O Cinema nos anos 60: Novas narrativas, transgressões temáticas e linguagem inovadora
O cinema parte para novos caminhos
O cinema mundial nos anos 60, ainda que continuasse a produzir grandes musicais, faroestes clássicos e filmes épicos, notadamente em Hollywood, deu uma guinada para novas narrativas, transgressões temáticas e linguagem inovadora. Na onda de reflexões sobre moral, costumes, sociedade de classes e individualidades, muitos filmes romperam barreiras tradicionais e se arriscaram em assuntos polêmicos e em técnicas revolucionárias. Enredos mais sérios e considerados tabus foram desenvolvidos. Havia uma abertura para enfoques realistas.
Em Hollywood, surgiram filmes que desnudaram uma suposta pureza ou inocência da sociedade americana, com abordagens não convencionais. França, Alemanha, Inglaterra e Brasil lançavam seus movimentos cinematográficos inovadores. A modernidade chegou no cinema italiano, principalmente nas figuras de Michelangelo Antonioni e Federico Fellini. A Espanha espantou com Luís Buñuel e seus filmes iconoclastas. Os cinemas oriental e sueco trabalhavam com visões diferentes da tradição ocidental, e na Rússia o cineasta Andrei Tarkovski seguiu uma densa trilha independente.
Nesse processo de ruptura às tradicionais abordagens do cinema, diretores já famosos se aprimoravam em enredos mais profundos e outros talentos apareceram com novas experimentações. Este artigo vai se pautar em apresentar filmes inovadores e plurais dos anos 60. Outros bons filmes não foram considerados porque já aparecem em outras categorias de análise deste blog (leia mais em cinemaemfoco.com). Temas de suspense, psicanálise, classes sociais, liberdade, vida criminosa, relações íntimas, contracultura, espaço sideral, produção artística, memórias e até mesmo o vampirismo são tratados.
Uma seleção de filmes americanos dos anos 60: Diversidade e ousadia
Já no início da década, 1960, o filme “Psicose” foi lançado por Alfred Hitchcock. Misturando suspense, terror e psicanálise, o filme surpreende por uma abordagem ousada, já que a heroína é assassinada na primeira parte da história, e acompanha um dono de um hotel de estrada que pratica taxidermia e possui uma estranha relação com a mãe. Mora numa casa sinistra e, sem aviso, aterroriza as pessoas. O ator Anthony Perkins imortalizou o personagem Norman Bates, aparentemente pacato, porém violento.
Em 1961, um novo diretor americano surge, Blake Edwards, com o filme “Bonequinha de Luxo”. Adaptado de uma obra de Truman Capote, o filme narra a história de Holly Golightly, uma acompanhante de luxo em Nova York que sonha em casar com um homem rico e tornar-se atriz em Hollywood. Com uma grande atuação da atriz Audrey Hepburn, o filme navega pelas altas rodas da sociedade, faz um perfil crítico sobre as futilidades sociais e as armações de interesses em prol de uma ascensão de vida.
Em 1964, o belo e sensível “Zorba, O Grego” foi lançado e dirigido por Michael Cacoyannis, baseado no romance homônimo de Nikos Kazantzakis. O filme, rodado na Ilha de Creta, Grécia, é um libelo à liberdade, ao abordar um personagem, Zorba (Anthony Quinn), absolutamente impregnado pela vontade de viver. Simples, despossuído, fala o que sente, sem meias palavras, Zorba se depara com um viajante escritor britânico, Basil (Alan Bates), em crise criativa e existencial. Sem teorizar nada, Zorba o ensina aquilo que sabe: superar problemas e viver cada momento.
Em 1967, o tema da vida criminosa ganha as telas do cinema de maneira original e com um enredo biográfico. Trata-se de “Bonnie and Clyde, Uma Rajada de Balas”, dirigido por Arthur Penn. Uma garota de uma pequena cidade, Bonnie (Faye Dunaway), e um assaltante de banco, Clyde (Warren Beatty) se apaixonam e começam uma onda de crimes que se estende de Oklahoma ao Texas nos anos 30. Por sua habilidade e brio, se tornam celebridades. O filme surpreendeu ao tratar dos temas de violência e paixão de maneira natural e o seu final é uma das cenas de morte mais sangrentas da história do cinema.
Pela ordem: “Psicose”, 1960”, “Bonequinha de Luxo”, 1961, Zorba, O Grego”, 1964, e “Bonnie and Clyde”, 1967
Cenas de “Psicose”, 1960
Cenas de “Bonequinha de Luxo”, 1961
Cenas de “Zorba, O Grego”, 1964
Cenas de “Bonnie and Clyde, Uma Rajada de Balas”, 1967
Ainda em 1967, o diretor novato Mike Nichols rodou o divertido e transgressor “A Primeira Noite de Um Homem”. Pela primeira vez em Hollywood, um filme tratou de erotismo e sedução de uma mulher de meia idade, a Sra. Robinson (Anne Bancroft), em cima de um jovem, Benjamin (Dustin Hoffman em início de carreira), que, aliás tem interesse pela sua filha. A moral vigente foi apunhalada e o filme foi um grande sucesso. Apesar do tema pesado para a época, o filme é uma comédia romântica que deu certo e muitas de suas cenas picantes foram imitadas em outros filmes.
Em 1968, o diretor Stanley Kubrick, que vinha empolgando muito com seus filmes polêmicos, lançou a poderosa ficção científica “2001, Uma Odisseia no Espaço”. Narrando uma evolução dos macacos até o espaço sideral, o filme é até hoje analisado por antever um futuro tecnológico e a inteligência artificial. Contando com a atuação de um computador malvado e de um meteorito inexplicável, o filme encanta por suas imagens futuristas, seu bailado cósmico e com sua profecia de que podemos chegar longe no universo, com mistério e o senso do desconhecido.
Em 1969, a contracultura, e sua defesa da liberdade radical e vida alternativa, ganhou um poderoso filme: “Sem Destino” (Easy Rider), dirigido pelo ator Dennis Hopper. Dois motoqueiros hippies, Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper), conseguem dinheiro de drogas no sul da Califórnia e decidem viajar pelo país em busca da verdade espiritual. Em sua jornada, eles experimentam o preconceito e o desamor dos habitantes de uma cidade da América. Desejam a paz, no seu modo de viver, mas só encontram ódio.
Também em 1969, um filme diferente, instigante e desesperançado, foi lançado: “A Noite dos Desesperados”, dirigido por Sydney Pollack. No meio da Grande Depressão, ano de 1932, competidores se reúnem para uma maratona de provas que oferece um grande prêmio. Entre eles estão uma atriz fracassada (Jane Fonda), um jovem amargurado (Michael Sarrazin) e uma loira delirante (Susannah York). O tempo passa, a competição se arrasta e as pessoas desistem ou morrem. Num cenário de desolação e desespero, o filme é uma incrível metáfora social da situação dos americanos após a crise econômica de 1929 que abalou os Estados Unidos e o mundo.
Pela ordem: “A Primeira Noite de Um Homem”, 1967, “2001”, 1968, “Sem Destino”, 1969, e “A Noite dos Desesperados”, 1969
Cenas de “A primeira Noite de um Homem”, 1967
Cenas de “2001, Uma Odisseia no Espaço”, 1968
Cenas de “Sem Destino”, 1969
Cenas de “A Noite dos Desesperados”, 1969
Diretores americanos que despontaram nos anos 60. Pela ordem: Blake Edwards, Michael Cacoyannis, Arthur Penn, Mike Nichols, Stanley Kubrick e Sydney Pollack
Uma seleção de filmes de outros países dos anos 60: Inovação, críticas de classes e crises criativas
Jean-Luc Godard, um grande expoente do movimento cinematográfico da “Nouvelle Vague” francesa, lançou o revolucionário “Acossado” em 1960, seu primeiro filme. A história acompanha Michel (Jean-Paul Belmondo), um ladrão procurado pela polícia. Tentando fugir do país, conhece a aspirante a jornalista Patrícia (Jean Seberg), com quem tem um romance. O filme é considerado um manifesto estético, espontâneo, e contém elementos novos, entre eles, irreverência, ironia, herói à deriva, cortes descontínuos, baixo orçamento e locações em ruas. Um filme que se enquadrava no chamado “cinema de autor”.
Em 1961, um diretor pavimentado no cinema moderno, Alain Resnais, rodou o não convencional “O Ano Passado em Marienbad”. Contando a história de uma festa aristocrática composta por personagens sem nomes e que parecem paralisados ou congelados no tempo, o filme mistura ficção e realidade numa fantasia onírica. O tempo e o espaço se confundem. Fascinante e incompreensível, o filme é uma viagem pelas memórias num clima de surrealismo. Todo mundo parece se conhecer, mas na verdade ninguém se conhece.
Em 1962, o diretor espanhol Luís Buñuel deixou todo mundo espantado ao lançar “O Anjo Exterminador”. De influência surrealista, o filme conta a história de um jantar de ricos burgueses onde as pessoas simplesmente não conseguem sair e se tornam reféns de portas e barreiras imaginárias. Buñuel despe a sociedade aristocrata, as convenções sociais vão caindo e as máscaras desprendem-se de cada personagem, aflorando os mais primitivos instintos, desejos sexuais reprimidos, a fome, a sede e até mesmo a morte.
Em 1963, Federico Fellini realizou seu melhor filme: “8 e ½”. O enredo retrata a crise criativa de um diretor de cinema, Guido (Marcelo Mastroiani), que, oprimido pela confusão reinante entre seu trabalho e sua vida pessoal, tem de lidar com seus demônios, pensamentos atormentados, amores, passado e presente, num clima de realismo fantástico. Fellini fez sua própria catarse artística, criando um circo de emoções, fantasias, improvisações e imagens surreais. Em uma palavra: uma obra prima.
Pela ordem: “Acossado”, 1960, “O Ano Passado em Marienbad”, 1961, “O Anjo Exterminador”, 1962, e “8 e ½”, 1963
Cenas de “Acossado”, 1960
Cenas de “O Ano Passado em Marienbad”, 1961
Cenas de “O Anjo Exterminador”, 1962
Cenas de “8 e ½”, 1963
Um novo diretor americano e radicado na Europa despontou, Joseph Losey. Com muito talento, Losey realizou o ousado “O Criado” em 1963. Ao contar a história de um refinado mordomo, Hugo (Dick Bogard), que vai tomando o poder dentro de uma casa aristocrática, o filme vira a sociedade inglesa pelo avesso. O diretor Losey empreende ao mesmo tempo uma radiografia da degradação da aristocracia inglesa e uma fábula moral sobre a dominação nas relações interpessoais. O filme aborda a luta de classes de maneira elegante e surpreende com longos planos em que nos tornamos personagens da história.
Em 1965, um jovem diretor polonês, Roman Polanski, encantou o mundo com o divertido “A Dança dos Vampiros”. A trama é ambientada na Transilvânia onde o Professor Abronsius (Jack MacGowran) e seu aprendiz Alfred (Roman Polański) estão à caça de vampiros. Quando a bela Sarah (Sharon Tate) é sequestrada, a dupla vai ao Castelo de um Conde para resgatá-la. Com um horror na dose certa, clichês destruídos e passagens hilariantes, o filme é delicioso e tem grandes momentos: um vampiro homossexual, um vampiro judeu sobre quem a cruz, tradicional aliada dos caça-vampiros, não faz nenhum efeito, e um baile de gala com centenas de vampiros.
O italiano Michelangelo Antonioni (leia mais na Categoria “Grandes Diretores” neste Blog) rodou, em 1966, sua maior obra prima chamada “Blow Up”. Acompanhando a trajetória de um fotógrafo de moda londrino, Thomas (David Hemmings), e seu envolvimento acidental num crime de morte, o filme passeia pela Swinging London, discute a realidade através das imagens, mostra os modismos passageiros, o erotismo, o real e o imaginário e as impossibilidades da vida. O corpo da vítima desaparece e a mulher das fotos tiradas do assassinato no Parque, Jane (Vanessa Redgrave), também desaparece, símbolos da impermanência das coisas.
Por fim, o cineasta russo Andrei Tarkovski despontou no cinema mundial com o cortejado “Andrei Rublev” em 1966. O filme é situado na Rússia medieval do século XV e vagamente baseado na vida do pintor de mesmo nome. Trata-se de um retrato realista de um contexto histórico. Os temas do filme incluem liberdade artística, religião, ambiguidade política, autodidatismo e produção artística sob um regime opressivo. O filme foi feito em oito episódios e conta a história do icônico artista que se silencia devido às batalhas brutais que ocorrem em seu país. Só volta a pintar quando reencontra a paz interior.
Pela ordem: “O Criado”, 1963, “A Dança dos Vampiros”, 1965, “Blow Up”, 1966, e “Andrei Rublev”, 1966
Cenas de “O Criado”, 1963
Cenas de “A Dança dos Vampiros”, 1965
Cenas de “Blow Up”, 1966
Cenas de “Andrei Rublev”, 1966
Diretores estrangeiros que despontaram nos anos 60. Pela ordem: Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Joseph Losey, Roman Polanski e Andrei Tarkovski
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