Grandes Diretores
O cinema de Orson Welles: Inovação, virtuosismo e ousadias

O cinema de Orson Welles: Inovação, virtuosismo e ousadias

Breve perfil e o rádio

George Orson Welles (Kenosha, EUA, 6 de maio de 1915 – Los Angeles, EUA, 10 de outubro de 1985) foi um artista norte-americano. Ator, diretor, ecritor e produtor.

Órfão aos quinze anos, após a morte do seu pai (sua mãe morreu quando ainda tinha 9 anos), Orson Welles começou a estudar pintura em 1931, primeira arte em que se envolveu. Adolescente, não via interesse nos estudos e em pouco tempo passou a atuar. Tal paixão pelo teatro o levou a criar sua própria companhia de teatro em 1937, a Mercury Company. Nessa fase teatral inicial, Orson Welles adaptou peças de William Skakespeare.

Em 1938, Orson Welles produziu uma transmissão radiofônica intitulada A Guerra dos Mundos, adaptação da obra homónima de Herbert George Wells e que ficou famosa mundialmente por provocar pânico nos ouvintes do rádio, que imaginavam estar enfrentando uma invasão de extraterrestres. Um Exército que ninguém via, mas que, de acordo com a dramatização radiofônica, em tom jornalístico, acabara de desembarcar no nosso planeta.

Essa sensacional estreia pública lhe valeu um contrato de três filmes com o estúdio RKO, que lhe deu a liberdade absoluta em suas realizações. Apesar destes benefícios, apenas um dos projetos planejados conseguiu ver a luz do dia: Cidadão Kane (1941), o seu filme mais bem sucedido.

Orson Welles trabalhando no rádio

Orson Welles, já no fim da vida

A estreia no cinema

Sua estreia no cinema, em filme de longa-metragem, ocorreu em 1941 com Cidadão Kane, considerado pela crítica como um dos melhores filmes de todos os tempos e o mais importante dirigido por Welles.

Os elogios a Cidadão Kane se originaram por três motivos:

Inovação

Welles inovou a estética do cinema com técnicas até então raríssimas nas produções cinematográficas. Algumas delas são:

  • Ângulos de câmera (uso de plongée e contra-plongée);
  • Exploração do campo (campo e contracampo);
  • Narrativa (narrativa não linear);
  • Edição/Montagem (muito sofisticada para e época de sua realização, devido a não linearidade da narrativa);
  • Uso de longos planos-sequencia.

Coragem

Orson Welles retratou em Citizen Kane” a vida e a decadência de um magnata da comunicação norte-americana, baseado na história do milionário William Randolph Hearst. Esse filme foi um marco na carreira do ator. Mesmo estando pronto, Cidadão Kane quase não saiu, fruto de problemas com Hearst. Ele teve nove indicações para o Oscar, mas venceu apenas um, o de melhor roteiro original. Sua coragem de realizar esta obra prima acabou resultando no fechamento de muitas portas no futuro, beirando ao ostracismo no fim da vida.

Dinamismo

Foi diretor, co-roteirista, produtor e ator em Cidadão Kane. O que é surpreendente, pois no cinema o acúmulo de funções acaba influenciando de maneira negativa no resultado final. Mas no caso de Welles surgiu uma obra completamente à frente do seu tempo.

Cidadão Kane, 1941

Cenas de “Cidadão Kane”, 1941

Depois de Cidadão Kane

Logo após Cidadão Kane, Welles filmou Soberba, em 1942, com o mesmo vigor artístico, mas sem o controle total do filme. O filme se passa em Indianápolis, EUA, no final do século XIX e acompanha a abastarda família Amberson que se revela relutante em acompanhar as transformações que a rodeiam. Conflitos familiares, amorosos e de comportamento abatem a família.

Soberba, 1942

Cenas de “Soberba”, 1942

Um filme polêmico e inacabado

Depois, Orson Welles passou uma temporada no Brasil, onde pretendia filmar o famoso carnaval carioca e a vida de jangadeiros para acrescentar ao seguimento My Friend Bonito, do documentário It’s All True (É Tudo Verdade). Welles conheceu muitos artistas brasileiros. Mas algo desastroso ocorreu. Sobre o fato, Welles comentou em entrevista ao crítico de cinema, André Bazin:

“Era co-dirigido por mim e Norman Foster. Era uma história entre um pobre menino e seu touro. Depois fizeram outra versão. Modificando todas as ideias e refazendo tudo ao modo deles. Eu tinha rodado durante três meses, mas a RKO (estúdio) me despediu. Quando retomaram a ideia não queriam saber mais nada de mim. Tampouco me pagaram nenhum tipo de direitos e atuaram como se fosse uma história original”, declarou.

É Tudo Verdade, 1942

Cenas do episódio “Quatro homens e uma Jangada“ do filme inacabado “É Tudo Verdade”, 1942

Um grande filme, mas um fracasso de público

Problemas de realização de seus filmes iria ser uma constante na carreira de Welles, que logo após o fracasso de público de A Dama de Shanghai (1947) raramente conseguiria realizar um filme à sua maneira, dirigindo quase sempre em condições precárias. A Dama de Shanghai trata de um vagabundo romântico que fica preso entre um magnata corrupto e sua voluptuosa esposa. Num estilo de policial noir, o filme, como sempre, é tecnicamente muito bom.

A Dama de Shanghai, 1947

Cenas de “A Dama de Shanghai”, 1947

Adaptações de William Shakespeare

Orson Welles foi também um artista do teatro e adorava William Shakespeare. Tanto é verdade que ele adaptou para o cinema três grandes personagens do renomado escritor inglês: Macbeth, em 1948, Othello, em 1951, e Fastaff, 1965.

Macbeth, filmado em 1948 em apenas 23 dias, é um dos textos mais populares de William Skakespeare e trata-se de um drama histórico sobre a busca pelo poder a todo custo. Pode ser também entendido como uma metáfora sobre a ausência de barreiras morais pelo poder, sem freios para atos como assassinato, usurpação e outros crimes,

Macbeth, 1948

Cenas de “Macbeth”, 1948

Othello é um filme de tragédia de 1951 dirigido e produzido por Orson Welles, que também adaptou a peça de Shakespeare e desempenhou o papel-título. No enredo, o general Othello suspeita que sua esposa está tendo um caso com um de seus oficiais, o que na verdade é um esquema tortuoso planejado por um tenente.

Othello, 1951

Cenas de “Othello”, 1951

Falstaff ou Crimes à Meia Noite (título no Brasil) é um filme de comédia dramática rodado em 1965 dirigido e estrelado por Orson Welles. A co-produção hispano-suíça centra-se no personagem recorrente de William Shakespeare, Sir John Falstaff, e na relação pai-filho que ele tem com o príncipe Hal, que deve escolher entre a lealdade a seu pai, o rei Henrique IV, e Falstaff. Welles disse que o cerne da história do filme é “a traição da amizade”.

Crimes à Meia Noite, 1965

Cenas de “Crimes à Meia Noite”, 1965

Um cinema noir: Investigações, crimes e moral corrompida

Orson Welles se enveredou por temas que tratam de investigações, crimes e moral corrompida num estilo noir, com muita sombra e mistérios que às vezes nos faz lembrar do cinema expressionista alemão. Esses assuntos serão abordados em quatro filmes.

O Estranho, de 1946, do gênero suspense em estilo noir, traz imagens de campos de concentração, na II Guerra Mundial, e trata sobre um membro da Comissão de Crimes de Guerra e que viaja para Harper, Connecticut, EUA, em busca de Franz Kindler, o cérebro por trás do Holocausto, que assumiu uma nova identidade. Teve boa aceitação.

O Estranho, 1946

Cenas de “O Estranho”, 1946

Mr. Arkadin ou Grilhões do Passado (título no Brasil) foi rodado em 1955 por Orson Welles e trata da investigação sobre o passado obscuro de um milionário. O investigador se depara com a origem da fortuna do seu cliente, e coisas perigosas começam a acontecer. Orson Welles não tem medo de abraçar a moral corrompida de seus personagens, e não é à toa que ele preenche a tela constantemente com sombras, exaltando esse aspecto ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera tensa entre investigador e investigado.

Grilhões do Passado, 1955

Cenas de “Grilhões do Passado “, 1955

https://www.youtube.com/watch?v=epUckiNoHzE

Um dos grandes filmes de Orson Welles é A Marca da Maldade, de 1958, famoso por ter incluído um plano-sequência inicial de três minutos de um carro bomba e com um desfecho impactante. Ao investigar um assassinato, um chefe de polícia mexicano em lua-de-mel em uma pequena cidade da fronteira dos Estados Unidos com o México, entra em choque com um corrupto detetive americano que utiliza qualquer meio para deter o poder. O filme se tornou um clássico.

A Marca da Maldade, 1958

Cenas de “A Marca da Maldade”, 1958

O Processo é um filme de produção multinacional, de 1962, escrito e dirigido por Orson Welles, baseado no romance de mesmo nome do escritor Tcheco Franz Kafka. Numa certa manhã, Josef K. é acusado de um crime que, supostamente, sequer sabe que cometeu. Terá que lutar para se defender e, para isso, investigar por que está sendo investigado. O filme segue uma linha, já abordada por Alfred Hitchcock, de um personagem acusado de um crime que não cometeu e num ambiente claustrofóbico.

O Processo, 1962

Cenas de “O Processo”, 1962

Três filmes importantes apenas como ator

Ao longo de décadas, e para continuar sua carreira como diretor de filmes, Orson Welles aceitou papéis de ator, no qual sua presença e voz marcante, mesmo quando as participações eram pequenas, nunca passavam sem chamar atenção. Atuou em vários filmes, sempre com ótimas atuações. Foram selecionados três.

Em O Terceiro Homem, de 1949, dirigido por Carol Reed, Welles faz um papel marcante aparecendo em cena por pouco tempo. Na trama, um escritor americano chega a Viena, após a Segunda Guerra Mundial, e descobre que seu amigo Harry Lime (Orson Welles) foi morto em circunstâncias misteriosas. Ele passa a investigar o caso e descobre várias inconsistências sobre o caso.

O Terceiro Homem, 1949

Cenas de “O Terceiro Homem”, 1949

Em Malpertuis, de 1971, um filme de drama e terror dirigido por Harry Kumel, Orson Welles surpreende numa história bizarra. Um marinheiro descobre que seu tio ocultista acamado Cassavius ​​(Orson Welles) está prestes a dividir sua propriedade entre seus herdeiros, mas, ao que parece, apenas se eles se comprometerem a nunca deixar o local. Eles se encontram presos em um mistério onde representam deuses da mitologia grega. Como sempre, Orson Welles dá um show de atuação.

Malpertuis, 1971

Cenas de “Malpertuis”, 1971

Em O Mercador de Almas, de 1958, dirigido por Martin Ritt, Welles dá um show de interpretação sobre a história de um senhor que é dono de uma pequena cidade do Mississipi, EUA, e tem de lidar com um forasteiro acusado de ser incendiário e seu envolvimento amoroso com sua filha. Talento dos atores, sensualidade e diálogos poderosos e memoráveis. O filme é imperdível.

O Mercador de Almas, 1958

Cenas de “O Mercador de Almas”, 1958

O filme que demorou quarenta anos

Em O Outro Lado do Vento, somente lançado em 2018 após quarenta anos desde seu início de produção, Orson Welles aborda um Diretor de cinema com problemas para terminar seu filme. Com o orçamento estourado e a pressão de executivos de Hollywood, o Diretor comemora seu aniversário em meio a amigos e inimigos, exibindo aos presentes o que já filmou até o momento. Welles trabalhou nesse filme com dois grandes amigos: John Huston e Peter Bogdanovich. Mas, Welles não conseguiu terminar o filme em vida.

O Outro Lado do Vento, 2018

Cenas de “O Outro Lado do Vento”, 2018

O legado para o cinema

Orson Welles é considerado um dos artistas mais versáteis do século XX no campo do teatro, do rádio e do cinema, em que obteve excelentes resultados técnicos, ainda que com pouco público e bilheteria. Ele alcançou o sucesso aos vinte anos graças à obra radiofônica, A Guerra dos Mundos, que causou comoção nos Estados Unidos quando muitos ouvintes pensaram que se tratava de uma retransmissão verdadeira de uma invasão alienígena.

Trafegou no teatro, desde cedo, e com muita desenvoltura. Seus filmes muitas vezes possuíam uma linguagem teatral. Sempre buscou um cinema independente, tentava ter o controle total da produção, mas raramente conseguiu esse poder. Ele atribuía à montagem (a edição do filme) como a fase mais importante para dizer aquilo que se filmou. Por isso, rejeitou a maioria das versões de seus filmes lançados comercialmente sem a sua autorização. Seu público sempre foi mais seleto, sua técnica era muita apurada e seus filmes fugiam dos padrões convencionais do mercado de cinema, principalmente os de Hollywood.

Em 2002, Orson Welles foi eleito o maior diretor de cinema de todos os tempos em duas votações feitas pelo British Film Institute entre diretores e críticos, além de uma ampla pesquisa de consenso nas listas de melhores filmes e retrospectivas históricas, que o consideram, até hoje, o diretor mais aclamado de todos os tempos. Não é preciso isso tudo. Orson Welles apenas lutou pelo seu cinema, sempre em condições muito difíceis, sem grana, apesar de sua grande técnica, vontade e ousadia. E isso foi a sua vida.

O cineasta Orson Welles filmando

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