O cinema brasileiro na segunda década do século XXI
O contexto do cinema nacional no período
Em pleno século XXI, o cinema nacional ainda enfrenta muitos desafios face à potência avassaladora da indústria cinematográfica estrangeira, mas sobrevive graças a qualidade de nossos diretores, atores, atrizes e investidores independentes. Entretanto, as questões de distribuição e exibição de películas nacionais nas salas de cinema do país continuam longe de serem resolvidas.
Incentivos fiscais, fundos de financiamento e parcerias do setor privado entre empresas ligadas ao segmento do audiovisual têm conseguido manter uma boa produção de filmes nacionais. Além disso, a Agência Nacional de Cinema – ANCINE, uma agência reguladora do setor, sobrevive como instrumento de fomento. No campo da crítica cinematográfica, a ABRACCINE realiza o debate sobre o cinema nacional e incentiva o surgimento de novos talentos.
Sob o manto da Lei Rouanet, Lei do Audiovisual e parcerias privadas, que mal ou bem ainda existem, o cinema nacional tem se mantido e difundindo pelo mundo o talento de nossos cineastas e a valorosa cultura do povo brasileiro, ainda que o atual Governo Federal tenha transformado o Ministério da Cultura em uma mera Secretaria e sem nenhum apreço pelo nosso cinema.
No período de 2010 a 2020, alguns filmes se tornaram populares, outros venceram prêmios internacionais, novos talentos surgiram e as mulheres cineastas se sobressaíram. O cinema brasileiro, apesar de tantos problemas, resiste e segue em frente contando as histórias do nosso povo.
Uma seleção de filmes brasileiros do período de 2010 a 2020
Em 2010, a cineasta Sandra Werneck lançou “Sonhos Roubados” onde retrata a vida de três jovens mulheres faveladas do Rio de Janeiro com sonhos e desejos tão grandes como a distância de poder realizá-los. O filme aborda uma juventude interrompida pela necessidade de se impor de alguma maneira frente as mazelas sociais. E a sensualidade e a sexualidade, que desabrocham cedo, são os instrumentos para tentar melhorar de vida.
Em 2011, o grande ator Selton Mello dirige um filme saboroso. Trata-se de “O Palhaço”, onde explora o mundo do circo mambembe em que pai e filho sobrevivem. Em crise existencial e sentindo sem perspectiva de um futuro estável, o filho Benjamin abandona sua trupe de artistas e tenta nova vida com desdobramentos incertos. Ainda que mostrando as alegrias do circo, o filme mostra também a tristeza desse mundo cheio de dificuldades.
Em 2013, o novato diretor André Pellenz rodou uma ótima comédia popular chamada de “Minha Mãe é Uma Peça”. Baseado numa peça teatral de sucesso, o filme narra as peripécias de uma dona de casa de meia idade, divorciada e hiperativa que, insatisfeita com sua família, foge para alguém onde possa desabafar suas tristezas e recordar os bons tempos do passado. O filme revelou o ator Paulo Gustavo no papel da mãe do título, em excelente performance.
“Sonhos Roubados, 2010, “O Palhaço”, 2011, “Minha Mãe é Uma Peça”, 2013
Cenas de “Sonhos Roubados”, 2010
Cenas de “O Palhaço”, 2011
Cenas de “Minha Mãe é uma Peça”, 2013
Os Diretores, pela ordem dos filmes: Sandra Werneck, Selton Mello e André Pellenz
Em 2014, a veterana cineasta Tizuka Yamazaki finalizou o filme “Encantados”. Baseado no livro O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó de Zeneida Lima, o filme trabalha com mitos do Norte do Brasil e mostra a trajetória da própria autora que nasceu às margens do rio Amazonas e que fugiu da casa de uma família poderosa local para seguir uma paixão. Sensitiva e determinada, Zeneida luta por suas opções de vida contra uma estrutura patriarcal.
Em 2015, um novo filme teve sucesso de público e de crítica. Trata-se de “Que Horas Ela Volta”, dirigido por Anna Muylaert. O filme aborda as desigualdades da sociedade brasileira ao focar em Val (Regina Casé), uma mulher nordestina de origem humilde, que vai para São Paulo em busca de um emprego de doméstica numa família de classe alta. Ao reencontrar sua filha, o conflito de classes e as discriminações se estabelecem dentro da casa.
Em 2016, o filme “Cinema Novo”, dirigido por Eryk Rocha, faz um ensaio poético e reflexivo sobre o movimento cinematográfico do Cinema Novo no Brasil, principalmente nos anos 60 e 70, que revolucionou nosso cinema. Através de trechos de filmes clássicos do movimento e de depoimentos dos próprios artistas que o fizeram, o filme é uma justa homenagem a uma excelente época do nosso cinema.
“Encantados”, 2014, “Que Horas Ela Volta”, 2015, “Cinema Novo”, 2016
Cenas de “Encantados”, 2014
Cenas de “Que Horas Ela Volta”, 2015
Cenas de “Cinema Novo”, 2016
Os Diretores, pela ordem dos filmes: Tizuka Yamazaki, Anna Muylaert, Eryk Rocha
Em 2018, a talentosa cineasta Monique Gardenberg realizou o filme “Paraíso Perdido” em que mistura drama e musical com bastante competência. O filme acompanha uma família que se une em torno de um clube noturno e que vai se desestabilizar com a chegada de um policial, que é na verdade um segurança de uma drag queen, membro da mesma família. Com uma bela fotografia e um ótimo elenco, o filme é um poema da boemia.
Em 2019, o filme “Bacurau”, dirigido por Kleber Mendonça Filho, teve grande impacto e foi muito premiado. O filme se passa no interior de Pernambuco onde o nome Bacurau designa uma ave noturna do sertão e é também o nome do vilarejo. Misturando gêneros, “Bacurau” apresenta o sertão nordestino com nuances de fantasia, alegoria, ficção científica e terror, tudo numa realidade distópica em um Brasil do amanhã (que assustadoramente, poderia ser hoje).
Em 2020, a cineasta Betse de Paula lançou “A Luz de Mário Carneiro” e realizou uma grande homenagem a um dos maiores diretores de fotografia do nosso cinema. Com depoimentos do próprio Mário Carneiro, que também era pintor, o filme mostra a trajetória desse grande artista com trechos de seus grandes filmes e, ao mesmo tempo, reflete sobre a história do nosso próprio cinema notadamente nas décadas de 60, 70 e 80
“Paraíso Perdido”, 2018, “Bacurau”, 2019, “A Luz de Mário Carneiro”, 2020
Cenas de “Paraíso Perdido”, 2018
Cenas de “Bacurau”, 2019
Cenas de “A Luz de Mário Carneiro”, 2020
Os Diretores, pela ordem dos filmes: Monique Gardenberg, Kleber Mendonça Filho, Betse de Paula
Um filme baseado numa música
A banda de rock brasiliense Legião Urbana lançou nos anos 80 a música “Eduardo e Mônica”, que se transformou num lindo filme dirigido por René Sampaio. Filmado na cidade de Brasília, capital do Brasil, o filme trata da relação amorosa improvável entre um adolescente e uma mulher mais vivida, experiente. Trafegando nos comportamentos, hábitos e rebeldias dos anos 80 em Brasília, o filme é delicioso ao mostrar que o amor supera idades, diferenças e gostos.
O filme mostrou ser intensamente emotivo, solto, agradável, mas também reflexivo sobre uma geração cheia de sonhos. Se dando a liberdade de realizar uma ficção cinematográfica, “Eduardo e Mônica” é um filme fiel ao contexto da música da banda Legião Urbana e nos leva para um passado na cidade de Brasília dos acampamentos em cachoeiras, das festinhas exóticas, dos embalos do rock, da arte alternativa, das mostras de cinema. Enfim, uma época em que os jovens buscavam seu próprio caminho.
“Eduardo e Mônica”, 2022, e o Diretor René Sampaio
Cenas de “Eduardo e Mônica”, 2022
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