O cinema de Vittorio De Sica: Humanismo, temática social, comédia e drama
Um breve perfil
Vittorio De Sica (1901 – 1974) foi um diretor de cinema e ator italiano, um dos precursores e mestres do importante movimento neorrealista.
Vittorio De Sica nasceu em 7 de julho de 1901 em Sora, Lácio, filho de pais napolitanos. Seu pai era funcionário do Banco da Itália e foi transferido de Nápoles para Sora, Itália. De Sica começou sua carreira como ator de teatro no início da década de 1920 e ingressou na companhia de teatro de Tatiana Pavlova em 1923. Em 1933 fundou sua própria companhia com a atriz Giuditta Rissone, que mais tarde se tornou sua esposa, e Sergio Tofano. A companhia apresentava principalmente comédias leves, mas também encenava peças de Beaumarchais e trabalhava com diretores famosos como Luchino Visconti.
Como ator, estreou em 1932 no filme Dois Corações Felizes. Como diretor, sua estreia foi em 1939 com o filme Rosas Escarlates. Seu encontro com o roteirista Cesare Zavattini, um dos idealizadores do neorrealismo italiano, foi um acontecimento muito importante: juntos criaram alguns dos filmes mais célebres do movimento neorrealista. Em 42 anos de carreira, De Sica recebeu quatro prêmios Oscar de melhor filme estrangeiro: em 1948 por Vítimas da Tormenta, em 1950 por Ladrões de Bicicletas, em 1965 por Ontem, Hoje e Amanhã, e em 1972 por O Jardim dos Finzi-Contini. De Sica também foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1957.
Já como diretor, além dos filmes com os quais ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, Vittorio De Sica também se destacou pela direção de Milagre em Milão, de 1951; Umberto D, de 1952; O Ouro de Nápoles, de 1954; Duas mulheres, de 1960; Matrimônio à Italiana, de 1964; Os Girassóis da Rússia, de 1970. Seu último filme foi A Viagem Proibida, lançado em 1974.
O cineasta Vittorio De Sica em duas épocas
Filmes neorrealistas: Sofrimento, abandono e luta pela sobrevivência
Vittorio de Sica teve um papel muito importante no movimento cinematográfico do neorrealismo italiano após a segunda guerra mundial com filmes impactantes, propagando o humanismo e abordando mazelas sociais. Foram selecionados três filmes que são considerados obras primas do cinema mundial.
Em 1946, Vittorio de Sica lançou o filme Vítimas da Tormenta. No enredo, dois jovens abandonados pelos pais lutam pela sobrevivência numa Itália arrasada pela segunda guerra mundial. Enquanto engraxam as botas dos soldados americanos, eles sonham possuir um cavalo branco em um futuro róseo. Envolvidos com o mercado negro, acabam enviados para um reformatório.
Vítimas da Tormenta (No original, “Sciuscia”), 1946
Em 1948, Vittorio de Sica rodou aquele que é considerado seu melhor filme: Ladrões de Bicicleta, um grande clássico do neorrealismo italiano. Um homem desempregado consegue um emprego como colocador de cartazes. Entretanto, para conseguir o trabalho, precisava de uma bicicleta, o que o fez penhorar objetos de casa para conseguir adquirir uma. A trama se desenrola a partir do dia em que sua bicicleta é roubada e, junto com seu filho, ele a procura por toda Roma. O drama é capaz de transportar o espectador para a situação vivida por pai e filho de maneira tão forte que os sofrimentos são refletidos em quem assiste.
Ladrões de Bicicleta, 1948
Cenas de “Ladrões de Bicicleta, 1948
Em 1952, Vittorio de Sica realizou um filme tocante intitulado Umberto D. Trata de velhice, abandono e luta por dignidade. No enredo, um idoso romano pobre tenta desesperadamente manter seu quarto alugado, pois sua aposentadoria é pequena e ele está sendo despejado. Seus únicos amigos são uma empregada doméstica e um cachorro. É um filme triste, comovente e totalmente atual.
Umberto D, 1952
Cenas de “Umberto D”, 1952
Novas abordagens: Fábula social, histórias populares e melodrama
Ainda que tenha se deslocado de sua abordagem explicitamente neorrealista, Vittorio De Sica se manteve focado em personagens populares e seus contextos sociais de lutas. Foram selecionados três filmes.
Milagre em Milão foi lançado em 1951 e é uma fábula social ou ainda um diálogo entre fantasia e política super interessante. No enredo, um jovem sai do orfanato e organiza os desabrigados e marginalizados em uma pequena cidade para que possam viver em comunidade. Bondoso e miraculoso, sua felicidade socialista dura pouco depois de o petróleo ser encontrado nas suas terras. O final é surpreendente e mágico.
Milagre em Milão, 1952
Cenas de “Milagre em Milão”, 1951
Em O Ouro de Nápoles, de 1954, Vittorio De Sica diversifica seus personagens, mas sempre com um olhar nas questões sociais. Trata-se de uma coleção de seis histórias baseadas na cidade de Nápoles que acompanham as aventuras de diferentes personagens, nomeadamente um palhaço explorado, um inconstante vendedor de pizza, uma criança morta e uma prostituta.
O Ouro de Nápoles, 1954
Cenas de “O Ouro de Nápoles”, 1954
O filme Duas Mulheres, de 1960, é um drama de guerra durante o fascismo e o bombardeio dos aliados. Mãe e filha decidem largar sua loja em Roma, abandonar a cidade e viver numa montanhosa região de origem. Lá, ela conhece um comunista da resistência. Com a chegada das tropas aliadas e retornando para Roma, as duas são estupradas e a filha acaba sofrendo um colapso mental.
Duas Mulheres, 1960
Cenas de “Duas Mulheres”, 1960
Comédias, crônicas sociais e universo feminino
Vittorio de Sica, nos anos 60, se direcionou para as comédias, crônicas sociais e priorizando as mulheres em seus filmes. Confusões amorosas são a tônica desse período. Foram selecionados três filmes.
O filme Ontem, Hoje e Amanhã, de 1963, trata de três mulheres com estilos de vida diferentes: uma contrabandista, uma rica socialite e uma prostituta que se envolvem em casos amorosos. O filme trafega no universo feminino e aborda sedução e sexualidade.
Ontem, Hoje e Amanhã, 1963
Cenas de “Ontem, Hoje e Amanhã”, 1963
Matrimônio à Italiana, lançado em 1964, foi um filme popular na época. Trata-se de uma comédia romântica. No enredo, durante a segunda guerra mundial, Domenico, um bem-sucedido homem de negócios e com uma grande queda pelas garotas, encontra a jovem e linda Filumena em um bordel. Após a guerra, ele aluga um apartamento para ela e os dois se tornam amantes. Daí para frente, há segredos e enganações.
Matrimônio à Italiana, 1964
Cenas de “Matrimônio à Italiana”, 1964
Sete Vezes Mulher, de 1967, é um filme menor de Vittorio De Sica, mas vale pelo elenco de atores. Este filme apresenta sete mini histórias diferentes de adultério, que destacam diversas características da mulher, em forma de pintura. São sete episódios, todos estrelados pela jovem, linda e fantástica atriz Shirley MacLaine.
Sete Vezes Mulher, 1967
Cenas de “Sete Vezes Mulher”, 1967
Dramas de época e amores
Na década de 70, Vittorio De Sica realizou seus três últimos filmes e focou em dramas históricos de guerra, um assunto que sempre o preocupou. Mas também há romances, histórias de amor.
Os Girassóis da Rússia, de 1970, conta o drama de Giovana (Sophia Loren), que, após a segunda guerra mundial, vai em uma busca desesperada para encontrar seu marido (Marcelo Mastroiani), desaparecido nos campos de batalha da União Soviética. A protagonista é uma mulher italiana obstinada que faz uma cansativa viagem por terra anos após o fim da guerra. Ao encontrar seu marido, ela descobre que ele é um homem mudado.
Os Girassóis da Rússia, 1970
Cenas de “Os Girassóis da Rússia”, 1970
Em O Jardim dos Finzi Contini, de 1971, Vittorio De Sica realiza um clássico drama italiano baseado no livro homônimo de Giorgio Bassani. O filme é centrado numa rica família de aristocratas judeus italianos, que ainda resistem contra as leis antijudaicas do regime fascista. Entretanto, quando o movimento fascista se torna mais forte, porém, afeta todos os que estão na órbita da família.
O Jardim dos Finzi Contini, 1971
Cenas de “O Jardim dos Finzi Contini”, 1971
A Viagem Proibida foi o último filme de Vittorio De Sica, lançado após sua morte em 1974. É uma história de amor ambientada na Sicília, no início do século XX, época em que os jovens ainda se casavam por determinação dos pais. Um imprevisível triângulo amoroso tem início quando dois irmãos se apaixonam pela mesma mulher. Há uma sociedade antiquada, uma aura de universo perdido, e somente o destino e a fatalidade podem alterar as coisas.
A Viagem Proibida, 1974
Cenas de “A Viagem Proibida”, 1974
O legado para o cinema
Vittorio De Sica foi um grande cineasta. Seu cinema teve uma enorme importância para a Itália do pós-guerra, principalmente por ter sido um precursor e um mestre do movimento cinematográfico do neorrealismo que filmou gente do povo com seus problemas de sobrevivência e influenciou gerações de outros cineastas. Filmou nas ruas e utilizou atores amadores para dar mais naturalidade e força ao contexto social de que tratava. O impacto foi grande, emocionante. Surpreendeu mostrando sofrimento de crianças e trabalhadores desesperados.
Vittorio De Sica foi muito atingido pela segunda guerra mundial no que tange aos seus sentimentos, que foram abalados, e aos ideais comunistas que abraçou politicamente em um período de sua vida. Tratou de dramas de guerra em alguns de seus filmes. Focou seu trabalho no humanismo, nas mazelas sociais e, mesmo em suas comédias, dramas ou histórias de amor, procurava construir um cinema popular.
Seus filmes procuraram entender o seu tempo, mostrar uma realidade nua e crua e buscar a verdade. Por ter um cinema voltado para as questões sociais e a justiça, muitas vezes não conseguia ter sucesso de bilheteria. Por esse tipo de problema, ele teve que mudar seu caminho para filmes mais palpáveis para o grande público. Daí, trabalhou com comédias leves, crônicas sociais, romances e confusões amorosas. Mas, continuou fazendo bons filmes.
Além de ter sido um dos melhores diretores de cinema do seu tempo, ele também foi um grande ator.
Vittorio De Sica filmando