O cinema falado e a década de 30 na América e na Europa
A transição do cinema mudo para o cinema falado
A transição entre o cinema mudo e o cinema falado foi impactante não só para a linguagem do cinema, com o avanço da tecnologia, mas também para os roteiros dos filmes e a interpretação de atores e atrizes. Artistas de humor como Charles Chaplin resistiram por muito tempo ao filme falado.
No cinema mudo, a atuação se valia muito de expressões faciais, gestos e maneirismos corporais. Os roteiros eram mais simples, menores e explicados em letreiros ao longo do filme. O som era incorporado através de ruídos, pequenas músicas, e a orquestração, ou mesmo um piano solitário, exibia as músicas durante a exibição dos filmes. O mais importante eram as imagens, que eram bem elaboradas nesse período, e o destaque ia para a equipe de fotografia do filme. O cinema falado exigiu novas condições de trabalho.
O advento do filme sonoro fez com que muitos atores e atrizes, que se garantiam pela beleza e postura nos tempos do cinema mudo, tivessem muitos problemas de adaptação ao som, seja pela voz ruim, seja pelas dificuldades de decorar as falas e, ao mesmo tempo dramatizar as cenas faladas, seja pelas novas técnicas de se filmar. A música passou a ter muita importância na narrativa e valorizou muito os compositores e as orquestras.
Para entender bem essa transição difícil, é muito interessante e esclarecedor assistir a dois filmes: “Cantando na Chuva”, de 1952, dirigido por Gene Kelly e Stanley Donen, e “O Artista”, de 2012, dirigido por Michel Hazanavicius. Ambos contam exatamente as dificuldades de atores na passagem para filmes falados e suas relações emocionais e profissionais, com sérias crises de adaptação, inclusive com o uso de dublês de vozes.
“Cantando na Chuva”, 1952, e “O Artista, 2011, filmes que expõem bem a transição do cinema mudo para o cinema falado
O primeiro filme falado
O primeiro filme falado foi “O Cantor de Jazz”, um filme musical de 1927 dirigido por Alan Crosland e produzido pela Warner Brothers Pictures. Al Jolson, um famoso cantor de jazz da época, foi o ator principal e o primeiro a falar e cantar num filme, com sua voz gravada em banda sonora sincronizada. É muito interessante destacar que ele era um ator branco judeu que atuou no filme com o rosto pintado de preto para parecer negro, uma vez que existia muitos cantores de jazz dessa cor nos Estados Unidos.
A história do filme segue o jovem Jakie Rabinowitz que desafia as tradições de sua família judia cantando, numa casa de diversões norte-americana, algumas canções populares da época. O personagem nunca consegue o apoio da família, apesar do sucesso.
“O Cantor de Jazz”, 1927, e seu lançamento em Nova York
Cenas de O Cantor de Jazz, 1927
Grandes produtoras de filmes e o Studio system
O aumento dos investimentos no cinema, uma arte que se mostrou lucrativa, foi fundamental para que Hollywood se tornasse uma indústria do entretenimento. Seu avanço se deu com a expansão dos estúdios nas duas primeiras décadas do século XX e com o desenvolvimento da tecnologia cinematográfica.
É preciso ressaltar que durante a década de 20, grandes estúdios foram fundados: Warner Brothers. (1923), MGM (1924) e RKO (1928). Os três, juntamente com a Paramount e a Fox (criadas nos anos 10), formavam o The Big Five – os cinco maiores estúdios – enquanto a Columbia, a Universal e a United Artists (também criadas nos anos 10) representavam o The Little Three – os três menores.
Juntas, as produtoras consolidaram o cinema de Hollywood baseado no formato studio system: cada um possuía sua equipe fixa de diretores, produtores, roteiristas, entre outras funções, e eram donos inclusive de salas de cinema, para exibição de suas próprias produções. Chefões de estúdio como Jack Warner (Warner Brothers), Louis Mayer (Metro Goldwin Mayer), Adholp Zukor (Paramount) e William Fox (Fox Films) se tornaram poderosos no cinema e produziram grandes filmes que ficariam para a história.
Jack Warner, fundador da Warner Brothers, Louis Mayer, fundador da Metro Goldwin Mayer, Adolph Zukor, fundador da Paramount, e William Fox, fundador da Fox Films
As “Top 5” produtoras de Hollywood com suas logomarcas, ainda no início
Hollywood e Europa na década de 30
A década de 30 costuma ser associada ao início da Era de Ouro de Hollywood, época de grande sucesso que se estendeu até os anos 60. Apesar da grande depressão econômica de 1929, e que se desdobrou negativamente nos anos seguintes, a produção de filmes não parou, pelo contrário, uma safra de ótimas produções ocorreu. Atores e atrizes iam se adaptando ao cinema falado e técnicos iam se aperfeiçoando no ofício.
Destaca-se que a competição entre os estúdios de cinema favoreceu o dinamismo produtivo de Hollywood na década de 30, apesar do país sofrer de problemas econômicos e sociais. O cinema feito em Hollywood sofreu espionagens e restrições no mercado de filmes alemão, que era um dos mais importantes do mundo, a partir da ascensão de Hitler ao poder. Apesar disso, o talento e as artimanhas dos profissionais cinematográficos iam contornando a situação ludibriando os censores nazistas. Todos os artistas tiveram de se acostumar com o assédio nazista e seu ódio aos judeus.
Muitos filmes dessa década merecem aplausos. Citaremos alguns que consideramos representativos, tanto em Hollywood quanto na Europa. Os filmes são de vários gêneros: drama, romance, comédia, suspense, gangster e musical. É importante assinalar a ascensão de Walt Disney e seus filmes de animação e o desenvolvimento do processo de cinema em cores, o Technicolor, que proporcionou os primeiros filmes coloridos. Falaremos mais sobre isso em outro artigo.
Filmes de Hollywood
“Scarface: A Vergonha de uma Nação”, de 1932, dirigido pelo americano Howard Hawks, é um filme de gangster e se passa na cidade de Chicago nos anos 20. Inspirado no mafioso Al Capone, a história segue a trajetória de “Tony” Camonte (Paul Muni), um gângster que surge violentamente no mundo das gangues de Chicago. Esse filme se tornou uma referência até hoje nesse gênero e influenciou muitos filmes de gangster e de máfia que se espalharam pelo mundo. O diretor Howard Hawks se tornou um grande mestre do cinema em muitos tipos de gêneros de filmes.
“Aconteceu Naquela Noite”, de 1934, dirigido por Frank Capra, foi super premiado com o Oscar, ganhou os principais prêmios. É um drama romântico com um pouco de comédia maluca que conta a história de uma socialite mimada Ellie (Claudete Colbert) que tenta escapar do controle de seu pai milionário e cai apaixonado por um repórter desempregado e cheio de malandragem, Peter, (Clark Cable), que deseja fazer um furo de reportagem com ela. É um filme impecável, com uma direção elegante e atuações memoráveis. É importante assinalar que o Diretor Frank Capra foi um dos mais importantes e premiados nesse período e continuou com seu imenso talento na década de 40. Capra, inclusive, liderou uma equipe de cineastas que realizaram filmes de propaganda dos aliados durante a segunda guerra mundial.
“O Picolino”, de 1935, dirigido por Mark Sandriché, é uma ótima comédia musical americana de 1935 em que o ator Fred Astaire interpreta um sapateador americano chamado Jerry Travers, que vem a Londres para estrelar um show. Ele conhece e tenta impressionar Dale Tremont (Ginger Rogers) para ganhar seu afeto. O filme é cheio de música e dança, ótimo de assistir, encantador, deu fama internacional a Fred Astaire e a Ginger Rogers como a maior dupla de musicais da história do cinema. Iremos abordar em outro artigo os grandes musicais de Hollywood.
“Aconteceu Naquela Noite”, 1934, e o grande Diretor Frank Capra
“Scarface”, 1932, e “O Picolino”, 1935
Cenas de Aconteceu Naquela Noite, 1934
Mais três filmes marcaram essa década em Hollywood. São eles:
“Tempos Modernos”, de 1936, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, é um grande clássico do cinema mundial. Nele, Chaplin usou pela primeira o som falado numa cena em que canta. No filme, o icônico personagem do Vagabundo é um operário que é mandado embora por seu comportamento maníaco, tenta sobreviver nas ruas e conhece uma moça órfã (Paulette Goddarg) com quem terá uma relação afetiva. Chaplin satiriza o mundo industrializado e faz uma forte crítica ao capitalismo, bem como aos maus-tratos que os trabalhadores recebiam na industrialização. Com esse filme, Chaplin foi acusado de comunista e teve problemas de permanência nos Estados Unidos.
“Jezebel”, de 1938, dirigido por William Wyler, é um drama romântico que conta a história de uma teimosa jovem sulista durante o período anterior à guerra civil americana, cujas ações custaram a ela o homem que ela ama. Julie (Bette Davis) é uma menina bonita e de espírito livre que perde o noivo (Henry Fonda) devido aos seus modos dominadores, vaidade, teimosia e orgulho. Mas ela jura trazê-lo de volta a qualquer custo. Bette Davis ganhou seu segundo Oscar de atriz e se consagrou definitivamente como uma diva do cinema. O Diretor William Wyler foi um dos diretores de maior sucesso nesse período e trabalhou ativamente como cineasta dos aliados durante a segunda guerra mundial.
“Ninotchka”, de 1939, dirigido por Ernst Lubitsch, é uma comédia romântica que satiriza e contrapõe os valores comunistas e capitalistas. Aborda uma comissária soviética severa enviada a Paris para tratar de assuntos oficiais que acaba sendo atraída por um sedutor playboy americano (Melvyn Douglas) com valores que ela deve detestar. Greta Garbo é Ninotchka que, para descobrir o que aconteceu com três enviados do governo soviético em uma missão, acaba conhecendo os luxos do Ocidente capitalista. Esse filme ficou muito famoso por que Greta Garbo, a mulher que nunca ria, finalmente sorriu no cinema.
Gostaríamos de assinalar que duas grandes produções da década de 30, “E O Vento levou” e “O Mágico de Oz”, não foram considerados porque estão sendo tratadas na categoria “O Cinema Blockbuster e as Franquias” (leia mais).
“Jezebel”, 1938, e o importante Diretor William Wyler
“Tempos Modernos”, 1936, e “Ninotchka”, 1939
Cenas de Ninotchka, 1939
Filmes da Europa
O cinema europeu também estava a todo vapor nos anos 30, produzindo clássicos mundiais. Seguem seis filmes marcantes dessa época.
“O Anjo Azul”, de 1930, dirigido pelo austríaco Josef Von Sternberg, é um filme do expressionismo alemão no estilo de um drama de tragédia. Conta a história do educador Immanuel Rath (Emil Jannings) que, para impedir que seus alunos continuem admirando uma estrela de cabaré Lola Lola (Marlene Dietrich), visita o clube local, o Blue Angel, e acaba loucamente apaixonado por ela e renunciando à sua carreira na escola. No entanto, viver com uma artista sedutora que atrai o desejo de todos é muito difícil e ele entra num processo de completa degradação moral.
Marlene Dietrich se consagrou mundialmente com esse filme. O Diretor Josef Von Sternberg, depois desse filme de muito sucesso, foi para Hollywood e realizou outros filmes com muito talento.
“A Ópera dos Três Vinténs”, 1931, dirigido pelo alemão G.W.Pabst, é uma adaptação da peça teatral de Bertold Brecht e a história se passa em Londres, na virada do século XIX para XX, quando Mack, um bandido da época, casa-se com Polly sem que seu pai, Peachum, tenha conhecimento. Depois disso, há uma perseguição e mendigos entram em cena nas ruas da cidade. O filme conserva traços do cinema expressionista.
“A Nós, a Liberdade”, de 1931, dirigido pelo francês René Clair. O filme é um clássico do cinema. Ao abordar um presidiário que foge da prisão e passa de vendedor a dono de uma fábrica, o filme faz uma dura crítica à sociedade industrial com humor e poesia. O filme defende uma liberdade e uma felicidade que não se consegue atingir num mundo dominado pela exploração e por um trabalho alienante e estranho. Vale mais a pena viver um ócio feliz.
“O Anjo Azul”, 1930 e o Diretor Josef von Sternberg
“A Ópera dos Três Vinténs”, 1931, e “A Nós a Liberdade”, 1931
Cenas de O Anjo Azul, 1930
Mais três filmes europeus da década de 30
“Extase”, de 1933, dirigido pelo Tcheco Gustav Machaty, é um drama erótico sobre uma jovem infeliz, Eva (Hedy Lamarr), que se casa com um homem rico, mas muito mais velho. Depois de abandonar seu breve casamento sem paixão, ela conhece um jovem engenheiro viril (Pierre Nay) que se torna seu amante. É talvez o primeiro filme a mostrar uma atriz nua e a retratar a relação sexual e o orgasmo feminino, embora nunca mostre mais do que os rostos dos atores.
“Os 39 e Nove Degraus”, de 1935, dirigido por Alfred Hitchcock, é um thriller de suspense e espionagem que segue a trajetória de um cidadão comum em Londres, Hannay (Robert Donnat), que, depois de ser acusado por engano do assassinato de um agente de contra-espionagem, foge e tenta desvendar e impedir que uma organização de espiões roube segredos militares britânicos. Hitchcock trabalha aqui com a situação limite de um tema muito comum em seu cinema: o homem errado, alguém que é confundido com outro. Esse filme é considerado por muitos como o seu melhor filme da sua fase inglesa. Depois foi para Hollywood e realizou suas maiores obras primas.
“A Regra do Jogo”, de 1939, dirigido por Jean Renoir, é um filme clássico e considerado um dos melhores da história do cinema. Trata-se de uma comédia dramática que conta a história de uma família burguesa tradicional na França que resolve passar o verão numa casa de campo com seus empregados. Uma noite, um baile de máscaras acontece, e surgem vários casos amorosos, envolvendo empregados e patrões e conduzindo a um trágico desfecho.
Jean Renoir fez um retrato da futilidade da vida da alta classe social, seus privilégios e ostentações, criticando seus hábitos e costumes, com traições, mentiras e segredos. O Diretor francês Jean Renoir, filho do grande pintor August Renoir, foi um dos mestres do cinema mundial, principalmente nas décadas de 30 e 40, e influenciou uma variedade de cineastas de vários cantos do mundo.
“A Regra do Jogo”, 1939, e o Diretor Jean Renoir, admirado em todo mundo
“Extase”, 1933, e “Os 39 Degraus”, 1935
Cenas de A Regra do Jogo, 1939
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