Cinema Brasileiro
As chanchadas da Atlântida e a popularização do cinema brasileiro

As chanchadas da Atlântida e a popularização do cinema brasileiro

Depois dos anos 30, onde aconteceu o cinema autoral no Brasil com Mário Peixoto, José Medina e Luís de Barros, mas principalmente com o belo e genuíno cinema de Humberto Mauro, e também após o sucesso da produtora Cinédia no âmbito do nosso carnaval, onde se sobressaíram os nomes de Adhemar Gonzaga e Carmen Miranda, Houve um novo capítulo do cinema no país.

A trajetória da Atlântida

No Rio de Janeiro, os diretores e produtores Moacyr Fenelon, e José Carlos Burle criam a produtora Atlântida Cinematográfica em 1941, sem grandes investimentos em infraestrutura, mas com produção constante. Os dois primeiros anos foram dedicados exclusivamente aos cinejornais. O primeiro deles é antológico e bem conhecido pelos frequentadores dos cinemas brasileiros: O “Atualidades Atlântida”.

A grande estréia cinematográfica da Atlântida vem com o sucesso do filme “Moleque Tião” (1943), de José Carlos Burle, drama baseado na vida do comediante Grande Otelo, que interpretou a si próprio no filme. A partir daí, as chanchadas seguiriam muito produtivas até o final da década de 50.

Moacyr Fenelon e José Carlos Burle, fundadores da Atlântida Cinematográfica

Os filmes de chanchada se caracterizavam por comédias ingênuas, humor burlesco, de caráter popular, e intercalando as histórias com números musicais.  Ao longo do tempo, constituiu-se uma estrutura de narrativa que manteve um padrão em toda a vida útil da produtora Atlântida: o estereótipo do mocinho, do vilão, da mocinha e dos ajudantes ingênuos do mocinho.

O sistema de estrelato foi muito importante para deslanchar a produtora, era um dos melhores chamarizes para o público e muitos artistas, vindos em grande parte do rádio, se firmaram e conseguiram muito sucesso. 

Na década de 40, os filmes eram de baixo custo, muito despretensiosos e tecnicamente pouco elaborados. Ainda assim, ganhou o publico. Os atores mais populares da Atlântida foram Oscarito, que brilhou nos principais filmes da produtora, Grande Otelo e Ankito, enquanto dois diretores se sobressaíram: Watson Macedo e Carlos Manga.

Cartaz do filme “Moleque Tião”, 1943, primeiro filme da produtora com os atores e comediantes Grande Otelo e Ankito 

Outro filme importante dessa fase dos anos 40 foi “Fantasma Por Acaso”, de 1946, dirigido por Moacyr Fenelon. Aqui já há uma primeira mistura entre comédia e musical. O filme marca a estréia no cinema da famosa atriz Renata Fronzi e conta com números musicais com os artistas Ciro Monteiro e Nélson Gonçalves. A história é curiosa: o personagem do ator Oscarito, Zezinho, sai da terra morto, vai para o céu e retorna à terra em diversas peripécias.

Cartaz do filme “Fantasma Por Acaso”, 1946, e o grande artista Oscarito

Nelson Gonçalves canta em cenas do filme “Fantasma por Acaso”, 1952

Um dos pontos mais importantes para o sucesso das chanchadas da Atlântida foi a associação com Luiz Severiano Ribeiro, dono do maior circuito exibidor brasileiro, que passou a facilitar a exibição dos filmes da produtora, vindo, inclusive, a comprar a empresa em 1947. Pela primeira vez no cinema brasileiro, estão associados a produção e a exibição de filmes. Tornou possível a penetração no mercado consumidor e uma primeira invasão nas salas de cinema no Brasil.

Luiz Severiano Ribeiro, poderoso produtor e exibidor de filmes no Brasil

Já sob a direção de Luiz Severiano Ribeiro, a Atlântida começa a sua fase mais madura e passa a produzir comédias musicais de fácil comunicação com o público, tendo como tema principal o carnaval, como por exemplo, o clássico filme que se perdeu “Este mundo é um Pandeiro” (1947), e em que pela primeira vez aparece a dupla de atores Oscarito e Grande Otelo. E  também outro filme “Carnaval no Fogo” (1949), ambos do popular diretor Watson Macedo, então o principal diretor da companhia.

Cartaz de “Esse Mundo é Um Pandeiro”, 1947, e o diretor Watson Macedo

O auge da Atlântida nos anos 50: Paródias e sátiras

Nos anos 50, a Atlântida produziu seus melhores filmes, alcançou sua era de ouro e o diretor Watson Macedo, uma referência nesse período, dirigiu seus dois últimos filmes para a companhia: “Aviso aos Navegantes”, de 1950, e “Aí Vem o Barão”, de 1951. Ambos os filmes colocaram a dupla Oscarito e Grande Otelo no estrelato do cinema brasileiro e artistas modelos do próprio formato das chanchadas.

Para enfrentar a concorrência da produtora paulista Vera Cruz (assunto que será abordado em próximo artigo desta Categoria), e também o início das transmissões televisas no país, a Atlântida precisou melhorar seus roteiros, aperfeiçoar seus recursos técnicos e demandar cada vez mais as estrelas de sucesso do rádio.

Assim, formou-se uma espécie de “star-system” a partir do rádio, e os grandes nomes da Atlântida foram aparecendo e se consolidando em popularidade: Oscarito, Grande Otelo, Ankito e Mesquitinha (comediantes), Cyll Farney e Anselmo Duarte (galãs), Eliana Macedo (mocinha), José Lewgoy (vilão) e os cantores Sílvio Caldas, Marlene, Emilinha Borba e Linda Batista.

Principais atores e atrizes de sucesso do cinema da Atlântida

Oscarito
Grande Otelo
Cyll Farney

Eliana Macedo
José Lewgoy
Linda Batista
Anselmo Duarte
Zezé Macedo

Em 1952, José Carlos Burle, diretor fundador da produtora Atlântida, realizou um grande sucesso desse período: “Carnaval Atlântida”. O filme é uma paródia contra a própria chanchada e uma crítica ao modelo de grandes produções hollywoodianas defendido pela companhia paulista Vera Cruz, que se iniciava com essa pretensão.

Cartaz do filme “Carnaval Atlântida”, 1952

Em vez de realizar um filme épico apresentado na história principal, termina-se por se fazer uma comédia carnavalesca em tom de farsa e deboche. Foi um filme tecnicamente bem realizado e definiu a sátira como uma das veias principais das chanchadas nessa década de 50.

Cenas do filme “Carnaval Atlântida”, 1952

Também em 1952 foi lançado outro filme representativo dessa fase: “Amei Um Bicheiro”, dirigido por Jorge Ileli e Paulo Wanderley. Curiosamente, é um filme policial, inspirado nos filmes noir e thrillers americanos de John Huston e Jules Dassin, e a trama reúne pessoas amorais e violentas. Tornou-se um filme clássico pela temática ousada e nova no cinema brasileiro e pela influência que exerceu em outros filmes e diretores do mesmo tema.

Cartaz do filme “Amei Um Bicheiro”, 1952

Cenas de “Amei Um Bicheiro”, 1952

Diante do domínio do cinema americano no país, as chanchadas, muitas vezes, imitavam as narrativas de Hollywood chegando, inclusive, a parodiar muitos filmes de sucesso que vinham dos Estados Unidos. A paródia hollywoodiana, o estilo bufo e o realismo grotesco dessas produções nacionais da Atlântida já haviam caído no gosto das classes populares e proporcionavam um sucesso financeiro que jamais o cinema brasileiro repetiria.

Aos poucos, as  histórias vão abandonando o carnaval e explorando a comédia de costumes, a partir dos tipos folclóricos do Rio de Janeiro. Os melhores momentos junto ao público vêm com os filmes do diretor Carlos Manga, que passou a ser o principal diretor da Atlântida.

Dois deles, “Matar ou Correr”, de 1954, e “Nem Sansão Nem Dalila”, de 1955, satirizam filmes americanos de sucesso, nos casos acima, um faroeste e um épico bíblico do diretor hollywoodiano Cecil B. DeMille. Nesses filmes, a dupla Grande Otelo e Oscarito criam uma sintonia perfeita e conquistam definitivamente o grande público.

Cartaz do filme “Matar ou Correr”, 1954

Cenas do filme “Matar ou Correr”, 1954

Cartaz do filme “Nem Sansão Nem Dalila”, 1955, e o diretor Carlos Manga

Cenas do filme “Nem Sansão Nem Dalila”, 1955

Um dos maiores filmes desse período popular do cinema brasileiro foi “O Homem do Sputnik”, de 1959, já beirando o fim da era das chanchadas. Trata-se de uma ótima paródia sobre os absurdos da ‘Guerra Fria’. 

Realizado pelo cineasta Carlos Manga, o filme usa do humor debochado para satirizar o comportamento de americanos, soviéticos e franceses no que seria uma corrida pelo resgate de um satélite russo caído do espaço. Mais uma vez o ator cômico Oscarito dá um show de atuação e outro artista cômico, que ficaria famoso, Jô Soares, aparece em seu primeiro filme. Esse incrível filme mistura política, espionagem, humor e paródia. Um clássico do nosso cinema.

Cartaz de “O Homem do Sputnik”, 1959

Cenas do filme “O Homem do Sputnik”, 1959

As chanchadas, e a própria produtora Atlântida Cinematográfica, se esgotam no final dos anos 50, quando o público parece cansar da fórmula, e as maiores estrelas são chamadas para trabalhar na televisão, principalmente na rede Tupi.

Além disso, o modelo das chanchadas começou, já em meados dos anos 50, a ser questionado por outro tipo de cinema que surgia no Brasil, um cinema influenciado pelo movimento do “neorrealismo italiano” que focava as questões sociais da população, como pobreza, sobrevivência e marginalidade, e que teve um grande expoente na figura do diretor Nélson pereira dos Santos (Abordaremos este assunto em outro artigo nesta categoria).

A homenagem às chanchadas da Atlântida

Em 1974, um filme, praticamente um documentário, foi produzido para homenagear as chanchadas da Atlântida. Seu nome: “Assim Era a Atlântida”. Seu diretor, Carlos Manga, que foi o mais famoso e de maior sucesso nesse período, retratou em linguagem documental esse capítulo popular do cinema brasileiro durante as décadas de 1940 e 1950.

O filme é composto de cenas dos filmes produzidos pelo estúdio, entremeadas com depoimentos de personalidades, como atores, atrizes, diretores, roteiristas e produtores que vivenciaram seus maiores momentos. Contêm também entrevistas especiais, imagens de arquivo dos filmes da época e músicas dos maiores compositores dessa época de ouro do cinema brasileiro.

Cenas do filme “Assim era a Atlântida”, 1974

https://www.youtube.com/watch?v=RkL6pOFSxsU

Por fim, realizamos também uma homenagem singela à era da Atlântida, com a logo marca da produtora, abaixo, que aparecia na apresentação nas telas de cinema de todos os filmes. Saudosa lembrança.

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