Movimentos Cinematográficos
A “New Wave Britânica”: Um movimento focado na classe trabalhadora e seus dramas de vida

A “New Wave Britânica”: Um movimento focado na classe trabalhadora e seus dramas de vida

Origens e características

A New Wave Britânica foi um movimento cinematográfico que surgiu no mesmo período da Nouvelle Vague Francesa em fins dos anos 50 (leia mais na Categoria “Movimentos Cinematográficos, neste Blog). Foi inovador e influenciou todo o cinema britânico a partir daí. O movimento tinha forte pegada de caráter experimental e influenciado pelo estilo do “Free Cinema”, grupo de documentaristas ingleses, a partir de meados dos anos 50, que se propunham a um cinema verdade, de realismo social.

O “Free Cinema” foi um movimento estético de documentaristas, especialmente Tony Richardson, Karel Reisz e Lindsay Anderson, que também eram críticos proeminentes da revista “Sequence”. Tinham uma veia multicultural ligada ao teatro, pintura e literatura e que se constituiu numa geração denominada de “jovens revoltosos”, grupo pertencente ao proletariado de classe média. Jovens artistas como o dramaturgo John Osborne e o pintor John Bratby ajudaram a levar para o cinema temas sociopolíticos que já eram tratados no teatro inglês.

A estética documentarista do Free Cinema e o dramaturgo John Osborne

O símbolo do movimento da New Wave Britânica era o “realismo da pia de cozinha”, um famoso quadro expressionista do pintor inglês John Bratby. Essa espécie de “emblema” foi designada para representar a classe trabalhadora como foco principal do movimento cinematográfico da New Wave Britânica.

Nessa temática mais ligada aos trabalhadores, suas dificuldades de vida, lutas diárias, sonhos, sofrimentos e frustrações, a New Wave Britânica resgatou em seus filmes muitas das preocupações sociais de outro movimento, o Neorrealismo Italiano dos anos 40 (leia mais na Categoria Movimentos Cinematográficos neste Blog), com uma narrativa mais sofisticada.

Auto retrato do pintor inglês John Bratby e seu quadro da “pia de cozinha”, símbolo do movimento da New Wave Britânica

Os filmes, em sua maioria realizados em preto e branco, davam vida às pessoas comuns, suas histórias reais, sentimentos e emoções, explorando a estrutura de classes, o poder dominante e a ordem social e econômica vigente. Tudo de maneira espontânea e livre: locais reais e pessoas reais. Além dos pioneiros Tony Richardson, Karel Reisz e Lindsay Anderson, novos diretores de cinema britânicos foram surgindo com a mesma proposta de “cinema verdade”, tais como Jack Clayton, John Schlesinger e, posteriormente, Ken Loach.

Uma abordagem sobre diretores e filmes importantes da New Wave Britânica

Tony Richardson

Tony Richardson começou no teatro, depois atuou como documentarista e finalmente diretor de longa-metragem. Foi um dos expoentes da estética do “Free Cinema” que deu origem à New Wave Britânica. Teve reconhecimento internacional com o Oscar de melhor diretor, mas sua carreira no cinema foi irregular e alternava entre sucessos de crítica e fracassos de público. Realizou dois filmes considerados muito valiosos para a história do cinema inglês: “Odeio essa Mulher”, de 1959, e “Um Gosto de Mel”, de 1961.

O filme “Odeio Essa Mulher” (Look Back in Anger), de 1959, conta a história de Jimmy (Richard Burton), um vendedor de feira, e sua jovem esposa Alison (Mary Ure). O filme retrata o universo de pessoas sem glamour, simples, com seus dramas particulares numa Inglaterra dividida entre o declínio de uma tradição colonialista e uma geração que anseia por transformações sociais mais radicais.  Com um estilo realista, o diretor Tony Richardson apresenta um painel de conflitos pessoais com o pano de fundo da degradação dos valores da sociedade inglesa.

“Um Gosto de Mel” (A Taste of Honey), de 1961, é um filme influenciado pelo neorrealismo italiano, que conta a história de Jo (Rita Tushingham) uma garota da classe trabalhadora, inteligente, com um senso de humor apurado, mas pobre, sem eira nem beira, filha não desejada de pai nunca visto e de mãe, Helen (Dora Bryan), relapsa, fútil, alcoólatra. A personagem Jo é inesquecível, um consolo num filme triste, desalentador, sem esperança, retratando uma calamidade social nas camadas mais populares da sociedade.

“Odeio Essa Mulher”, 1959, o diretor Tony Richardson, e “Um Gosto de Mel”, 1961

Cenas de “Um Gosto de Mel”, 1961

Lindsay Anderson

Nascido na Índia e educado na Inglaterra, Lindsay Anderson, antes de começar carreira como diretor de longa-metragem, trabalhou como crítico de cinema e documentarista. Antes e durante sua carreira no cinema, também atuou como diretor teatral em inúmeras montagens nos palcos londrinos. Apesar de uma filmografia relativamente curta, de apenas sete filmes em 24 anos de carreira, ele é considerado pela crítica como um dos mais importantes e influentes cineastas britânicos de todos os tempos. Dois filmes seus são especiais: “Esta Vida Esportiva”, de 1963, e sua obra-prima “Se…, de 1968. 

“Esta Vida Esportiva” (This Sporting Life), de 1963, é ambientado na zona industrial do norte da Inglaterra e trata de um minerador de uma carvoaria, Frank (Richard Harris), explorado pelo patrão, que se torna um atleta de rúgbi. O filme foi o auge da popularidade crítica dos dramas sobre a classe trabalhadora, mostrando o lado sombrio da vida de atletas.

O filme “Se….” (If…), de 1968, é um drama que trata de uma rebelião estudantil armada contra o sistema opressor de ensino nas escolas públicas britânicas dos anos 1950 e 1960. A história acompanha o adolescente rebelde Mick Travis (Malcolm McDowell), de comportamento anti-social e que pratica furtos. Junto com dois capangas, eles logo provocam confrontos internos e chamam a atenção de gangues locais e da administração da escola.

“Esta Vida Esportiva”, 1963, o diretor Lindsay Anderson, e “Se….”, 1968

Cenas de “Esta Vida Esportiva”, 1963

Karel Reisz

Nascido na Checoslováquia, Karel Reisz foi uma das 669 crianças judias salvas do Holocausto e trazidas para a Inglaterra. Entretanto seus pais acabariam por ser mortos no campo de concentração de Auschwitz. Juntamente com Lindsay Anderson, fundou a revista “Sequence” e entrou no cinema se especializando em técnicas de montagem. Foi um dos animadores do movimento “Free Cinema” que, nos finais dos anos cinquenta, traria uma nova estética e introduziria valores sociais nos filmes ingleses. Ficou famoso especialmente por dois filmes impactantes: “Tudo Começou no Sábado”, de 1960, e “A Mulher do Tenente Francês”, de 1981.

“Tudo Começou no Sábado”, de 1960, é um dos marcos da New Wave Britânica, um “drama de pia de cozinha”. O filme é sobre um jovem maquinista, Arthur (Albert Finney), que, cansado de uma vida de labuta sem futuro, passa os fins de semana bebendo e festejando, o tempo todo tendo um caso com uma mulher casada, Brenda (Rachel Roberts), enquanto se rebela contra o sistema opressor. Como sempre nesse movimento, o personagem principal é um homem simples da classe trabalhadora.

“A Mulher do Tenente Francês”, de 1981, foi um sucesso americano e mundial. É um filme dentro de um filme, onde dois atores fazem par romântico em um filme que se passa na Inglaterra do século XIX. O enredo é a história de Charles, um biólogo que está prestes a se casar, mas que acaba se apaixonando por Sarah. Após um curto romance, Sarah, atormentada por sua personalidade, abandona Charles, o que deixa sua vida destruída. Enquanto filmam, Anna (Meryl Streep) e Mike (Jeremy Irons), os atores que interpretam os amantes da Era Vitoriana, se envolvem em um relacionamento que acontece paralelo ao de seus personagens.

“Tudo Começou no Sábado”, 1960, o diretor Karel Reisz, e “A Mulher do Tenente Francês”, 1981

Cenas de “Tudo Começou no Sábado”, 1960

Jack Clayton

Jack Clayton vivenciou o cinema desde muito novo, foi assistente de direção em muitos filmes e, apesar de uma obra relativamente pequena, é um diretor elogiado e admirado por colegas da profissão e críticos de cinema. Seu estilo era rigoroso e suas críticas ao status quo e à estrutura de classes sociais eram contundentes. Realizou dois filmes muito apreciados: “Almas em Leilão”, de 1959, e “O Grande Gatsby”, de 1974.

“Almas em Leilão” (Room At The Top), de 1959, é uma dura acusação ao sistema de classes britânico e inaugurou uma série de filmes realistas, com tratamentos sinceros sobre costumes, situação social e discutindo abertamente o sexo e luxúria. Narra a história de Joe (Laurence Harvey), um trabalhador oportunista e ambicioso que inveja a riqueza do patrão e tenta conquistar Susan (Heather Sears), a filha de um milionário, ao mesmo tempo em que tem um caso com uma mulher casada, Alice (Simone Signoret).

Em 1974 Jack Clayton lançou “O Grande Gatsby”, baseado na obra literária de F. Scott Fitzgerald. O filme foi muito bem recebido, tanto pela crítica quanto pelo público. Com uma impecável reconstituição histórica dos anos 20 em Long Island, cenários elegantes e figurinos deslumbrantes, o filme trafega num mundo de luxo, obsessão e tragédia e narra a história de Jay Gatsby (Robert Redford), um milionário apaixonado por Daisy Buchanan (Mia Farrow), casada com Tom (Bruce Dern).

“Almas em Leilão”, 1959, o diretor Jack Clayton, e “O Grande Gatsby”, 1974

Cenas de “Almas em Leilão”, 1959

John Schlesinger

John Schlesinger começou no cinema como um ator graduado nos anos 50. Depois voltou-se para o documentário e, em seguida, para a direção de longa-metragem.  Era filho de judeus e assumidamente gay. Seu cinema era polêmico, tratou de temas como a degradação da vida urbana em Londres, homossexualismo e as péssimas condições de vida dos trabalhadores no norte da Inglaterra. Com o sucesso de seus filmes britânicos, Schlesinger partiu para Hollywood, se sobressaiu e foi premiado pela Academia, sempre com sua visão ousada. Dois de seus primeiros filmes são muito cortejados: “O Mundo fabuloso de Billy Liar”, de 1963, e “Perdidos na Noite”, de 1969.

“O Mundo Fabuloso de Billy Liar”, de 1963, é uma comédia dramática, meio que surreal, sobre um simples trabalhador de uma funerária, Billy Fisher (Tom Courtenay), que mora em Yorkshire e que deseja fugir de seu trabalho sem futuro e da vida de uma família operária. Para escapar do tédio de sua existência monótona, ele constantemente sonha acordado e cria fantasias. É um filme sobre as frustrações da classe trabalhadora, sem perspectivas, e que apela para um mundo imaginário de uma mente sonhadora.

Perdidos na Noite”, de 1969, foi um grande sucesso abordando a vida marginal em Nova York, onde um caipira, Joe (Jon Voight), tenta sobreviver vendendo o corpo e realizando outras mutretas, enquanto convive com um pária social, Ratso (Dustin Hoffman), pelas ruas da metrópole. Um retrato triste e sombrio de pessoas comuns às margens de uma sociedade implacável, competitiva, desigual, sujeitas a negócios tortuosos para ganhar o pão de cada dia. “Perdidos na Noite” venceu o Oscar de melhor filme, diretor e roteiro.

“O Fabuloso Mundo de Billy Liar”, 1963, o diretor John Schlesinger, e “Perdidos na Noite”, 1969

Cenas de “O Fabuloso Mundo de Billy Liar”, 1963

Um novo talento do cinema influenciado pela New Wave Britânica

Ken Loach

Kenneth Charles Loach é um cineasta inglês. Não foi integrante da New Wave Britânica, mas foi influenciado pela temática do movimento que focava a classe trabalhadora. Seu estilo de direção crítico e ideais socialistas são evidentes em seu tratamento cinematográfico de questões sociais como pobreza, liberdade, luta de classes, políticas sociais, falta de moradia e direitos trabalhistas. Sua obra, bastante engajada, mostra seu alinhamento político à esquerda quando trata de conflitos sociais e da luta pelos direitos dos trabalhadores. Dois filmes são marcantes em sua carreira: “Kes”, de 1969, e “I, Daniel Black”, de 2016.

“Kes”, de 1969, conta a história de Billy Casper (David Bradley), um menino de 15 anos de idade que sofre continuamente com os abusos e humilhações que lhe são causados pela família, principalmente o irmão mais velho que trabalha numa mina, pela escola e pelas pessoas em geral. Sua distração é treinar um pequeno falcão, Kes, enquanto continua a sofrer castigos dos professores da escola.

“I, Daniel Black”, de 2016, venceu a Palma de Ouro em Cannes. O filme conta a história de um marceneiro de 59 anos de idade de Newcastle, Daniel (Dave Johns), que sofre um ataque cardíaco. Depois de ser considerado apto para voltar ao trabalho, Daniel não consegue qualquer subsídio de emprego e apoio assistencial. Nesse processo, faz amizade com a mãe solteira, Katie (Hayley Squires), enquanto luta por seus direitos sociais. 

“Kes”, 1969, o diretor Ken Loach, e “I, Daniel Black”, 2016

Cenas de “I, Daniel Black”, 2016

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