Filme “Blade Runner, O Caçador de Andróides” de Ridley Scott, 1982
Direção: Ridley Scott
Produção: Michael Deeley
Roteiro: David Peoples e Haptom Farcher
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Darryl Hannah
Música: Vangelis
Fotografia: Jordan Cronenweth
Futurismo tecnológico e Existencialismo: O Espelho de nós mesmos
Assistam! Um filme reflexivo sobre tecnologia, vida e morte! Lindo e imperdível.
Blade Runner, O Caçador de Andróides, é uma obra cinematográfica de ficção científica dirigida pelo cineasta britânico Ridley Scott em 1982. Antes de qualquer coisa, é um filme visualmente magnífico e com uma linguagem pós-moderna. O file antever uma sociedade individualista, ausência de valores universais e regras fluidas de convivência.
Blade Runner expôs publicamente temas como a bioengenharia, inteligência artificial e mundo tecnológico distópico, até então assuntos apenas de rodas de engenheiros, cientistas, investidores e especialistas. Quando foi lançado no cinema, gerou, ao mesmo tempo, um grande impacto para os olhos, uma preocupação com um futuro em que se misturam vida tecnológica e ares de desolação, mas também uma incompreensão em relação ao seu enredo, que apresentava um embate entre humanos e robôs. O filme, com o tempo, se tornou uma obra cult mundial, um belo espetáculo visual sobre tecnologia e morte.
O diretor Ridley Scott filmando “Blade Runner”
Blade Runner se passa na cidade de Los Angeles, em 2019 (essa data ainda era muito distante quando o filme foi produzido em 1982), num futuro caótico, sombrio e multi-étnico. A exploração desenfreada do planeta o deixou degradado, com um toque apocalíptico. O filme é uma adaptação do livro “Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de 1968, escrito por Philip K. Dick, um escritor de mundos alternativos e de alucinações.
A trama narra a fuga de andróides, também chamados de replicantes (termo usado na biologia para designar a duplicação celular), do tipo Nexus 6, dos mais avançados, de colônias interplanetárias de trabalho forçado e sua frenética caçada pela polícia local, liderada pelo detetive Rick Deckard, um ex-Blade Runner, que é forçado a voltar para a ativa, papel vivido pelo ator Harrison Ford. O codinome de Blade Runner significa “alguém que passa a lâmina”, indicando sua função de carrasco dos replicantes, na verdade um exterminador.
O filme foi rodado no estilo “noir” do cinema, caracterizado por ambientes escuros, fechados, muitas vezes esfumaçantes, arquitetura gótica, jogos de luzes e sombras e uso intenso de iluminação neon.
O investigador blade runner Deckard, em estilo dos filmes “noir”
Esse incrível filme visual, com pegadas filosóficas e existencialistas, é municiado por cenários futuristas, onde carros voadores cruzam o céu, enormes torres que soltam fogo, zepellins de propaganda sobrevoam a cidade, gigantescos outdoors publicitários inundam as ruas, o tempo é permanentemente fechado, parece que se vive num escuro enevoado por nuvens de fumaça e iluminado por prédios e luzes de neon e coberto por uma interminável chuva ácida, enquanto a população se aglomera ou caminha por ruas lotadas, por vezes espremidas e sufocantes, com visual punk-dark e roupas de chuva.
Nesse ambiente de distopia tecnológica, algo como um mundo organizado de maneira opressiva, com liberdade vigiada, solidões em meio a multidões desencontradas, privações, e onde informações de toda sorte são facilmente obtidas e podem ameaçar a vida de cada um, o agente Deckard rastreia suas presas, usando os avançados meios tecnológicos e o faro de um investigador tarimbado. Deckard lembra um herói de histórias em quadrinho, solitário, alheio ao mundo em sua volta e resignado com sua missão.
Cenários tecnológicos, iluminados e noturnos do filme
Mas quem são os replicantes? São robôs com inteligência artificial, mais fortes que os humanos, sem memória e com apenas quatro anos de vida. Foragidos, buscam encontrar o seu criador, seu Deus, na figura do Dr.Tyrell (o ator Joe Turkel), dono da Corporação Tyrell e criador da tecnologia de bioengenharia que fabrica os robôs. O que querem? Viver mais, como nós, os humanos, também. E como identificar os replicantes? O inquérito é feito através de um teste psicológico chamado Voight-Kampff, capaz de detectar um replicante por perguntas de ordem emocional.
O filme se inicia com esse teste das emoções, através do olho, mais precisamente da íris, para verificar as contrações (coisas que nos andróides não se verificam), e realizado no andróide Leon, que, descoberto, consegue matar o inquiridor. Aqui começa a caçada. São cinco replicantes: Leon (O ator Brion James), um tanto quanto rude e ameaçador; Pris (a atriz Darryl Hannah), modelo de sedução e beleza, aparentemente frágil; Rachel (a atriz Sean Young), modelo especial com implante de memória; Zhora (Joanna Cassidy), modelo de erotismo e virilidade; e Roy (o ator Rutger Hauer), o líder, belo, esperto e perigoso.
O teste dos replicantes
Afinal, somos humanos por causa de nossa capacidade de se comover, por causa de nossas memórias, por causa de nossa história? Além disso, qual o nosso tempo de vida? Os replicantes tinham apenas quatro anos. Mas também somos finitos, apenas é uma questão de tempo. Basta citar o personagem J.F. Sebastian (o ator William Sanderson), um brilhante geneticista da Corporação Tyrell, meigo e solitário, que trabalha produzindo os replicantes e que possui uma doença que o envelhece rapidamente.
Podemos também citar a própria solidão do Blade Runner Deckard, parece não ter ninguém na vida, só o que lhe resta é exterminar, e depois sumir. Sua paixão pela replicante especial Rachel (a atriz Sean Young), uma assistente do criador dos robôs, lhe dá alguma perspectiva de futuro.
A replicante especial Rachel e a replicante sedutora Pris
Deckard possui um mistério: sonha com cavalos unicórnios brancos que passam em sua mente, sem saber o que significa. Será que ele também tem implante de memórias? Nesse ponto, talvez a resposta esteja no oficial de polícia Gaff (o ator Edward James Olmos) que o segue, o fiscaliza e deixa rastros explicativos do comportamento de Deckard através de origamis (pequenas estruturas de objetos). E um deles é exatamente um unicórnio. Seria Deckard um replicante?
Enquanto a caçada continua, o filme nos brinda com imagens belíssimas em câmera lenta da perseguição e eliminação, pelas ruas da cidade, por Deckard da replicante Zhora (a atriz Joanna Cassidy), uma linda modelo de erotismo e virilidade, que se escondia como uma artista de cobras.
O blade runner Deckard persegue e extermina a replicante Zhora
O líder dos andróides Roy finalmente encontra o seu criador: o industrial Dr.Tyrrel. Essas cenas do encontro são, ao mesmo tempo, amorosas (o amor do Criador pela sua Criatura, como também acreditamos que nosso Deus nos ama) e dramáticas (o jeito forte, porém abandonado e melancólico de Roy). Ao saber da impossibilidade de viver mais, já que “Luz que brilha intensamente se esvai mais rápido”, explica a ele o Dr. Tyrrel, Roy mata seu Deus, visivelmente desesperado.
E nós, os humanos, que possuímos mais de quatro anos de vida, mas, de qualquer maneira, com a finitude decidida pelo Criador, o que podemos fazer? Matar também o nosso Deus, ou seja, sendo indiferente, esquecendo-o e desprezando-o? Ou amando-o como algo silencioso e inatingível? Ou ainda agradecendo pela nossa também curta vida e sonhando com a vida eterna?
Finalmente, temos o encontro final entre o Blade Runner e o líder dos andróides, Roy. Dessa vez a caçada está invertida: Roy caça Deckard. Mas no final o salva da morte. Porque Roy o salvou? No seu monólogo final, abraçado a uma pomba (que simbolicamente significa paz) e debaixo de uma poética e persistente chuva, Roy lembra um pouco de sua curta vida e assinala coisas grandes e belas que viu e viveu. Deckard o escuta e o vê morrendo lentamente (tudo em câmera lenta). Roy compreendeu o valor da vida e acabou por ser grato a ela. E nós? Somos gratos? Desejamos a imortalidade, sem nem mesmo viver bem a finitude?
Cenas finais: O líder replicante Roy, a pomba da paz, lágrimas na chuva e o encurralado Blade Runner
“Blade Runner, o Caçador de Andróides” mostra com seu simbolismo futurista a inevitável mortalidade, a relação com Deus, a gratidão por estar vivos, apesar da finitude, e nos dar a opção de aproveitar a vida da melhor maneira que se puder. É visionário, existencialista, expõe um mundo distópico encurralado pro falta de sentido, questiona a finitude da vida de qualquer um, apresenta um futuro sombrio e desconcertante, e um embate complexo entre a humanidade e a tecnologia.
O avanço tecnológico é para tornar a vida mais feliz ou para torná-la mais hostil, temerosa e caótica? Em que a tecnologia ajuda para aumentar o tempo de vida? Hoje já vivemos uma boa parte da realidade que o filme abordou em 1982. O que fazemos com a tecnologia? Ela nos une ou nos divide? Nos ajuda a compreender melhor o valor da vida ou nos enjaula num artificialismo virtual, fechados em si mesmo e com vidas fisicamente distantes e desconectadas?
A fuga na cena final de Deckard e sua amada Rachel nos diz claramente: Vamos viver o tempo que se tem. E o oficial de polícia Graff, que desconfiava que Deckard era um replicante, exclama em voz alta: “Mas quem vive?”. Os replicantes são o espelho de nós mesmos, querendo viver mais, mas se esquecendo de viver o tempo que se tem.
Quanto ao diretor Ridley Scott, ele se tornou um cineasta versátil, de muitas facetas, trafegando com competência e talento em muitos gêneros do cinema. Filmes de ficção científica alienígenas como “Aliens”, e “Prometheus”, filmes históricos como “Gladiador”, “Cruzada” e “Robin Hood”, filmes policiais como “Chuva Negra” e “Rede de Mentiras” e até filmes feministas como “Thelma e Louise” e de terror psicológico como “Hannibal”. Mas, não resta nenhuma dúvida, “Blade Runner” é o seu melhor filme, sua obra prima, inigualável.
O diretor Ridley Scott
Filmagem de “Blade Runner”
Cenas do filme “Blade Runner”, 1982
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