Filme “Amarcord” de Federico Fellini, 1973
Direção: Federico Fellini
Produção: Franco Cristaldi
Roteiro: Tonino Guerra e Federico Fellini
Música: Nino Rota
Fotografia: Giuseppe Rotunno
Montagem: Ruggero Mastroiani
Figurino: Danilo Donati
Reminiscências e retratos da vida: O olhar felliniano
Amarcord, que em dialeto provincial italiano significa “Eu me recordo”, é um filme simples e despojado, mas ao mesmo tempo grandioso e irresistível do cineasta Federico Fellini, que pode perfeitamente ser considerado um testamento de toda a sua obra cinematográfica.
O filme se passa nos anos 30 e nos remete, de forma imaginária, à cidade costeira de Rimini, região italiana da Emília – Romagna e berço de Fellini. Fellini nunca declarou publicamente se tratar de um filme autobiográfico, mas não há dúvida de que revelou em imagens e situações muito de suas memórias de infância.
Essa obra prima de Fellini, vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro, é um comovente, divertido e insolente retrato de um período que se passou, e no caso do filme é contextualizado na Itália fascista, mas que acredito que todos nós guardamos em nossas próprias memórias, sejam elas verdadeiras, esquecidas ou imaginadas.
Em Amarcord, Fellini fala de educação rígida, religião, sexo, política, psicologia, comportamentos e faz uma dura crítica ao fascismo, ainda que numa linguagem caricatural, de anedota, mas também sombria.
Os insolentes e adoráveis garotos de “Amarcord”
Narrado por um agradável cidadão comum que empurra sua bicicleta pelas ruas da cidade e que se comunica com o espectador, e onde o tempo é contado através da passagem das estações do ano, Amarcord é um mosaico de personagens profundamente humanos, cheios de vida, esperança, irreverência, exageros, comicidade e tragédias.
O filme segue a vida do adolescente Titta, sua família briguenta e refeições regadas a confusões, suas inquietudes, suas experiências e paixões e de seu grupo de amigos bagunceiros e amáveis. Titta pode ser o alter ego de Fellini.
Não há uma trama no filme ou uma história pronta para ser seguida, Fellini compôs uma variedade de situações e personagens para narrar o cotidiano de uma cidade, suas alegrias e tristezas, e onde seus cidadãos parecem viver num mar de confusões, fantasias e aventuras.
Fellini evita julgamentos, de pessoas ou de ações, mas mostra, à sua maneira um tanto grotesca, a realidade dura do fascismo e as incertezas do futuro.
O narrador do filme, um pacato e divertido cidadão
O cineasta Federico Fellini
Não há muito que explicar sobre Amarcord, mas sim ver suas belíssimas imagens, ouvir e acompanhar suas histórias e estórias e ser conduzido pela ternura da música do maestro Nino Rota.
São muitos os seus personagens e situações nesse filme. Vamos descrever situações marcantes: A desejada Gradisca que excita a todos, principalmente aos garotos, com o balançar de suas nádegas vultosas, e que está á procura de seu “Gary Cooper”; a prostituta solitária Volpina que vive no cio e ostenta um rosto louco e provocante; um velho cego agitado que toca acordeão nas ruas; um pavão majestoso que pousa junto com a neve com sua calda azul-verdejante.
O pavão misterioso
O pai de Titta, trabalhador, honesto, ao mesmo tempo briguento, nervoso e torturado pelos fascistas numa cena comovente do filme; a música da internacional comunista que toca num gramofone e que é derrubada e silenciada a tiros; a mãe de Titta, adorável, compreensiva e de saúde debilitada; o Tio de Titta, que vive com uma meia no cabelo para parecer um galã; a turma de Titta, que não para de fazer traquinagens, na rua e na escola, e de realizar experiências de masturbação dentro de carro, e que nos brinda com uma sentimental e comovente dança no frescor do vento e de um nevoeiro;
A família briguenta
Os tipos de professores de uma educação rígida: uma professora sargentona de seios pontudos, um outro professor que não deixa a cinza do cigarro cair; a brincadeira da urina dos garotos em sala de aula; o padre que fantasia as confissões; outro tio de Titta, internado num manicômio, que grita por uma mulher no alto de uma árvore.
A dona da tabacaria e o jovem Titta, alter ego do diretor Fellini
As festas tradicionais em torno de fogueiras; um motociclista que passa sem direção; as caminhadas noturnas pelas ruas encantadoras da cidade, as corridas de automóvel pelas ruas estreitas; a passagem de um imenso navio luminoso que extasia a população no mar.
Um Xá anão e suas amantes de rosto coberto no Grande Hotel que atrai um vendedor ambulante, feio e desajeitado; uma solenidade pública, com nuvem negra, em honra do ditador Mussolini, que tem seu rosto agigantado e voz tenebrosa.
As brincadeiras na neve; a dona da tabacaria que arrebata Titta entre seus enormes seios e o deixa doente; as idas ao cinema local e a paixão de Titta por Gradisca; o avô de Titta, que se perde no nevoeiro sem saber que está em frente do portão de casa, e que tem flatulência e um engraçado apetite sexual.
A alegria dos personagens de “Amarcord”
Enfim, Amarcord mostra o dia a dia tenro, terno, singelo e caótico de uma cidade de interior durante os anos do fascismo, mas que pode ter ligação com a cidade de cada um de nós. Seus personagens, suas ruas e suas histórias são atemporais e nos convidam a viver intensamente.
Um pouco de Fellini
O mestre Fellini pertenceu ao movimento cinematográfico do “Neorrealismo italiano” no fim da segunda guerra mundial, colaborando principalmente com um dos líderes, o cineasta Roberto Rossellini. Mas Fellini rompeu com a temática social e política deliberada daquele movimento para criar um universo onírico, circense, barroco, muitas vezes bizarro, mas profundamente tocante, sentimental, humano, onde fantasia e realidade são separadas por uma linha tênue e onde os sonhos estão sempre despertados. Sua maneira de realizar filmes com leveza, poesia, caricaturas e exageros cunhou um vocábulo denominado de “felliniano”.
Amarcord, como também a maioria de seus filmes clássicos, foi filmado nos estúdios cinematográficos da Cinecittá em Roma. Chamada de “Hollywood italiana”, Cinecittá era a fábrica de sonhos de Fellini, praticamente a sua segunda casa, e onde o seu gênio cinematográfico tinha um local específico para realizar seus filmes adoráveis: O “Studio 5”.
Entrada dos estúdios de Cinecitá em Roma
Fellini filmando no “Studio 5”, Cinecitá, a cena maravilhosa da passagem do navio iluminado
Federico Fellini realizou grandes filmes e ganhou 4 (quatro) oscars de melhor filme estrangeiro por “Estrada da Vida”, “Noites de Cabíria”, “8 e 1/2” e “Amarcord”, e recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes pelo filme “A Doce Vida”. Sua esposa, a encantadora Giulieta Massina, atuou em alguns de seus filmes. Sua pequena estatura, sua feição chapliniana e seu jeito meigo e melancólico foram sempre uma referência na obra felliniana.
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