Cidade de Gelo, Escavação e Sociedade Literária, três filmes que nos remetem à fantasia, história e esperança
Filme: Cidade de Gelo, 2020
Direção: Michael Lockshin
Elenco: Yuriy Borisov, Fedor Fedotov, Sonya Priss, Kirill Zaytsev
Enredo: Cidade de Gelo se passa num lindo inverno coberto de neve durante o período de natal e ano novo na virada do século XIX para o século XX, 1900, na cidade de São Petersburgo, Rússia. A trama narra a historia de um rapaz pobre e exímio patinador, Matvey, com um pai muito doente, acendedor e apagador de lampiões nas ruas da cidade. Ao ficar desempregado, Matvey, que só o que lhe resta são seus patins de prata, precisa de dinheiro para sobreviver e se junta a uma gangue de ladrões patinadores que assola o mercado nos canais e pontes da cidade. Aqui ele conhece Alex, o líder da gangue e defensor dos ideais da luta de classes.
Ao conhecer uma jovem e bela aristocrata, Alice, Matvey terá uma paixão proibida. Alice é muito estudiosa e louca por uma vida profissional independente, mas filha de um nobre oficial do governo que a reprime e lhe impõe um casamento arranjado.
Comentário: O filme Cidade de Gelo é visualmente deslumbrante e recheado de cenas dos majestosos castelos, igrejas, catedrais e pontes adornadas da cidade de São Petersburgo, aproveitando todo o glamour e luxo da Rússia pré-revolução bolchevique. Nesse ponto, já se nota um marxismo embrionário sinalizado pelo líder da gangue de patinadores, Alex, um proletário que rouba os burgueses no mercado local. Alex e seu bando, além de defenderem que a riqueza da nobreza é do povo, nos lembra os jovens marginais dos livros de Charles Dickens na Inglaterra industrial e vitoriana do século XIX.
Cidade de Gelo mistura aventura romântica com tons de drama social, mostra o distanciamento e a desigualdade entre a nobreza e a população comum, e se transforma num verdadeiro conto de fadas russo, no caso uma historia da menina rica e do rapaz pobre que se apaixonam, o que nos remete à clássica estória de ‘a princesa e o plebeu’. Com toques de humor e fantasia e num cenário grandioso de inverno que, o filme não se esquece das dores e mazelas sociais. Cidade de Gelo encanta do inicio ao fim, com cenas de patinação animadas e virtuosas e uma fotografia, direção de arte e figurino condizentes com a narrativa mágica que desenvolve, nos levando para um mundo ao mesmo tempo de “faz de conta” e de dura realidade. A historia nos envolve e nos comove, tem momentos de alegria e de tristeza, mas uma tristeza que é superada pela fantasia. Quando achamos que tudo vai se perder, acontece uma reviravolta que nos deixa com um largo sorriso nos lábios e felizes pela vitória dos sonhos.
Filme: A Escavação, 2021
Direção: Simon Stone
Elenco: Carey Mulligan, Ralph Fiennes, Lily James, Johnny Flynn
Enredo: No final dos anos 1930, na ante-sala da segunda guerra mundial, a rica viúva proprietária de terras na região de Sutton Hoo, Edith Pretty, contrata o arqueólogo amador, melhor dizendo um escavador autodidata, Basil Brown, para investigar os montes em sua propriedade no sul da Inglaterra. Ele acaba por descobrir um navio funerário anglo-saxão da Idade Média com muito ouro e pesquisadores metidos chegam ao local e tentam ofuscar a figura simples do arqueólogo amador.
O filme A Escavação se baseia em fatos reais da descoberta arqueológica que se tornou um grande acontecimento do século XX na Inglaterra e que ficou escondido durante a segunda guerra mundial. Hoje, os artefatos encontrados estão no Museu Britânico em Londres.
Comentário: O filme tem muita classe e um charme inglês irresistível. Trafega por duas narrativas que se misturam sob o pano de fundo da escavação milagrosa. Num primeiro momento, têm-se as atuações maravilhosas dos atores principais nos papéis da viúva Edith (a atriz Carey Mulligan), e do arqueólogo amador Basil (Ralph Fiennes), profissão adquirida por herança de avô para pai e de pai para filho, num clima de discreta aproximação para um romance clássico, com olhares furtivos, atmosfera de tensão e atitudes que falam por si. Num segundo momento do filme, assistimos aos embates egocêntricos entre os atores coadjuvantes Lily James, no papel de Peggy, e Johnny Flynn, no papel de Rory, que tratam sobre relíquias históricas, seus significados e as memórias que passam de geração a geração
Ao revelar uma doença fatal de Edith, que reforça o seu ar insistentemente romântico, o filme discute a fugacidade da vida, a moral imponente, a mortalidade e o legado, ao mesmo tempo em que mostra a chegada destruidora da segunda guerra mundial. A maior qualidade do filme é a sua belíssima fotografia com planos distantes e cores esmaecidas, com perda proposital de vigor e num contínuo sentimentalismo. Isso remete a todos, personagens e espectadores, a um clima de elegância sensível, sentimentos à flor da pele, sobriedade nas relações humanas que se complementa com um figurino impecável.
Filme: Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata, 2018
Direção: Mike Newell
Elenco; Lily James, Michiel Huisman, Jessica Findlay, Matthew Goode
Enredo: Juliet Ashton (a atriz Lily James) é uma escritora na Londres de 1946, solitária e em bloqueio criativo, que decide visitar Guernsey, uma das Ilhas britânicas do Canal da Mancha invadida pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A pequena cidade tenta retomar a vida pós-guerra, enquanto superam as perdas de entes queridos. Depois que Juliet recebe uma carta de um fazendeiro contando sobre como um clube do livro local foi fundado durante a guerra, ela parte e lá constrói profundos relacionamentos com os moradores da ilha e decide escrever um livro sobre as experiências deles na guerra. Com esse enredo simples, o filme vai desenvolver uma rede de relações humanas em que a arte é o remédio para a superação das tristezas, das perdas e das diferenças.
Comentário: O filme Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata transborda de humanismo e simplicidade, é esperançoso, carrega um simbolismo da resistência no próprio título: A torta de casca de batata é muito difícil para se comer, mas serve como lembrança da escassez e das dificuldades de sobrevivência impostas pela guerra. O mais importante é que o filme coloca a arte, no caso a literatura, ou a leitura de um livro, como o baluarte para viver em tempos difíceis e também para manter vivo o prazer pela vida e estimular os bons relacionamentos, além de reerguer vidas destruídas e memórias tristes. Nesse processo de cultivar relações afetivas e, mais além, amorosas, a escritora Juliet vai expondo sentimentos, transferindo amabilidades, recebendo carinhos, compondo emoções e se envolvendo de maneira sincera e abnegada com os membros da Sociedade Literária.
O filme não vai em busca de assuntos de profundidade intelectual, trabalha os conflitos internos e oferece uma boa noção de afeto e um senso de comunidade muito significativos. Essas coisas reconstroem vidas passadas após o drama da guerra e criam solidariedade e convivência sadia. O filme prega a união e equilibra amores improváveis e ingenuidade na medida certa para se dotar de bons sentimentos e grandes esperanças, que se aliam à exploração dos belos cenários naturais da ilha pitoresca de Guernsey. Por fim, o singelo filme Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata procura, através da arte e das relações, sanar feridas abertas por destruições da guerra e serve também para outros tipos de brutalidades humanas.
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