Cinema Brasileiro
Crise e retomada do cinema brasileiro nos anos 90

Crise e retomada do cinema brasileiro nos anos 90

A extinção da Embrafilme e a crise de produção

A Embrafilme foi uma empresa estatal de fomento do cinema brasileiro muito importante no período de 1969 a 1989. Produziu grande filmes brasileiros, muitos considerados clássicos, e foi responsável por uma grande expansão do cinema no Brasil. A empresa, a partir de um certo período, foi criticada pelo apadrinhamento na distribuição dos recursos, privilegiando cineastas já consagrados, e que seu modelo foi criado pela ditadura. Afora a polêmica, ao nosso ver injusta, o fato é que o Estado tinha política cinematográfica e o cinema brasileiro cresceu e conquistou público e fama internacional.

Entretanto, quando o Governo Collor assumiu em 1990 a empresa foi fechada em nome da austeridade dos gastos do Estado e de uma pretensa valorização do livre mercado para o cinema brasileiro. Resultado: o cinema brasileiro se desmantelou totalmente. Não foi criada nenhuma alternativa estatal de financiamento e nem mesmo regras de captação de recursos do setor privado para a produção de filmes. Em consequência, de 1990 a 1994 a produção cinematográfica no Brasil foi praticamente nula.

O cinema da retomada

Com a queda do governo Collor, a partir de um grande movimento político e social contra a corrupção e que culminou com o impeachment do Presidente da República, o cinema brasileiro começou a procurar caminhos para melhorar sua produção cinematográfica, sair de sua crise através de novas ações do Estado.

A estabilização econômica alcançada com o Plano Real, já no Governo Itamar Franco, e a posterior eleição de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República, foram dois acontecimentos que possibilitaram a criação de leis de incentivos e captação de recursos para viabilizar o cinema nacional, estimulando o patrocínio privado à base de renúncia fiscal para produzir filmes brasileiros. No Distrito Federal, por exemplo, foi criado o Polo de Cinema e Vídeo “Grande Otelo” que facilitou a produção de filmes de baixo custo.

A partir de 1994, iniciou-se o chamado “cinema da retomada”, depois de anos de crise. O ritmo de produções ficcionais e documentais aumentou, estabelecendo, em muitos casos, parcerias com as grandes emissoras de televisão, sobretudo a Rede Globo. Mesmo sem atingir os níveis de público dos anos 1970, quando esteve no auge da popularidade, o cinema brasileiro renascia das cinzas. As parcerias com empresas televisivas e demais empresas privadas de fomento à cultura nacional cresceram no limiar do século XXI, com bons resultados.

Um filme, em especial, foi marcante nessa retomada cinematográfica: “Carlota Joaquina”, realizado em 1994 e lançado em 1995. O filme foi dirigido pela atriz e estreante na direção Carla Camurati. Foi um sucesso. Trata-se de uma comédia histórica que acompanha a personagem do título (Marieta Severo) desde a sua infância até se tornar a Princesa do Brasil. Em tom satírico e até mesmo debochado, o filme mostra as peripécias da família real portuguesa no Brasil no século XIX num exílio involuntário, fugindo de Napoleão Bonaparte.

“Carlota Joaquina”, 1994, marco do cinema da retomada, e a atriz e diretora Carla Camurati

Cenas de “Carlota Joaquina”, 1994

O Polo de cinema e video do Distrito Federal

O Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo foi um polo de cinema brasileiro, com sede em Sobradinho, no Distrito Federal.

Criado em 1991 em uma área de aproximadamente 14 mil hectares, foi batizado em homenagem ao ator brasileiro Grande Otelo, que também voltou a ser homenageado durante o 26º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1993. Em seu espaço, foram realizadas mais de oitenta produções cinematográficas do Distrito Federal e região, tendo sido interrompidas em 2001 e reabertas em 2013 para a gravação do filme “O Outro Lado do Paraíso”, considerada a maior produção já realizada no Distrito Federal.

Atualmente o Polo encontra-se desativado, sendo que em seu lugar está projetada a construção do Parque Audiovisual de Brasília, que foi anunciado em 2017. A área se tornou depósito de entulhos e lixo, sendo que em 2020 cerca de quatro mil toneladas de lixo ilegal foram retiradas.

Três filmes especialmente foram produzidos no Polo nos anos 90, dando início à retomada do cinema brasileiro após uma crise de produção sem precedentes no governo Collor: “A Terceira Margem do Rio”, 1994, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, baseado em contos do escritor João Guimarães Rosa; “Louco por Cinema”, 1994, dirigido por André Luís Oliveira, sobre um cidadão preso em um manicômio que deseja terminar um filme de seu amigo morto no passado; e “O Cego que Gritava Luz”, dirigido por João Batista de Andrade, sobre um contador de histórias que entretém todos os dias os frequentadores de um bar com suas narrativas.

A Terceira Margem do Rio, 1994

Louco por Cinema, 1994

O Cego que Gritava Luz, 1996

Uma seleção de filmes brasileiros dos anos 90

Após uma séria crise, a partir de 1995 o cinema brasileiro voltou ao cenário cultural do país com filmes badalados de público e alguns cultuados pela crítica. Foi uma retomada cinematográfica de muita qualidade artística, onde novos diretores surgiram e outros, já conhecidos, voltaram a brilhar. A seguir, é feita uma seleção de filmes significativos dessa década.

Em 1995, Fábio Barreto, filho do produtor Luís Carlos Barreto, rodou “O Quatrilho”. O filme é uma adaptação literária e se passa no início do século XX. Conta a relação de dois casais numa comunidade sulista de imigrantes italianos no Brasil. O tema é incômodo: a esposa (Patricia Pillar) de um (Alexandre Paternost) se interessa pelo marido (Bruno Campos) da outra (Glória Pires). Os dois amantes fogem e recomeçam outra vida, deixando para trás seus parceiros, que viverão uma experiência dramática e constrangedora.

Em 1996, foi lançado “Como Nascem os Anjos”, dirigido por Murilo Salles. O filme é um drama social e policial estrelado pelos garotos Priscila Assum e Silvio Guindane como dois filhos de favelas do Rio de Janeiro que se envolvem no sequestro de um americano. Duas crianças protagonizam uma aventura que explora os limites da divisão social no país que contrapõe os moradores das favelas e os habitantes da cidade. Mostra o Brasil dos contrates, o fosso entre a pobreza e riqueza, marginalidade juvenil e a injustiça que atinge todas as faixas etárias.

Também em 1996, dois novos diretores, Paulo Caldas e Lírio Ferreira, retomaram a saga de Lampião, o rei do cangaço, no ótimo filme “Baile Perfumado”. Com um enredo curioso, o filme conta a história real do libanês Benjamin Abrahão (Duda Mamberte), mascate responsável pelas únicas imagens de Virgulino Ferreira, o Lampião (Luís Carlos Vasconcelos), quando vivia no sertão brasileiro. Amigo íntimo de Padre Cícero (Jofre Soares), Benjamim conviveu intimamente com o bando de Lampião e divulgou suas imagens mundo afora.

“O Quatrilho”, 1995, “Como Nascem os Anjos”, 1996, “Baile Perfumado”, 1996

Cenas de “O Quatrilho”, 1995

Cenas de “Como Nascem os Anjos”, 1996

Cenas de “Baile Perfumado”, 1996

Em 1997, um novo e talentoso diretor surgiu, Beto Brant, e seu ótimo filme “Os Matadores”. Em um bar na divisa Brasil-Paraguai, enquanto esperam o defunto encomendado, dois matadores de aluguel, Toninho (Murilo Benício) e Alfredão (Wolney de Assis), revelam uma história sem culpados ou inocentes. Presente e passado se misturam em torno da morte de Múcio (Chico Diaz), o pistoleiro mais competente da região, mostrando que matar ou morrer é uma fronteira fácil de se atravessar. O filme testa os limites da amizade, do medo e da traição.

Também em 1997, um filme muito envolvente e premiado foi lançado: “Anahy de Las Missiones”, dirigido por Sérgio Silva. Em 1839, a andarilha Anahy (Araci Esteves) viaja pelos campos de batalha do Rio Grande do Sul na Revolução Farroupilha, saqueando os mortos e negociando os achados com os soldados sobreviventes. Além de tratar de um conflito histórico (os “Farrapos”, que lutam contra as forças do Império, apelidadas de “Caramurus”), o filme foca a luta de uma família que possui uma singular forma de sobrevivência.

Em 1998, o diretor Paulo Tiago, um experiente discípulo do movimento cinematográfico do Cinema Novo, lançou “Policarpo Quaresma”. O filme é baseado na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto e conta a história de um nacionalista (Paulo josé) que sonha em ver o país grandioso, porém foi visto como louco pela sociedade por conta de seus ideais radicais. Com uma linguagem ao mesmo tempo histórica e alegórica, o filme tem influência do movimento modernista, principalmente de outro herói de nossas lendas populares, o Macunaíma.

“Os Matadores”, 1997, “Anahy de Las Missiones”, 1997, “Policarpo Quaresma”, 1998

Cenas de “Os Matadores”, 1997

Cenas de “Anahy de Las Missiones”, 1997

Cenas de “Policarpo Quaresma”, 1998

Em 1998, um filme conquistou aclamação de público e de crítica: “Central do Brasil”, dirigido por Walter Salles. O filme é um drama de estrada e gira em torno de Dora (Fernanda Montenegro), uma professora aposentada que trabalha como escritora de cartas para pessoas analfabetas na Estação Central do Brasil, a qual ajuda Josué (Vinicius de Oliveira), um garoto cuja mãe morreu atropelada por um ônibus, a encontrar seu pai no Nordeste. Com uma linguagem simples e emotiva, o filme encantou e fez uma redescoberta de um Brasil pobre e esquecido.

Também em 1998, o diretor Helvécio Ratton, um cineasta conhecido por um cinema que atinge o público infanto-juvenil, rodou “Amor & Cia”. Baseado em manuscritos de Eça de Queiroz, o filme se passa em São João Del-Rei – MG no final do século XIX, onde Alves (Marco Nanini), um próspero negociante, suspeita da mulher adúltera, Ludovina (Patrícia Pillar), com seu sócio, Machado (Alexandre Borges), e planeja um duelo forjado. Em tons de comédia dramática e com ótimas atuações, o filme aborda a traição e também envolve pela boa reconstituição de época.

Para concluir, em 1999, o diretor Carlos Reichenbach, já conhecido por filmes transgressores, rodou “Dois Córregos”. O filme explora bem a vida de interior com poesia, introspecção, tons eróticos e trabalha com a memória afetiva. O filme une três mulheres diferentes que convivem com um homem (Carlos Alberto Riccelli) que está escondido por perseguição no período da ditadura militar no Brasil. Misturando psicologia, política e mistério, o filme acertou em cheio com grandes atuações das atrizes Ingra Liberato, Vanessa Goulart e Luciana Brasil.

“Central do Brasil”, 1998, “Amor & Cia”, 1998, “Dois Córregos”, 1999

Cenas de “Central do Brasil”, 1998

Cenas de “Amor & Cia”, 1998

Cenas de “Dois Córregos”, 1999

Alguns diretores que se destacaram nos anos 90. Pela ordem: Murilo Salles, Beto Brant, Sérgio Silva, Paulo Thiago, Walter Salles, Helvécio Ratton, Carlos Reichenbach

Murilo Salles
Beto Brant
Sérgio Silva
Paulo Thiago
Walter Salles
Helvécio Ratton
Carlos Reichenbach

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