema moderno de quebra de tabus notadamente de Pedro Almodóvar.

Figuras como o diretor artístico Gil Parrondo, vencedor de dois Óscares, o diretor de fotografia Néstor Almendros (que desenvolveu toda a sua carreira fora de Espanha), ou atores como Fernando Rey, Francisco Rabal, Fernando Fernán Gómez, Antonio Banderas, Sergi López, Javier Bardem e Martiño Rivas e atrizes como Sara Montiel, Ángela Molina, Victoria Abril, Carmen Maura, Maribel Verdú e, sobretudo, Penélope Cruz obtiveram fama, principalmente pelos trabalhos realizados fora de Espanha.

O cinema surrealista

Um movimento de vanguarda europeu surgiu a partir dos anos 20 do século passado: O surrealismo. O surrealismo propõe a valorização da fantasia, da loucura e a utilização da reação automática. Nessa perspectiva, o artista deve deixar-se levar pelo impulso, registrando tudo o que lhe vier à mente, sem se preocupar com a lógica, uma arte baseada no pensamento livre.

Os artistas surrealistas tinham como objetivo usar o potencial do subconsciente e dos sonhos como fonte para a criação de imagens fantásticas. Assim, as artes plásticas e a literatura eram vistas como um meio de expressar a fusão dos sonhos e da realidade em um tipo de realidade absoluta, uma “surrealidade“, ou uma alucinação.

Um dos principais expoentes do surrealismo na pintura foi Salvador Dali. Sua arte iria influenciar imediatamente o cinema espanhol na figura de Luís Buñuel. Com a fama internacional de Dali crescendo, o cinema espanhol também ganhou fama com essa parceria que produziria o filme “O Cão Andaluz”, de 1929. Esse filme foi uma sensação, um espanto, com imagens até então nunca filmadas, além de dialogar com a psicanálise de Freud, também em crescimento na Europa.

O pintor Salvador Dali, o filme “O Cão Andaluz”, e o diretor Luís Buñuel

Cenas de “O Cão Andaluz”, 1929

O diretor Luís Buñuel

O diretor Luís Buñuel continuaria explorando o surrealismo em vários de seus filmes, especialmente em “O Anjo Exterminador”, de 1962, e “O Fantasma da Liberdade”, de 1974. Mas também desenvolveu outras temáticas como “o anticlericalismo” (críticas ácidas contra a Igreja) em filmes como “Viridiana”, de 1961, e “O Estranho Caminho de São Tiago”, de 1969, e a veia ideológica contra a burguesia em “A Bela da Tarde”, de 1967, e “O Discreto Charme da Burguesia”, de 1972.

Em sua influente filmografia, Buñuel criticava duramente a divisão social de classes, o poder da religião e suas contradições e a luta pela sobrevivência das camadas populares e suas histórias de vida.  Ainda que demonstrando versatilidade narrativa, Buñuel nunca abandonou o surrealismo em sua linguagem cinematográfica. Essa influência, derivada da arte de Salvador Dali, sempre se manteve ativa. O cinema de Buñuel era radical, ácido, praticava o realismo fantástico, contestador e profundamente de crítica social. Para enfatizar sua temática, Buñuel se utilizava de imagens e situações alucinadas.

Selecionamos dois de seus filmes onde as preocupações fundamentais do seu cinema estão presentes: ataques à burguesia, críticas ferozes à moral e costumes vigentes e posicionamentos contra a Igreja. Os filmes são: “O Discreto Charme da Burguesia”, de 1972 e “o Fantasma da Liberdade”, de 1974.

“O Discreto Charme da Burguesia”, 1972, o diretor Luís Buñuel, e “O Fantasma da Liberdade”, 1974

Cenas de “O Discreto Charme da Burguesia”, 1972

Cenas de “O Fantasma da Liberdade”, 1974

O “Franquismo” e seu impacto no cinema espanhol

O “Franquismo” é o período da ditadura na Espanha do Generalíssimo Francisco Franco, o Caudillo do Estado espanhol. Após a Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939, o regime ditatorial foi formado por Francisco Franco e o Comitê de Defesa Nacional, uma facção do exército espanhol que se rebelou contra a República e que tinha apoio externo  da Alemanha Nazista e da Itália fascista. O “Franquismo” vigorou até a morte do Caudilho em 1975.

Essa ditadura de longo período influenciaria muito o cinema espanhol daí para frente, seja desenvolvendo a indústria da propaganda, seja produzindo artistas do cinema que realizariam filmes contrários ao regime de Franco, adotando uma linguagem surreal, como já mencionamos, mas também uma linguagem simbólica.

O cinema de simbolismo

Com a forte censura interna, a realidade política e social na Espanha foi muito abordada por filmes estrangeiros, especialmente em Hollywood. Dentro do país, alguns diretores espanhóis se sobressaíram com filmes que adotaram o simbolismo e a metáfora como formas de mensagens implícitas dos dramas do país.

O diretor Juan Antonio Bardem

Juan Antonio Bardem foi um dos grandes diretores do cinema espanhol. Membro do Partido Comunista, sua filmografia é recheada de críticas de classes e ironias sagazes contra a moral burguesa e o status quo. Dois de seus filmes são importantes: “A Morte de um Ciclista”, de 1955, e “Rua Principal”, de 1956.

“A Morte de uma Ciclista” é uma sátira social salpicada de ironia. Após atropelar um ciclista e fugir do local, um casal de amantes teme que seu relacionamento proibido seja revelado. Além da culpa que carregam, age sobre eles um perverso chantagista. O filme trata de mal estar existencial, do pecado do adultério e de alienação. A decisão de se auto delatar do personagem principal, o professor Juan (Alberto Closas), é uma crítica política ao establishment vigente que se mantém pela hipocrisia e corrupção em plena ditadura de Franco.

“Rua Principal” (Calle Mayor) é um drama social influenciado pelo neorrealismo italiano e particularmente por Federico Fellini, que narra a história de Isabel (Betsy Blair), uma  solteirona bem-humorada e sensata que vive em uma pequena cidade com sua mãe viúva. Ela está perdendo toda a esperança de se casar e ter filhos. Um bando de amigos de meia-idade entediados decide pregar uma peça em Isabel: Juan (José Suárez), o mais jovem e bonito deles, vai fingir estar apaixonado por ela. A situação chega ao limite da crueldade de sentimentos.

“A Morte de um Ciclista”, 1955, o diretor Juan Antonio Bardem, e “Rua Principal”, 1956

Cenas de “A Morte de Um Ciclista”, 1955

Cenas de “Rua Principal”, 1956

O diretor Luis García Berlanga

Outro importante diretor espanhol foi Luis García Berlanga, também considerado como um dos grandes renovadores do cinema na Espanha, apesar das dificuldades da ditadura militar de Franco. Foi cofundador, ao lado de Juan Antonio Bardem, da Revista de cinema Objetivo em 1953. A principal ccaracterística de seus filmes é o senso de ironia e as sátiras de diferentes situações sociais e políticas. Durante o Estado franquista , sua capacidade de enganar os censores permitiu-lhe fazer filmes ousados ​​como “Bem-Vindo Sr. Marshall”, de 1953, e “O Carrasco”, de 1963.

“Bem-Vindo Sr. Marshall” é uma comédia que apresenta críticas sociais à Espanha franquista dos anos 1950, mostrando uma típica aldeia espanhola, com habitantes caricaturais: um padre, a maioria da população que são camponeses, o prefeito e um fidalgo, que devem impressionar a visita de diplomatas americanos para se beneficiar dos recursos do Plano Marshall do pós-guerra. A Espanha, de maneira cômica, sendo subjugada pelos americanos.

“O Carrasco” é uma comédia bizarra que trata de um tema mórbido: O negócio lucrativo da pena de morte. O enredo é o seguinte: Um agente funerário é relutantemente persuadido a aceitar o papel de seu sogro como carrasco sob o regime franquista, em troca de ter toda a família sob a proteção do Estado. É uma crítica política feroz à ditadura de Franco, recheada de humor negro. É um filme que seria considerado surreal se fosse filmado fora do contexto da Espanha franquista.  

“Bem-Vindo Sr. Marshall”, 1953, o diretor Luis García Berlanga”, e “O Carrasco”, 1963

Cenas de “Bem-Vindo Sr. Marshall”, 1953

Cenas de “O Carrasco”, 1963

O diretor Carlos Saura

Carlos Saura é um diretor espanhol muito badalado e premiado na cena internacional. Apesar de seus principais filmes serem bastante simbólicos, tratando os problemas da Espanha e a ditadura franquista sempre nas entrelinhas dos personagens, criando metáforas e caricaturas, Saura conseguiu passar suas fortes críticas políticas e teve reconhecimento mundial.  Trabalhou também com documentários musicais e continuou tendo sucesso. Dois de seus filmes são impactantes e se tornaram obras-primas do cinema: “Ana e os Lobos”, de 1973, e “Cria Cuervos”, de 1976.

“Ana e os Lobos” é a codificação do simbolismo político da Espanha franquista. Ana (Geraldine Chaplin) é uma governanta estrangeira que chega a uma mansão de campo no interior da Espanha onde reside uma família complicada. A família que a recebe é formada por uma mãe dominadora e seus três filhos: João, um tarado sexual que assedia Ana; José, obcecado por armas e segurança; e Fernando, vítima de arrebatamentos místicos. Prestando atenção, o espectador vai identificando o significado de cada personagem no panorama político da ditadura de Franco.

“Cria Cuervos” é considerado uma obra-prima política e psicológica e um clássico do cinema espanhol. É um drama alegórico sobre uma menina de oito anos, Ana (Ana Torrent), que lida com perdas familiares e com uma infância difícil. O filme sublinha a disparidade entre o mundo interior dos traumas privados de Ana, agora adulta (Geraldine Chaplin), e o mundo exterior das realidades políticas e do Estado franquista. Ana vai lidar com sua culpa (passado), suas escolhas (presente) e suas possibilidades (futuro).

“Ana e os Lobos”, 1973, o diretor Carlos Saura, e “Cria Cuervos”, 1976

Cenas de “Ana e os Lobos”, 1973

Cenas de “Cria Cuervos”, 1976

As novas cores do cinema espanhol: Quebras de tabus e modernidade

Após o fim da ditadura franquista a partir de 1976, o cinema espanhol construiu novos caminhos, focando em tabus, moral e costumes, família, melodramas, sexualidade, feminismo e relações psicológicas. Três diretores se sobressaíram nesse período: Pedro Almodóvar, Bigas Luna e Alejandro Amenáber. O cinema espanhol obteve reconhecimento internacional e atingiu grande público nessa época.

O diretor Pedro Almodóvar

Pedro Mercedes Almodóvar Caballero é um cineasta, roteirista, produtor e ex-ator espanhol. Seus filmes são marcados pelo melodrama, humor irreverente, cores ousadas, decoração brilhante, citações da cultura popular e narrativas complexas. Aos poucos, seu cinema psicológico e propositadamente com muitos barracos, bagunceiro, vai ganhando notoriedade internacional. Foi o primeiro espanhol a ser indicado a um Oscar de Hollywood de melhor diretor e venceu prêmios em outros festivais de cinema pelo mundo. Dois de seus filmes expõem bem sua temática: “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, de 1988, e “Tudo Sobre Minha Mãe”, de 1999.

“Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos” apresentou Almodóvar ao mundo. É um drama em tons de comédia frenética sobre uma mulher desesperada. Em Madri, Pepa Marcos (Carmen Maura), uma dubladora de filmes que está grávida embora ninguém o saiba, é abandonada pelo amante e também dublador Ivan (Fernando Guillén), e se desespera tentando encontrá-lo, pois deseja uma explicação e evitar o fato consumado. Enquanto isso, diversos tipos populares entram em cena para ajudar, embora só atrapalhem.

“Tudo sobre Minha Mãe” foi o filme mais premiado de Almodóvar. Trata da história de uma mãe solteira em Madri, Manuela (Cecília Roth), que vê seu único e ainda jovem filho morrer acidentalmente. Ela vai a Barcelona à procura do pai de seu filho, uma travesti chamada Lola (Toni Cantó), que não sabe que tem um filho. O filme trata de perdas e lida com temas complexos como AIDS, travestilidade, identidade sexual religião, fé e existencialismo.

“Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos”, 1988, o diretor Pedro Almodóvar, e “Tudo Sobre Minha Mãe”, 1999

Cenas de “Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos”, 1988

Cenas de “Tudo sobre Minha Mãe”, 1999

O diretor Bigas Luna

José Juan Bigas Luna foi um cineasta, designer e artista espanhol. Seus filmes são tipicamente caracterizados por uma forte ênfase em temas eróticos, muitas vezes relacionado à comida, algo pelo qual ele admitiu uma forte paixão. Seu trabalho muitas vezes explora e parodia clichês da identidade cultural espanhola. Sua denominada “Trilogia Ibérica” nos anos 90 define mais claramente o seu cinema ao explorar as profundezas mais sombrias do erotismo e do machismo espanhol estereotipado. Dessa trilogia, selecionamos dois filmes: “Jamón Jamón”, de 1992, e “A Teta e a Lua”, de 1994.

“Jamón Jámon”é um filme detragicomédia romântica. Centra-se em uma jovem chamada Silvia (Penélope Cruz) que engravida de José Luis (Jordi Mollá), o descendente de um pequeno império de fabricação de roupas íntimas, e as consequências desastrosas de seu relacionamento quando se apaixona pelo bonitão Raul (Javier Bardem). O filme envolve jogos de palavras e trocadilhos, e apresenta contrapontos entre o antigo e o novo na identidade espanhola, bem como muitos outros contrastes emocionais, como desejo erótico e comida.

“A Teta e a Lua” é uma fábula moderna nada convencional que trata de um amor de três pessoas por uma dançarina local, Estrellita (Matilda May), uma mulher espetacular: o marido Maurice, o adolescente Miguel, e o garoto Tete (Biel Durán) que está louco por sua teta, pois a teta de sua mãe foi roubada por seu irmão menor. Daí, a confusão e a competição se estabelecem de maneira alucinante. É uma sátira aos costumes espanhóis.

“Jamón Jamón”, 1992, o diretor Bigas Luna, e “A Teta e a Lua”, 1994

Cenas de “Jamón Jamón”, 1992

O diretor Alejandro Amenábar

Alejandro Fernando Amenábar Cantos é um cineasta, roteirista e compositor hispano-chileno e um dos representantes da nova geração do cinema espanhol. De família de poucas posses, ele batalhou para conseguir se tornar um diretor de cinema. Amenábar logo se tornaria conhecido da crítica e do público internacional já no seu segundo filme chamado “Abre Los Ojos”, de 1997. Seu cinema possui narrativas diferenciadas e selecionamos dois de seus filmes de maior sucesso: “Os Outros”, de 2001, e “Mar Adentro”, de 2004.

“Os Outros” é um thriller de suspense e de fantasmas filmado em ambientes fechados e escuros. Se passa na 2ª guerra mundial num casarão mal-assombrado na Ilha de Jersey, onde Grace (Nicole Kidman) chora o marido que ainda não voltou da guerra e cria dois filhos totalmente sensíveis à luz solar. A sua rígida rotina de vida é quebrada quando ela contrata empregados para a casa e acontecimentos terríveis e sobrenaturais vão acontecendo.

“Mar Adentro” venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro e é um drama psicológico, muitas vezes doloroso, que trata de um tema complexo, a eutanásia, o direito de querer morrer. O filme é baseado na história da vida real de Ramón Sampedro (interpretado por Javier Bardem), que ficou tetraplégico após um acidente de mergulho, e sua campanha de 28 anos em defesa de um suicídio assistido, o direito de acabar com sua vida. Nessa trajetória, ele vai se debatendo com familiares, amigos e com uma advogada que o ajudará de forma gratuita.

“Os Outros”, 2001, o diretor Alejandro Amenábar, e “Mar Adentro”, 2004

Cenas de “Os Outros”, 2001

Cenas de “Mar Adentro”, 2004

Atores espanhóis que despontaram em Hollywood. Pela ordem: Antônio Banderas, Penélope Cruz e Javier Bardem

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