Análise de Filmes
Filme “A Vila” de M. Night Shyamalan, 2004

Filme “A Vila” de M. Night Shyamalan, 2004

Direção: M. Night Shyamalan

Produção: Scott Rudin, Sam Mercer

Roteiro: M. Night Shyamalan

Fotografia: Roger Deakins

Música: James Newton Howard

Elenco: William Hurt, Adrien Brody, Joaquin Phoenix, Bryce Dallas Howard, Sigourney Weaver

A sombra do medo e a liberdade vigiada: Sociedade real e utopia comunitária em xeque

Sobre o diretor do filme

Após filmes de muito sucesso como “O Sexto Sentido”, “Corpo Fechado” e “Sinais”, o diretor indiano residente nos Estados Unidos M. Night Shyamalan lançou em 2004 o assustador “A Vila”. O filme nos arrebata com um suspense aterrorizante e com um enredo reflexivo sobre uma vida alternativa contra um mundo real de dor e violência. Para tanto, Shyamalan contou com um elenco de peso, com atuações dramáticas de muita qualidade. Shyamalan sempre procurou deixar sua marca pessoal em seus filmes, captando a atenção do espectador até o limite máximo, para depois alterar o ponto de vista e mudar as regras praticadas e seguir numa nova ótica, surpreendendo com o inédito ou com o inesperado.

Com um cinema de ritmo lento, enigmático, sobrenatural e personagens destoantes da realidade, Shyamalan, infelizmente, andou tendo muitos contratempos com filmes inferiores, que fracassaram na crítica e no público, e seu mundo misterioso recheado de fantasmas, criaturas de contos de fadas, alienígenas e super-heróis de histórias em quadrinho andou se perdendo, ficou um tanto sem rumo. Recentemente, Shyamalan concluiu sua trilogia de super- heróis com o filme “Vidro”, a terceira seqüência que se iniciou com “Corpo Fechado”, e depois “Fragmentado”. Dessa vez, ele mostrou um novo vigor cinematográfico.

O diretor M. Night Shyamalan e alguns de seus personagens diferentes e enigmáticos

A comunidade utópica

O filme “A Vila” é surpreendente em muitos aspectos. Primeiro, a sua contextualização histórica: O vilarejo do título é uma cidadela de um grupo de pessoas que vivem nos moldes do século 19 e cercada pelo século 21 ou o filme se passa em 1897 num local remoto da Pensilvânia, interior dos Estados Unidos?  É um mistério que fica no ar, mas que se resolve no final para as pessoas atentas. O que importa é que o filme apresenta uma comunidade utópica que se isola das outras sociedades “normais” ou “reais”, retrai-se, vivendo completamente distanciada de outros modos de vida, longe do chamado progresso. E isso ocorreu por motivos pessoais, tragédias, experiências traumáticas, violência, dor, sofrimento que vitimou indivíduos e seus familiares.

Nesse povoado alheio ao mundo exterior, não existe concorrência, não existe as leis jurídicas, não existe as regras do capitalismo ou a ganância por poder e dinheiro. Parece o lugar ideal para uma vida sossegada e em harmonia social. Entretanto, existe uma condição para que esse tipo de vida funcione bem: todos os habitantes devem evitar a floresta que circunda o local, onde uma raça de criaturas misteriosas e malignas, que se vestem de vermelho, aterroriza e cerca a pequena cidade. Eles são chamados de “Aqueles com quem não falamos”. A área proibida é demarcada com tinta amarela, cor que espanta os monstros.

A comunidade utópica da Vila e a demarcação da área proibida

Trabalhando coletivamente para o sustento de seu simples modo de vida, aaldeia atípica é administrada por um grupo de pessoas mais experientes que se reúnem num Conselho comunitário, como Edward Walker (William Hurt) e Alice Hunt (Sigourney Weaver), que se tornam porta vozes da comunidade. O Conselho, também chamado de “Os Anciãos”, mantém a todos isolados de qualquer atrativo da civilização moderna às custas do medo. Nesse ponto, é impressionante ver até onde a criatividade humana é capaz de chegar para proteger o seu povo e aqueles que ama da violência urbana comum que assola a sociedade real, as cidades grandes.

Triângulo amoroso, criaturas e tragédia

Existem três personagens fundamentais na trama: Lucius (Joaquim Phoenix), filho da líder comunitária Alice, um jovem quieto, porém determinado, com o desejo de empurrar os limites da vida para o desconhecido, ou seja, penetrar na floresta e chegar à cidade, principalmente para solicitar assistência médica; Ivy (Bryce Dallas Howard), a filha cega do líder local Edward, paixão de Lucius, que exerce grande influência nas pessoas da vila por ser atenciosa, meiga, sensível, e que provará ser muito corajosa; e Noah (Adrien Brody), um rapaz perturbado, considerado louco, que sente uma atração perigosa por Ivy, e demonstrará ser individualista e uma ameaça à Vila.  

Os três personagens conduzirão a trama misteriosa, trafegando entre as criaturas malignas e em um triângulo amoroso, cheio de ciúmes, e que terá um desdobramento trágico. Cenas memoráveis ocorrerão sob o protagonismo desse trio instável, porém de personalidades fortes e decididas.

Noah, Lucius e Ivy, o triângulo de paixões e de ciúmes

Noah parece saber mais sobre as estranhas criaturas da floresta do que muitos da comunidade e provocará, com nítidas intenções de rebeldia e humor negro, um ataque delas ao povoado, mas com conseqüências aterrorizantes. Aqui temos uma cena memorável e assustadora do filme, quando, com a chegada das criaturas malignas, o povoado entra em pandemônio e todos se escondem em porões. Suspense e terror juntos.

O ataque das criaturas malignas da floresta

Existe um segredo na aldeia e um enredo sobre criaturas mortais, notadamente disseminados pelo Conselho de “Anciãos”. Noah, com sua loucura libertária e sabedor da verdade, desencadeia uma matança de animais que apavora seus habitantes, como se fora dos seres malignos da floresta. Todos permanecem amedrontados. Não há mais tranqüilidade, tudo parece ter sido perdido.

Entretanto, quando uma nova tragédia acontece, dessa vez a tentativa de assassinato de Noah contra Lucius, num ataque violento de ciúmes por causa de Ivy, os anciãos da vila, sem os remédios necessários para salvar uma vida, cede. Ivy precisará atravessar a floresta e enfrentar as criaturas.

A facada de Noah e Ivy vai para a floresta

Ivy, a cega, enfrenta as criaturas

Cega e completamente indefesa, Ivy, movida por amor, atravessa a floresta em busca de medicamentos. Essa perigosa jornada faz chegar ao fim o antigo pacto com as estranhas criaturas, bem como a vida pacata e segura dos habitantes, fazendo com que verdades sejam reveladas e a vila possa continuar sob uma nova perspectiva.

Esse percurso de Ivy até a cidade grande é incrivelmente tenso, bem filmado, numa narrativa de suspense. Acompanhamos com extrema expectativa e medo o desenrolar dos acontecimentos. É com grande apreensão que vemos Ivy correndo contra o tempo para salvar seu amado Lucius e tendo que enfrentar algo que não conhece e que muito menos conseguia enxergar.

Ivy vence todos os obstáculos. Perseguida na floresta, ela consegue se livrar da criatura maligna e chega a um posto médico da cidade, onde adquire os remédios, sendo atendida por um bom homem. Nem todos da cidade grande são maus.

Ivy e a criatura: vitória do amor

Vida real e vida alternativa: o medo e a falsa liberdade

O filme “A Vila” trata de um grupo de pessoas que decide se isolar e viver em uma comunidade utópica para fugir da violência e do sofrimento das cidades grandes, apesar de todo o progresso. Mas, para manter a comunidade coesa, pura, inocente e vivendo coletivamente, os mais velhos, e também mais sofridos, criam uma lenda aterrorizante de criaturas malignas na floresta. Ou seja, criam uma união através do medo. E a liberdade passa a ser vigiada e contida. Sob a sombra do medo e da falsa liberdade, a cidade real e a comunidade utópica adquirem a mesma dimensão. Ambas estão em xeque.

O personagem Noah sabia a verdade e criava pânico para seu deleite cômico e rebelde. Ele possuía paixão própria e liberdade própria e, com isso, acabou sendo morto. Fantasiava-se com a roupa da criatura maligna, inventada e usada normalmente pelos anciãos, para criar medo e pânico. Da mesma forma que na cidade grande, onde também há medo e terror, a comunidade da Vila não pode viver feliz debaixo de uma farsa que amedrontava seus habitantes. Além do mais, não eram auto-suficientes. Como viver sem remédios? Como viver sem a liberdade de ir e vir?

Felizmente, a utopia comunitária é possível ser reinventada, com uma nova perspectiva. O filme se propõe a isso com um final em que a vida pode ser rearticulada. Sem farsa, sem lenda, sem criaturas inventadas, enfim, sem medo. Pode-se viver distante de um mundo moderno doloroso, de cidades grandes engarrafadas e sufocantes, mas nunca em isolamento, pois a sociabilidade, mesmo na Vila proposta pelo filme, deve ser exercida e há sempre coisas de que necessitamos uns dos outros ou mesmo das cidades grandes,

O diretor M. Night Shyamalan filmando “A Vila”, e com os atores principais do filme

Cenas de “A Vila”, 2004

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