O cinema na Polônia e na Grécia: Politização, moral, ansiedades e melancolia
O cinema na Polônia
O cinema polonês teve algumas fases importantes em sua história. Depois de se expandir no período entre guerras com a fundação de dezenas de estúdios, a indústria de cinema deixou de funcionar durante a segunda guerra mundial. No período pós-guerra, a vida cultural e artística na Polônia se desdobrava lentamente. O regime comunista percebia o cinema como uma ferramenta de propaganda e muitos filmes foram marcados pelo realismo socialista.
A grande novidade foi a Escola de Cinema de Lódz, que formou o alicerce do cinema polonês a partir de 1948. Essa Escola era vanguardista e inovadora. Ainda que sob controle comunista, houve uma boa produção e talentos surgiram. Grandes cineastas poloneses oriundos ou influenciados pela Escola de Lódz incluem Andrzej Wajda, Andrzej Munk, Jerry Skolimowski, Roman Polanski, Krzysztof Kieslowski e Agnieska Holland, que serão abordados neste artigo.
A partir dos anos 50, mudanças no clima político do país permitiram que um movimento denominado de Escola Polonesa de Cinema pudesse emergir com mais liberdade criativa. Os artistas tinham em mente livrar a arte do excesso de romantismo e do uso político dos mitos nacionais. Nesses anos 50, os destaques vão para Andrzej Wadja e Andrzej Munk.
Andrzej Wadja foi o maior cineasta da Polônia. Realizou inúmeros filmes reconhecidos no mundo todo. Inicialmente comunista, Wadja posteriormente se tornou um forte crítico do stalinismo e do regime soviético. Vamos citar um de seus primeiros filmes pela sua importância histórica: “Kanal”, de 1957. O filme Retrata os últimos dias de um pelotão de poloneses que participam do levante de Varsóvia, em setembro de 1944. A maior parte da ação se passa dentro dos esgotos (“kanal”, em polonês) da capital polonesa. Como a guerra, o filme é violento, absurdo, desesperador. Num clima barroco e até mesmo dantesco, o filme impactou o mundo inteiro.
“Kanal”, 1957, e o Diretor Andrzej Wadja
Cenas de “Kanal”, 1957
Andrzej Munk foi outro importante cineasta da Escola Polonesa de Cinema nos anos 50. Munk rompeu com o lirismo e utilizou o racionalismo para criticar o romantismo polonês. Filmou fábulas filosóficas, contestou heróis e focou num realismo social com traços surreais, ainda que pareça contraditório. Seu filme “Heroica”, de 1958, é composto de duas histórias separadas sobre um bêbado e um soldado fugitivo durante a segunda guerra mundial e apresenta críticas satíricas de dois aspectos do caráter polonês: o oportunismo aquisitivo e um fascínio romântico por mártires heroicos. Munk morreu prematuramente e deixou um bom legado.
“Heroica”, 1958, e o Diretor Andrzej Munk
Cenas de “Heroica”, 1958
Nos anos 60, uma nova vertente apareceu no cinema polonês. Foi chamada de Terceiro cinema polonês. Eram jovens artistas que entraram em cena, cresceram e viveram a realidade do pós-guerra. Era o fim da era stalinista e estes jovens cineastas falavam de suas vidas cotidianas, escolhas morais, dilemas existenciais, dramas psicológicos e o medo da maturidade. Citaremos dois cineastas importantes desse período: Roman Polanski e Jerzy Skolimowski.
Roman Polanski é um cineasta polonês, ainda que nascido na França, que mais conseguiu fama internacional. Sua temática é variada, mas percebe-se um olhar trágico e geralmente angustiante em seu cinema. Polanski teve uma vida marcada por perdas terríveis e isso foi exposto em alguns de seus filmes. Seu primeiro grande prêmio internacional, o Urso de Ouro em Berlin, foi em 1966 quando lançou “Armadilha do Destino”. O filme é um thriller psicológico, com tons de comédia bizarra, que acompanha dois vigaristas que se abrigam em um castelo onde vivem um neurótico e excêntrico aposentado e sua hiper sexual esposa. Nesse mundo isolado, haverá um intricado jogo de vontades e disputas.
“Armadilha do Destino”, 1966, e o Diretor Roman Polanski
Cenas de “Armadilha do Destino”, 1966
Jerzy Skolimowski pode ser considerado um artista completo. Foi Diretor, roteirista, ator, poeta e pintor. Fez alguns filmes na Polônia onde era geralmente censurado. Rompeu os laços com o realismo e utilizou a linguagem de símbolos. Emigrou para o exterior e realizou seu filme mais conhecido: “A Partida”, de 1967. Em tom de comédia, o filme acompanha um jovem obcecado por carros que tenta obter um Porsche para uma corrida. Ao se envolver com uma garota, confusões acontecem. Incrivelmente bem feito e bem interpretado num estilo próximo ao movimento da Nouvelle Vague francesa.
“A Partida”, 1967, e o Diretor Jerzy Skolimowski
Cenas de “A Partida”, 1967
A partir dos anos 70, surgiram dois novos talentos no cinema polonês com uma temática denominada muitas vezes de ansiedade moral: Agnieszka Holland e Krzysztof Kieslowski. Os dois fizeram sucesso nos anos 90.
Agniezka Holland foi assistente do grande cineasta Andrzej Wadja e se notabilizou com o filme “Europa Europa”, de 1990. O filme é baseado na autobiografia de 1989 de Solomon Perel, um menino judeu alemão que escapou do Holocausto disfarçado de nazista e se juntou à Juventude Hitlerista. O título do filme refere-se à divisão da Europa continental na segunda guerra mundial, resultando em uma constante mudança nacional de lealdades, identidades e linhas de frente.
“Europa Europa”, 1990, e a Diretora Agniezka Holland
Cenas de “Europa Europa”, 1990
Krzysztof Kieslowski foi um Diretor bastante surpreendente. Depois de realizar Decálogo, uma produção originalmente para a TV em episódios sobre os dez mandamentos, lançou a Trilogia das Cores da bandeira francesa e com os temas da revolução: liberdade, igualdade e fraternidade, nos anos 90. A cor azul para liberdade, branco para igualdade e vermelho para fraternidade dão a tonalidade visual em cada filme. Foi um grande sucesso. O terceiro se chamou “A Fraternidade é Vermelha”, de 1994. O filme trata da solidão contemporânea num encontro de uma jovem modelo com um juiz aposentado que bisbilhota a vida das pessoas por telefone e para quem a vida e o ser humano são completamente desprezíveis. Tudo se passa na Suíça. Depois que encontra a modelo tão solitária quanto ele, vai pensar o contrário.
“A Fraternidade é Vermelha”, 1994, e o Diretor Krzysztof Kieslowski
Cenas de “A Fraternidade é Vermelha”, 1994
O cinema na Grécia
Após uma produção pouco ativa durante o período de guerra, o cinema grego desenvolveu-se nas décadas seguintes graças, entre outras coisas, à grande produtora Finos Film. O número de filmes produzidos aumentou consideravelmente. Já na década de 1960, o cinema grego teve o que é considerado seu auge. Foi também a “idade de ouro” da comédia grega. No entanto, os filmes tinham mais motivação comercial e de entretenimento.
A ditadura dos coronéis foi um período de transição. O cinema popular desapareceu com a chegada da televisão e das grandes produções de Hollywood. Ao mesmo tempo, a censura acabou com o cinema de autor, que, no entanto, se recuperou nos últimos anos do regime, conseguindo contornar as proibições. O que desde então se chamou de Novo Cinema Grego ganhou força na década de 1970, com confrontos entre o antigo e o novo, principalmente no festival de Thessaloniki .
O Novo Cinema Grego foi um grande sucesso de crítica e ganhou prêmios em festivais ao redor do mundo. No entanto, atingiu o seu limite em termos de financiamento e distribuição no início dos anos 80. De meados dos anos 1980 ao início dos anos 2000, o cinema grego experimentou uma queda, com exceção de alguns sucessos solitários, antes de um renascimento no final da década passada com jovens autores que se distanciaram das estruturas tradicionais de financiamento e criação e novamente foram premiados em festivais internacionais.
A popularidade do melodrama levou a obras neorrealistas no cinema grego nos anos 50. Nessa narrativa, o filme “Stella, Mulher Livre” de Michael Cacoyannis em 1955 foi um clássico. Esse cineasta habilmente mesclou as culturas gregas antigas e modernas, todas carregadas por sua atriz principal Melina Mercouri. No enredo, Stella é uma cantora em um cabaré em Atenas e todos os homens se apaixonam por ela. Ela escolhe seus amantes e recusa o casamento. O filme aborda as contradições da Grécia nos anos 1950: o desejo de mudança e modernização diante do medo da instabilidade e da perda da identidade nacional. Stella incorpora essas contradições: ela busca, sem sucesso, modernizar seu número, ela triunfa no palco com canções gregas e se rebela contra a dominação patriarcal.
“Stella, Mulher Livre”, 1955, e o Diretor Michael Cacoyannis
Cenas de “Stella, Mulher Livre”, 1955
Outro grande Diretor de cinema grego é Costa-Gavras. Costa-Gavras é adepto de um cinema político, tendo feito muitos filmes sobre as ditaduras, movimentos sociais, golpes, militância de esquerda e críticas ao capitalismo. Sua filmografia é repleta de realismo político e social, denúncias e reflexões sobre o mundo contemporâneo. Ganhou destaque no cenário internacional com o filme “Z”, de 1969, baseado no livro homônimo escrito por Vassilis Vassilikos, um thriller que denunciava o acobertamento das investigações do assassinato do político grego Grigoris Lambrakis em 1963.
“Z”, 1969, e o Diretor Costa-Gavras
Cenas de “Z”, 1969
O cineasta Theo Angelopoulos foi o responsável por revigorar o cinema grego principalmente a partir dos anos 90. Seus filmes são conhecidos pelas longas cenas sem cortes (plano-sequência), pelo silêncio, alegorias e referências mitológicas, além da temática que percorre os caminhos da melancolia na civilização moderna, com abordagens mais emocionais e subjetivas. Seu filme “O Olhar de Ulisses”, de 1995, é uma viagem pelas raízes do cinema, memórias e pela basca da identidade na região dos Balcãs. Tudo parece à deriva, com decadência e morte.
“O Olhar de Ulisses”, 1995, e o Diretor Theo Angelopoulos
Cenas de “O Olhar de Ulisses”, 1995
Por fim, temos um cineasta que representa o cinema grego mais recente. Seu nome: Yorgos Lanthimos. Com experiência na TV, no teatro e videoclips nos anos 90, Yargos conquistou nome no cinema mundial a partir dos anos 2000. Já concorreu ao Oscar e seu filme de 2015, “O Lagosta”, venceu vários prêmios internacionais. Esse filme é uma mistura de comédia romântica, humor negro, ficção científica e suspense. Na verdade, é um conto estranho sobre uma proibição, num futuro qualquer, das pessoas permanecerem solteiras sob o risco de serem transformadas em animais.
“O Lagosta”, 2015, e o Diretor Yargos Lanthimos
Cenas de “O Lagosta”, 2015
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