Movimentos Cinematográficos
A “Nouvelle Vague” francesa: Um movimento de vanguarda e do cinema de autor

A “Nouvelle Vague” francesa: Um movimento de vanguarda e do cinema de autor

Significado, origens e a Revista Cahiers du Cinema

O movimento cinematográfico denominado de “Nouvelle Vague”, na tradução “Nova onda”, surgiu nos anos 50 na França. Seu mentor foi o crítico de cinema André Bazin. Bazin foi fundador da famosa e popular revista Cahiers Du Cinema em 1951. Bazin defendia que o cinema era, mais do qualquer outra coisa, uma arte autoral, de direção. O diretor usaria sua câmera como uma caneta de um escritor, daí a denominação de câmera-stylo.

A Cahiers Du Cinema é uma revista de cinema francesa, além de André Bazin, foi co-fundada por Jacques Doniol-Valcroze e Joseph-Marie Lo Duca. Reuniu críticos de cinema e foi desenvolvida a partir da revista anterior Revue du Cinéma envolvendo membros de dois cineclubes de Paris – Objectif 49 e Ciné-Club du Quartier Latin. Editada inicialmente por Doniol-Valcroze e, depois de 1957, por Éric Rohmer, incluiu entre seus escritores Jacques Rivette, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e François Truffaut, todos posteriormente cineastas influentes. 

Cada edição da Cahiers du Cinema continha artigos, a maioria dos quais eram resenhas de filmes específicos ou apreciações de diretores, complementadas ocasionalmente por ensaios teóricos mais longos. Os primeiros anos de publicação da revista foram dominados por Bazin, que era o chefe de fato do conselho editorial. Bazin defendia o realismo como a qualidade maior do cinema, enaltecendo mais o cinema europeu.

Com o passar do tempo, outros críticos colaboradores passaram a fazer uma releitura do cinema americano e dar ênfase a diretores como Alfred Hitchcock, Howard Hawks, Nicholas Ray, Orson Welles e Robert Aldrich. Essa vertente defendia a direção cinematográfica como o sentido maior do cinema. Daí resultou que a “Nouvelle Vague” se transformou num manifesto em defesa de um cinema de autor.

Primeira edição da Revista Cahiers Du Cinema, 1951, e seu principal fundador, André Bazin

Características, principais diretores e filmes importantes

A “Nouvelle Vague” não teve o engajamento social do neorrealismo italiano, mas manteve seu humanismo e as locações reais, naturais. Sua principal contribuição foi revolucionar as técnicas de filmagem com longos planos seqüência, câmera na mão, profundidade de campo, diálogos improvisados, inovações estilísticas de baixo custo e cortes sem continuidade.  Também procurava sintonizar o cinema com as inquietações contemporâneas, discussões existenciais, temas da juventude, paixão, relacionamentos amorosos e preocupações com as individualidades.

Os maiores diretores expoentes da “Nouvelle Vague” nasceram, como foi dito acima, na Revista Cahiers Du Cinema. Era um grupo de jovens críticos e estudiosos do cinema. São eles: François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Éric Hohmer e Jacques Rivette. Criticavam o cinema convencional de adaptações literárias na França e também o cinema de estúdio e de narrativa tradicional de Hollywood. Defendiam com entusiasmo uma produção autoral independente com foco na direção e em enredos não convencionais. Foi um movimento de vanguarda em relação ao que se fazia no mundo do cinema.

Abordaremos, a seguir, os principais diretores e alguns filmes importantes.

Claude Chabrol

O primeiro filme considerado da “Nouvelle Vague” foi “Nas Garras do Vício” (Le Beau Serge), de 1958, dirigido por Claude Chabrol. O filme acompanha François (Jean-Claude Brialy), um jovem bem-sucedido, porém doentio, que retorna à sua cidade natal no interior da França após uma longa ausência. Ele descobre que seu amigo Serge (Gérard Blain) se tornou um alcoólatra, insatisfeito com sua vida na aldeia e com a mulher Yvonne (Michèle Meritz), novamente grávida após perder o primeiro filho. Serge esperava deixar a aldeia para estudar, mas o casamento o impediu. Serge se tornou uma figura raivosa e amarga, recusando-se a enfrentar a realidade e a idade adulta. É um filme existencialista sobre insatisfação, maturidade e infelicidade.

Filme “Nas Garras do Vício”, 1958, primeiro filme do movimento da Nouvelle Vague, e o diretor Claude Chabrol

Cenas de “Nas Garras do Vício”, 1958

Depois, o diretor Claude Chabrol realizou mais dois filmes importantes do movimento: “Os Primos”, de 1959, e “A Esposa Infiel”, de 1969. “Os Primos” trata de dois amigos, Paul (Jean-Claude Brialy), um parisiense dissoluto e devasso, que acolhe seu primo ingênuo, inocente e idealista, Charles (Gérard Blain), enquanto os dois frequentam a faculdade de direito. Paul leva Charles a um clube onde conhece a bela Florence (Juliette Mayniel), que tem a reputação de ser uma mulher sexualmente de muitos homens. Ela se interessa por Charles, que não sabe nada sobre seu passado, e ele se apaixona perdidamente. O filme venceu o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim.

Claude Chabrol teve uma vasta filmografia e se caracteriza muito por ambientes burgueses, onde realiza uma dura crítica aos seus valores, personagens sofisticados e sombrios, uma teatralização das histórias e um tom exagerado e radical entre a inocência e o profano, além do retrato da hipocrisia social com seus arranjos traiçoeiros e suas infidelidades.

Filmes “Os Primos”, 1959, e “A Esposa Infiel”, 1969

François Truffaut

O diretor François Truffaut produziu grandes clássicos do movimento cinematográfico da “Nouvelle Vague” e um deles foi “Os Incompreendidos”, de 1959, seu primeiro filme após vários anos de crítica cinematográfica. O filme “Os Incompreendidos” deu a François Truffaut o prêmio de melhor diretor no Festival Internacional de Cinema de Cannes. O filme é uma obra com traços biográficos e conta a história de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), alter ego de Truffaut que se prolongou em outros filmes, um adolescente rejeitado que se rebela contra o autoritarismo da escola e o desprezo da mãe e do padrasto, que se refugia no cinema e passa a cometer delitos e contravenções até ser aprisionado em um reformatório. Truffaut mistura realismo, rebeldia e humanismo num filme belo, sincero e comovente,

Filme “Os Incompreendidos”, 1959, um clássico do movimento da Nouvelle Vague, e o diretor François Truffaut

Cenas de “Os Incompreendidos”, 1959

François Truffaut foi um grande cineasta, influenciado pelo diretor francês Jean Renoir, pelo americano Howard Hawks e pelo britânico Alfred Hitchcock. Sua filmografia busca retratar a juventude, o amor e seus desencontros, a temática feminina e um olhar sobre o próprio cinema. Realizou excelentes filmes, onde se destacam outro clássico da “Nouvelle Vague”, “Jules e Jim”, de 1962, “Fahrenheit 451”, de 1966, uma ficção científica em defesa da arte e da literatura, “A Noite Americana”, de 1973, filme que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro e que Truffaut faz um filme dentro de outro filme em homenagem ao cinema, “A História de Adele H”, de 1975, e “De Repente Num Domingo”, 1983, seu último filme em que homenageia seu ídolo Alfred Hitchcock. Truffaut faleceu prematuramente e deixou um enorme legado para o cinema.

Seu filme “Jules e Jim”, de 1962, é uma obra prima do cinema. Foi muito ousado para a época, ao tratar de um trágico triângulo amoroso envolvendo o boêmio francês Jim (Henri Serre), seu tímido amigo austríaco Jules  (Oskar Werner) e a namorada de Jules e sua esposa, Catherine (Jeanne Moreau). O tratamento da história se dá de maneira poética, mas também densa e provocativa. Truffaut nos guia de maneira elegante e prazerosa para viver um relacionamento incomum de uma mulher espirituosa e caprichosa no meio de dois homens, com muito desprendimento, misturando alegrias e tristezas em tom de drama e tragédia na medida certa. “Jules e Jim” foi um marco da cinematografia mundial com ousadias técnicas e um roteiro inovador para os padrões existentes.

Filmes “Jules e Jim”, 1962, e “A Noite Americana”, 1973, uma homenagem ao cinema e Oscar de melhor filme estrangeiro

Jean-Luc Godard

Outro grande expoente da “Nouvelle Vague” foi Jean-Luc Godard, que se tornou o mais radical. Godard não cedeu a nenhum tipo de convenção, revolucionou a linguagem cinematográfica e se especializou em técnicas de montagem. Usou e abusou de cortes rápidos, abandonou o seguimento de histórias lineares e seguiu um cinema de câmera na mão focando temas políticos e a questão das individualidades. Filmou em ambientes naturais, ruas, além de se aprofundar em cenários fechados, com destaque para cômodos residenciais.

Godard realizou um grande clássico, não só do movimento da “Nouvelle Vague”, mas do cinema mundial: “Acossado”, de 1960, seu primeiro filme.  O filme é um manifesto estético contendo irreverência, ironia, um herói à deriva, baixo orçamento, modernidade e rodado nas ruas. A história acompanha Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), um ladrão que assassina um policial e é perseguido em Paris. Na capital, ele encontra Patrícia (Jean Seberg), uma jovem norte-americana aspirante a jornalista que trabalha como vendedora do jornal New York Herald Tribune na Champs-Élysées. Michel tenta convencê-la a fugir com ele para Roma.   

Filme “Acossado”, 1960, e o diretor Jean-Luc Godard

Cenas de “Acossado”, 1960

Godard permaneceu fiel na linha do cinema de vanguarda, difícil de assistir, não levando em conta gostos do público ou da crítica. Manteve-se firme no seu cinema autoral e personalíssimo, desconsiderando histórias de começo, meio e fim e realizou grandes obras, tais como: “Pierrot Le Fou”, de 1965, com forte temática política à sua maneira guerrilheira; a ficção científica “Alphaville”, também de 1965, que apresentou um investigador do futuro, mas filmado numa Paris contemporânea; e “A Chinesa”, de 1967, um libelo maoísta, onde ele mais se expôs ideologicamente. E tantos outros filmes sempre com pegada vanguardista e que merece uma análise mais detalhada em outro artigo.

Filmes “Pierrot Le Fou”, 1965, e “A Chinesa”, 1967

Éric Hohmer

Éric Hohmer dirigiu a Revista Cahiers Du Cinema por vários anos. Foi um período de sucesso da Revista. Depois, partiu para a direção de filmes. Ficou especializado em realizar curtas metragens. Seu primeiro filme de longa metragem foi “O Signo de Leão”, iniciado em 1959, mas só lançado em 1962. O título se refere ao signo do Zodíaco e grande parte da trama gira em torno de noções de sorte e destino. O pobre personagem principal, Pierre, (Jess Hahn) um tocador de violino, acredita que herdou uma fortuna, mas, quando soube que foi para um primo, afunda na indigência e no desespero, vira um mendigo, com imagens densas e tocantes. Em seguida, ele é encontrado por um amigo que diz que o primo morreu e Pierre realmente herdou a fortuna.

Filme “O Signo de Leão”, 1962, e o diretor Éric Rohmer

Cenas de “O Signo de Leão”, 1962

Éric Rohmer realizou dois outros filmes com forte influência do movimento da “Nouvelle Vague”. O primeiro é a “A Carreira de Suzanne”, de 1963, que se passa em um momento de turbulência na França, devido à Guerra Fria e à Guerra da Argélia, onde dois estudantes em Paris, Bertrand (o narrador em algum momento no futuro), tímido, jovem e na escola de farmácia, e o impetuoso Guillaume, que é mulherengo, encontram a independente e articulada Suzanne em um café, que vive sozinha da forma como bem entende.

O segundo é “O Joelho de Claire”, de 1970, filme que foi muito bem recebido pela crítica internacional e muito premiado. A história trata das relações amorosas e de um desejo fantasioso.

Filmes “A Carreira de Suzanne”, 1963, e “O Joelho de Claire”, de 1970

Jacques Rivette

Jacques Rivette foi um dos pais da “Nouvelle Vague”. Mesmo enquanto escrevia para a Revista Cahiers Du Cinema, Rivette realizou alguns curtas metragens. Estrearia em longa metragem com o filme “Paris Nos Pertence”, realizado em 1958, mas lançado apenas no final de 1961. Nesse filme, Rivette apresenta as “obsessões” de seus filmes, quais sejam, a estrutura teatral, um realismo fantástico e a improvisação. Estas características fizeram com que o cineasta ficasse conhecido como o mais misterioso do movimento da “Nouvelle Vague”.

Filme “Paris Nos Pertence, 1961, e o diretor Jacques Rivette

Cenas de “Paris nos Pertence”, de 1961

Em 1966 viria um dos filmes mais polêmicos de Rivette, a adaptação da obra de Denis Diderot,  “A Freira” (ou “A Religiosa”), que foi proibido de exibição na França. Após muitos protestos, o filme foi liberado em 1968 em plena efervescência estudantil em Paris. Outro filme que surpreendeu todo mundo foi “Amor Louco”, de 1969, com cerca de 4 horas de duração. Jacques Rivette gostava de filmes mais longos que o normal e fazia muitas experimentações técnicas e dramatizações teatrais.

Filmes “A Freira”, 1966, e “Amor Louco”, 1969

Dois outros diretores importantes e influenciados pela Nouvelle Vague

Alan Resnais

O cineasta Alain Resnais foi além da “Nouvelle Vague”, se tornou um dos fundadores do cinema moderno ao lado de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, abordando assuntos como o tempo e a memória e colocando em questão a gramática do cinema clássico e de desconstruir a narrativa linear. Seu filme “Hiroshima Meu Amor, de 1959, com roteiro de Marguerite Duras, sobre um casal que se envolve emocionalmente e que reconta romances e experiências de vida, tudo dentro de reflexões sobre a devastação causada pela bomba atômica, foi um grande momento de seu cinema.

Filme “Hiroshima Meu Amor”, 1959, e o diretor Alain Resnais

Cenas de “Hiroshima Meu Amor”, 1959

Mas foi com “O Ano Passado em Marienbad”, de 1961, que Resnais assombrou o mundo com uma narrativa não convencional onde realidade e ficção se sobrepõem, enquanto que as referências entre espaço-tempo se confundem. O filme gerou muita polêmica por ser considerado difícil com uma natureza fantasista e onírica e se passa em um castelo, mansão ou hotel com decoração barroca exuberante e onde os personagens parecem estar paralisados, congelados no tempo dentro de uma espécie de reunião social, todos vestidos a caráter.

Resnais também foi um grande documentarista, abordou os campos de concentração nazistas e realizou outra obra-prima chamada “A Guerra Acabou”, de 1966. Com roteiro do esquerdista Jorge Semprún, o filme tem temática política e trata do crepúsculo de um comunista após a guerra civil espanhola que enfrenta conflitos internos para conciliar a causa revolucionária e seus amores pessoais.

Filmes “O Ano Passado em Marienbad”, 1961, e “A Guerra Acabou”, 1966

Claude Lelouch

O cineasta Claude Lelouch não pertenceu ao movimento da “Nouvelle Vague” e foi até muito criticado no começo de sua carreira pela Revista Cahiers du Cinema, baluarte do novo movimento cinematográfico francês. Depois de uma estréia no cinema ruim no início dos anos 60, Lelouch deu a volta por cima e realizou um dos grandes filmes do cinema francês, “Um Homem e uma Mulher”, em 1966. O filme é um romance que gira em torno de um piloto de corridas, Jean, (Jean-Louis Trintgnant), recentemente viúvo, que conhece ao acaso uma mulher também viúva Anne (Anouk Aimée), e ambos se apaixonam. Entretanto, as lembranças de seus cônjuges perturbam a relação. O filme é bem poético, com lindas imagens e bem musicado, foi um grande sucesso e teve uma continuação em 1986.

Filme “Um Homem e uma Mulher”, 1966, e o diretor Claude Lelouch

Cenas de “Um Homem e uma Mulher”, 1966

Claude Lelouch realizaria mais dois filmes que merecem nosso total reconhecimento. O primeiro é “Viva para a Vida”, de 1967, com um elenco de estrelas, Ives Montand, Candice Bergen e Annie Girardot, foi sucesso de critica e de público e ganhou o Globo de Ouro de melhor filme. O segundo veio bem mais tarde e se chama “Retratos da Vida”, de 1981, um épico que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, onde quatro famílias de distintos países se cruzam em circunstâncias históricas e se unem através da dança e do drama. Este clássico decalca o Bolero de Ravel, com uma coreografia marcante de Jorge Donn em pleno Trocadéro parisiense. Um belo filme.

Filmes “Viva para a Vida”, 1967, e “Retratos da Vida”, 1981

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