Filme “O Show de Truman” de Peter Weir, 1998
Filme: O Show de Truman, 1998
Direção: Peter Weir
Produção: Scott Rudin, Edward Feldman, Adam Schroeder
Roteiro: Andrew Niccol
Elenco: Jim Carrey, Ed Harris, Laura Linney, Noah Emmerich, Natascha McElhone
Música: Philip Grass, Burkhard Dallwitz, Woiciech Kilar
Fotografia: Peter Biziou
Montagem: William Anderson, Lee Smith
Uma fábula que se tornou realidade: Há diferença entre vida monitorada e vida real num mundo on-line?
Sobre a produção e o diretor do filme
A produção do filme foi tumultuada e demorada. O roteiro foi reescrito várias vezes. Existiam diversos nomes para a direção do filme. O ator Jim Carrey fez o filme esperar sua presença além do tempo previsto. O filme inicialmente era para ser um thriller de ficção científica, num tom sombrio. Depois, contaria uma história mais leve, em tom de comédia. Por fim, acabou se tornando um drama psicológico com pitadas humorísticas.
As locações escolhidas foram em Seaside, uma espécie de comunidade planejada localizada no Panhandle, noroeste da Flórida. As filmagens foram longas e ocorreram de dezembro de 1996 a abril de 1998. A aparência geral da cidade cinematográfica foi influenciada por imagens de televisão, particularmente os comerciais onde se vende de tudo, ideia fundamental que serve de base para a história contada no filme.
Peter Weir, que dirige o filme, é um cineasta australiano. Entrou no cenário mundial do cinema com o drama histórico Gallipoli (1981) e o thriller de romance e mistério O Ano em que Vivemos em Perigo (1982). Tendo esses dois filmes como passaporte, Weir dirigiu alguns filmes americanos cobrindo alguns gêneros, muitos deles grandes sucessos como o policial A Testemunha (1985), o drama Sociedade dos Poetas Mortos (1989) e a comédia romântica Green Card (1990).
O diretor Peter Weir e o ator Jim Carrey na cidade cenográfica do filme
Informações sobre a história do filme
Truman Burbank (Jim Carrey) é um pacato vendedor de seguros, com sua vidinha tranquila numa bonita cidade. Entretanto, ele não sabe que se trata de uma estrela, desde o seu nascimento, do The Truman Show, um programa de televisão de realidade filmado 24 horas por dia, 7 dias por semana, através de milhares de câmeras escondidas e transmitido para uma audiência mundial. Christof (Ed Harris) é o criador do programa que procura capturar as emoções autênticas de Truman e dar ao público um homem comum relacionável.
A cidade natal de Truman, Seahaven Island, é um conjunto completo construído dentro de uma enorme cúpula, povoada por membros da equipe e atores que destacam produtos comerciais que geram receita para o show. O conjunto elaborado permite que Christof controle quase todos os aspectos da vida de Truman, incluindo o clima. Para evitar que Truman descubra sua falsa realidade, Christof fabrica cenários que dissuadem o desejo de exploração de Truman.
Christof, o criador do programa The Truman Show, e o personagem principal, Truman, que parece feliz
Alguns questionamentos iniciais
Truman vive numa bolha artificial sem saber disso. Até aqui, qual é o problema para Truman ter uma vida criada e monitorada, se ele está feliz? Quais insatisfações Truman teria se não sabe que seu mundo é falso e se não conhece outro mundo? Insatisfações e estranhamentos existem no mundo real. Impossibilidades de realização de desejos e vontades, todos nós temos. Regras, normas, leis que devemos seguir também existem no mundo real, gostemos ou não.
Lembremos que Truman só passa a desconfiar de seu mundo quando coisas estranhas acontecem, tipo a queda de um aparato técnico do programa ou quando deseja fazer uma viagem, mas é impedido por truques do programa. Fora isso, ele segue com uma vida normal, com trabalho, família, amigos, prazeres e problemas comuns que qualquer pessoa tem em sua “vida real”.
Mas, como entender o filme e o processo de desconfiança de Truman que o levará a questionamentos sobre a única vida que possui e a querer sair dessa vida? Que opções ele terá? Algumas reflexões são possíveis e serão colocadas a seguir.
O mundo da bolha artificial de Truman e o nosso mundo real
O mito da caverna
No mito da caverna, o filósofo grego Platão coloca pessoas prisioneiras numa caverna subterrânea onde só conhecem as coisas do mundo exterior através de sombras e ecos. Imaginando um prisioneiro que foi liberto, ele encontra um mundo desconhecido que, depois de muito estranhar, verifica que é vasto. Ele tem duas opções: voltar para a caverna e libertar os outros prisioneiros, que podem até matá-lo por considerá-lo louco, ou seja, perderiam sua zona de conforto, ou seguir sozinho em busca do verdadeiro conhecimento.
O mito da caverna se refere a escolhas: Ou ficarmos no nosso mundinho rasteiro ou vamos em busca de um mundo de plenitude. No caso do filme “O Show de Truman”, o personagem Truman sairia de um mundo criado artificialmente para um mundo “real” onde seria praticamente igual, com a mesma dinâmica de vida, mas com a possibilidade de ter livre escolha. Mas escolher o que? Ele teria que ser um antagonista para lutar contra a lógica do mundo de poder, dinheiro e consumo ou ir para uma caverna em busca de sabedoria divina.
Os mitos das sombras de Platão e os mitos da sociedade de consumo no filme
O formato do Reality Show
Quando o filme “O Show de Truman” foi realizado em 1998, o Reality Show ainda não tinha sido criado. Então, logo depois, em 1999, John de Mol, um executivo da TV holandesa, teve a ideia de criar um programa batizado de Reality Show onde as pessoas comuns seriam selecionadas para viverem em uma mesma casa, vigiadas por câmeras, 24 horas por dia.
E qual é o objetivo do Reality Show? O que o programa busca alcançar é, através do caráter testemunhal das suas imagens, ter o acesso a uma suposta verdade interior das pessoas, uma verdade escondida que apenas as imagens podem mostrar. Os espectadores seriam voyeurs dos momentos de transformação pessoal que gente comum e anônima enfrenta nas situações sociais aparentemente inesperadas.
Na comparação com o filme “O Show de Truman”, há uma diferença. No formato de reality show, os participantes concordam com os termos do programa, que inclui um prêmio em dinheiro, e sabem que estão sendo vigiados e monitorados. Mas, no filme, o personagem principal não sabe, ele acha que está num mundo real e as coisas vão acontecendo como se fosse um cotidiano de uma vida normal.
O programa Big Brother, exemplo de reality show, e o programa de monitoramento do filme
O mundo on-line
Com o desenvolvimento dos smartphones, celulares que se tornaram, ao mesmo tempo, um computador, uma rede de vendas e um aparelho de conexão entre as pessoas em todo o Planeta, o nosso mundo se tornou on-line, ou seja, ninguém tem mais privacidade, todos nós estamos conectados, vigiados e monitorados 24 horas por dia, especialmente em exposição de imagens e em conversas. Hoje, se tornou muito perigoso tratar de assuntos particulares, polêmicos ou marcar encontros pelo celular. Além disso, qualquer pessoa pode criar um mundo artificial.
Nesse ponto, voltando ao filme “O Show de Truman”, o mundo artificial do personagem Truman é restrito a uma cidade específica e que era um cenário de um programa televisivo. Somente os espectadores do programa, e os atores, tinham acesso a esse mundo. Na nossa vida real, todo mundo sabe da vida de todo mundo. E isso muitas vezes se transforma em um mundo simulado por imagens montadas e notícias falsas. Da mesma forma que no filme, qual é a diferença entre o nosso mundo real e o mundo virtual?
No mundo dos celulares, todos estão vigiados, e qualquer mundo pode ser criado
Para onde Truman irá?
Depois que descobriu que sua vida, desde seu nascimento, é um programa de televisão, Truman cria artimanhas para sair de sua bolha artificial. Sempre desejoso de conhecer o mar, Truman consegue fugir com a ajuda de um barco e enxerga o céu cheio de nuvens que não passa de uma grande parede de cenário, como vemos hoje nos estúdios digitais de Hollywood.
O criador do programa Christof tenta dissuadi-lo, mas Truman quer a liberdade, uma verdadeira vida. E para onde vai Truman? Na verdade, ele vai encontrar o mesmo mundo lá fora, onde predominam o emprego, o dinheiro e a sociedade de consumo, tal como ele já conhecia em sua vida monitorada. Há outro caminho? Depende das escolhas. Ou fica num mundo capitalista/tecnológico em que nossas vidas são alcançadas por um celular, ou se retira para o mar, que ele adorava. Ou ainda, vira um eremita numa caverna, sem celular.
Truman encontra a saída para a liberdade. Para onde vai e o que vai fazer? Agora ele tem a livre escolha. O mundo é outro ou é o mesmo?
O diretor Peter Weir e o ator Jim Carrey filmando “O Show de Truman”
Cenas de “O Show de Truman”, 1998
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