Gêneros do Cinema
O western americano: Entre a lenda e a história

O western americano: Entre a lenda e a história

As bases do gênero

O Western (ou faroeste, como é mais popularmente conhecido) faz parte do folclore americano, construindo uma mitologia que depende mais da fantasia do que da história. No filme representativo do gênero “O Homem que Matou o Facínora”, dirigido por John Ford em 1962, existe uma máxima dita por um personagem: ‘No Oeste, quando a realidade se converte em lenda, publicamos a lenda’

O gênero western no cinema é um ideário ficcional imaginado, mas contextualizado em premissas históricas, que tem como pano de fundo os fundamentos políticos, econômicos e sociais da colonização dos Estados Unidos da América e da sua consolidação como nação.

Estórias e histórias que desbravam o coração da América e sua luta pela sobrevivência e prosperidade. Mocinhos e bandidos, uma dicotomia muitas vezes aparente, dão o tom dessa epopéia humana na construção de um futuro promissor, mas permeado por um presente de dores e conflitos e de um passado esquecido.

A luta por terras, o trabalho dos colonos, a fundação e desenvolvimento de cidades, o poder das armas, a ganância por dinheiro, a relação beligerante com as comunidades indígenas, o papel da cavalaria, a força das mulheres, a importância da família, a justiça incipiente, o significado dos heróis, o bem e o mal, tudo isso faz parte do universo cinematográfico do Western e da formação cultural americana.

Uma imagem importante do faroeste americano: O vilão (à esquerda), o democrata (no meio) e o vaqueiro (à direita)

O surgimento do gênero e artistas pioneiros

O surgimento do gênero Western no cinema remonta ao primeiro filme americano “O Grande roubo do trem”, em 1903, dirigido por Edwin Porter. Nesse filme, alguns ícones do gênero foram lançados e nunca mais se perderam: os chapéus de cowboy, as pistolas, os cavalos, o saloon, a perseguição dos bandidos, a vida perigosa, a onipotência e crueldade dos malfeitores.

Diversos cineastas exploraram esse gênero na América. Merecem especial menção os seguintes diretores: John Ford, Howard Hawks, Anthony Mann, Fred Zinneman, Robert Aldrich, John Sturges, George Stevens, Sam Pekinpach e Clint Eastwood. Ao longo da década de 60, o gênero foi redefinido com a variante do Western spaghetti e novos nomes surgiram com propostas estéticas diferentes: Os três “S” Sérgio Corbucci, Sérgio Leone e Sérgio Molina.

Mestres do gênero e filmes marcantes

Apesar de ter alcançado um lugar especial no cinema já com filmes antigos de curta duração, foi com o lançamento de “No Tempo das Diligências”, em 1939, dirigido por John Ford, que o gênero Western se propagou, foi se popularizando e se transformou em uma marca registrada. John Ford foi um dos grandes mestres do gênero, provavelmente o maior.

John Ford dirigiu grandes filmes do gênero, com destaques para “Paixão dos Fortes”, “Rio Grande”, o super aclamado “Rastros de Ódio”, “Sangue de Heróis” e o brilhante e revigorante “O Homem que Matou o Facínora”. Ford é figura símbolo de toda a iconoclastia do Western. Além disso, foi um campeão do Oscar de melhor diretor.

O lendário mestre do faroeste John Ford

O cinema de Ford era muito caracterizado pelo pouco movimento de câmera, com planos fixos e longos, sua câmera se mantinha distante da ação, como se fora uma espectadora. Ford não se dava ao experimentalismo, optando por uma narrativa clássica que buscava a formatação do herói americano. Ford dirigia como se estivesse analisando seus personagens, e exatamente por isso, eles carregavam uma forte carga de sentimentalismos e de significados, mesmo os de pequenos papéis.

Nessa obra prima “No Tempo das Diligências”, que é citada em listas dos maiores filmes da história do cinema, John Ford dá um show de técnica e nos cativa profundamente com uma história que se passa numa perigosa viagem de diligência por territórios indígenas e reúne uma variedade de personagens totalmente diferenciados, um verdadeiro mosaico da condição humana.

Cartaz do filme “No Tempo das Diligências”, 1939

Cenas de “No Tempo das Diligências”, 1939

Também nesse filme, John Ford nos apresenta o cenário mais querido do cinema Western: O Monument Valley na fronteira do Arizona, onde muitos filmes foram rodados. Além disso, o ator John Wayne começou a fazer fama na figura do pistoleiro Ringo Kid e depois deslanchou sua carreira. John Wayne se tornaria o ícone máximo desse gênero de filmes, trabalhando em inúmeros deles e com outros diretores consagrados.

O Monument Valley, Arizona

Além de John Ford, outro grande diretor do gênero Western foi Howard Hawks. Nascido em Indiana, o cineasta norte-americano Howard Winchester Hawks  ficou conhecido pela sua versatilidade, realizando trabalhos que vão de comédias a dramas, westerns, filmes de gângster, e até épicos. Era um Diretor de muitas facetas, habilidoso e com uma técnica muito apurada.

O cineasta americano Howard Hawks e o cartaz do filme “Rio Vermelho”, 1948

Sua obra, contudo, não é tão reconhecida quanto a de outros diretores, como a do próprio John Ford, mas seu trabalho é admirado pelos cinéfilos e por estudiosos do cinema. Entre suas obras de destaque estão filmes como “Sargento York”, “O Caminho da Glória”, “Scarface”, “À Beira do Abismo” e “Os Homens Preferem as Loiras”.”

Mas a sua obra prima é sem dúvida o super clássico do Western Rio Vermelho, realizado em 1948. Nesse filme, Hawks trabalha com situações limites, tônica de toda sua obra cinematográfica. Nesse caso, um grande rebanho a transportar num percurso longo, por terras inóspitas, adversários hostis, tudo isso se junta a uma relação familiar tumultuada entre os personagens principais de John Wayne e Montgomery Clift (pai e filho), uma relação totalmente em frangalhos até o clímax do filme.

Cenas de “Rio Vermelho”, 1948

Rio vermelho de 1948

Howard Hawks realizou também outro grande filme de Western, o super admirado “Onde Começa o Inferno”, dirigindo com maestria numa nova trama de situação limite e de tirar o fôlego. Não muito reconhecido na América como deveria ser, Hawks sempre foi muito elogiado na Europa, especialmente pelos críticos franceses da respeitada revista Cahiers Du Cinema

Já o Diretor Fred Zinnemann, que não tinha o Western como sua especialidade, mesmo assim nos brindou com um grande clássico do gênero: “Matar ou Morrer”, de 1952, com o astro Gary Cooper. É um drama psicológico de um solitário Xerife que não consegue ajuda de ninguém da cidade para enfrentar um perigoso bandido e sua gangue.

O Diretor Fred Zinnemann

Cartaz de “Matar ou Morrer”, 1952

Cenas de “Matar ou Morrer”, 1954

Outro Diretor que ganhou fama com o Western foi o norte-americano Anthony Mann. Realizou alguns grandes filmes do gênero como “Winchester 73”, “E o Sangue Semeou a Terra”, “Um Certo Capitão Lockhart”, “O Preço de Um Homem”, todos os quatro filmes protagonizados pelo genial ator James Stewart. Rodou também outro clássico do gênero “O Homem do Oeste”, realizado em 1958.

Escolho “Winchester 73”, realizado em 1950, onde o grande ator James Stewart é a chave de ouro do filme, dando notável vida ao personagem que marcaria um novo parâmetro para o homem do oeste, atormentado por eventos de seu passado e em vias de conseguir sua almejada vingança. A espingarda Winchester do título é uma personagem especial, e se tornaria muito badalada em filmes desse gênero e também em filmes da máfia.

Imagem do filme “Winchester 73”, 1950

Um clássico do Western que foi muito badalado, tanto na América quanto na Europa, foi “Vera Cruz”, dirigido em 1954 por Robert Aldrich. O enredo, que tem Gary Cooper contracenando com Burt Lancaster, envolve dois aventureiros americanos numa trama para derrubar um imperador do México.

O cineasta Robert Aldrich e seu filme “Vera Cruz”, 1954

Cenas de “Vera Cruz”, 1954

Outro Diretor que também se enveredou no gênero Western foi John Sturges. Sturges, apesar de ter feito outros gêneros de filmes, ficou famoso por dois clássicos do Western: “Sem Lei e Sem Alma”, de 1957, com o saudoso Kirk Douglas, que explora o famoso e mitológico duelo no ‘Ok Curral’, e “Sete Homens e um Destino”, de 1960, considerado uma refilmagem na América do clássico filme do Diretor japonês Akira Kurosawa “Os Sete Samurais”, onde um grupo de guerreiros (no caso americano de pistoleiros) protege a população de uma cidade.

O Diretor John Sturges e o cartaz do filme “Sete Homens e Um Destino”, 1960

Cenas de “Sete Homens e Um Destino”, 1960

O mito do cowboy solitário

O mito do cowboy solitário foi criado pelo diretor americano George Stevens em 1953 com o lançamento do clássico filme “Shane”, de 1953, que no Brasil recebeu o título, motivo de muitos desagravos, de “Os Brutos Também Amam”. Foi um marco na linguagem do faroeste, pois criou um personagem principal de densidade psicológica e que pouco fala.

O ator Alan Ladd é Shane, um pistoleiro que não se sabe o passado, chega não se sabe de onde, nem tampouco o seu futuro, sai e não se sabe para onde, mas que está sempre no lugar certo e na hora certa para ajudar os indefesos. É um personagem que vive solitário em busca de paz interior num mundo violento e desumano.

O cineasta Gerorge Stevens e o cartaz do filme “Os Brutos Também Amam, 1953

Cenas de “Os Brutos Também Amam”, 1953

Os brutos também amam

Décadas depois, em 1985, o ator e diretor Clint Eastwood, que já havia encarnado um personagem misterioso, silencioso e sozinho em filmes de Sérgio Leone na década de 60, lançou o filme “O Cavaleiro Solitário”. Clint criou um personagem ainda mais enigmático, profundamente introspectivo, mas exímio com as armas, e justo e compassivo com os mais necessitados.

Nesse filme, Clint radicalizou ainda mais a figura do cowboy sem destino, um personagem complexo, de poucas palavras, aparentemente pacífico, mas pronto para ajudar os mais fracos. Assim como entra em cena de maneira repentina e indecifrável, sai de cena de maneira melancólica e decidida. Não há volta. Durante sua estada em qualquer lugar, se for o caso, ele enfrenta bandidos e quadrilhas de assassinos, mercenários e outros bandos que servem aos poderosos.

O Cavaleiro Solitário, 1985

Cenas de “O Cavaleiro Solitário”, 1985

Um épico do western: Abordagem completa do gênero 

O filme “A Conquista do Oeste” é o mais completo exemplar de toda a temática do western americano. Filmado em 1962 em cinerama (processo cinematográfico que cria “visão panorâmica” do que se passa na tela, fazendo com que o espectador se sinta participante das cenas), esse clássico narra a saga dos colonizadores do Oeste a partir de três gerações da família Prescott durante o século XIX.

É considerado um épico, ou seja, uma grande produção com uma grande narrativa de um povo perpetrada por acontecimentos da própria história americana e protagonizada por bravos heróis, gente batalhadora e sonhadora.

Esse grandioso filme aborda as caravanas de famílias sonhadoras que percorrem longos  caminhos para se fixar em terras de gado e cultivo, homens das montanhas e caçadores de pele que sobrevivem de forma itinerante, as relações com tribos indígenas, a força dos rios, muitas vezes perigosos, que passam e que nutrem campos e cidades, os esforços da guerra civil que divide o país, o dia a dia da prosperidade de cidades, a construção de ferrovias  necessárias para o progresso, a alegria das festas coletivas e casamentos, a força das mulheres na luta diária pela sobrevivência, enfim, sonhos e esperanças de um futuro promissor, mas baseado em um presente de muito trabalho e conflitos

Narrado pelo emblemático ator hollywoodiano Spencer Tracy, “Conquista do Oeste” foi dirigido por três diretores em forma de episódios que se entrelaçam na história: Henry Hathaway, George Marshal e  John Ford. O filme reuniu um elenco formidável, onde se destacam os atores Henry Fonda, Gregory Peck,  Richard Widmark, James Stewart e John Wayne, além da atriz Debbie Reynolds. 

“A Conquista do Oeste” é um filme completo, trata das principais questões que envolvem a colonização do Oeste e seus pioneiros que forjaram as terras selvagens com suor, obstinação e forte crença em um futuro melhor. Muitas aventuras que serão para sempre guardadas no memorial de uma nação. Enfim, o filme resume o gênero western de maneira realista,   profunda, e cheia de dramas vitais de gerações de americanos.

Cartaz do filme “A Conquista do Oeste”, 1962

Cenas de “A Conquista do Oeste”, 1962

Mais três filmes importantes do gênero

Em 1969 o diretor George Roy Hill rodou “Butch Cassidy e Sundance Kid”. Foi uma inovação e uma brilhante volta aos filmes de faroeste. O tema nos remete ao fim dos bandidos, pois abordou as peripécias de dois pistoleiros fugindo de agentes especiais, numa espécie de transição do velho oeste para um mundo moderno. Não há mais lugar para bandidos assaltantes de trens e de bancos.

Na fuga, durante a caçada, os dois pistoleiros vão parar na América do Sul. Tentam mudar de vida, mas não sabem fazer nada além de assaltos, não se adaptam à modernidade. Seus métodos antigos de ganhar a vida através de roubos infringem as regras estabelecidas de qualquer lugar e são finalmente mortos pelo exército local. Foi-se uma época.

O filme juntou dois grandes astros do cinema: Paul Newman e Robert Redford, numa sintonia perfeita, protagonizando personagens fadados a desaparecer.

O Diretor George Roy Hill e o cartaz do filme “Buch Cassidy e Sundance Kidd”, 1969

Cenas de “Buch Cassidy e Sundance Kid”, 1969

Butch Cassidy e Sundance Kid, 1969

Em 1970, o diretor Arthur Penn realizou o excelente clássico “O Pequeno Grande Homem”, com Dustin Hoffman e Faye Dunaway.  O filme é rebelde e é narrado pelo personagem principal, Jack Crab, já centenário. Essa obra de Arthur Penn explora as peripécias, aventuras e desventuras, mudanças de personalidade e papéis da figura de Jack Crab no velho oeste americano, onde ele passou por tudo: colonizador, pistoleiro, soldado e até índio.

O mais importante do filme é que ele desmascara a triunfante cavalaria americana, exaltada em outros filmes do gênero, e expõe as mazelas desencadeadas pelo governo americano contra os índios na época. Ou seja, mostra uma realidade de atrocidades ocorridas no oeste americano contra os nativos. É um novo e humanista retrato de quem perdeu a guerra da colonização das terras do oeste. E não se pode esquecer que o filme foi feito numa década de protestos contra a guerra do Vietnã. Um filme imperdível.

O Diretor Arthur Penn e o filme “O Pequeno Grande Homem”, 1970

Cenas de “O Pequeno Grande Homem”, 1970

Clint Eastwood, representante de uma grande fase do faroeste na década de 60, resgatou o faroeste clássico com o seu grandioso “Os Imperdoáveis”, de 1992, quando, então, venceu o Oscar de melhor filme e direção.

Trata-se de um exemplar autêntico da temática de um homem com um passado sombrio de pistoleiro, alcoólatra, que conseguiu se tornar um homem de família, trabalhando para o sustento, mas que retorna à ativa para vingar mulheres maltratadas por um impiedoso Xerife. O filme conta com atuações sensacionais de Gene Hackman, Morgan Freeman e Richard Harris, além do próprio Clint.

O Diretor Clint Eastwood e o seu clássico faroeste “Os Imperdoáveis”, 1992

Cenas de “Os Imperdoáveis”, 1992

Um mestre da violência

Vamos abordar a contribuição ao gênero Western do Diretor americano Sam Peckinpah e sua violência escancarada. Sam Peckinpah desenvolveu sua obra a partir do início dos anos setenta, época em que mestres do western, como John Ford e Howard Haws, estavam se aposentando do gênero. Por outro lado, a variante dos filmes spaguetti já tinha feito muito sucesso nos anos 60, principalmente com Sérgio Leone e Sérgio Corbucci.

Pekinpach aproveitou a influência do western clássico, principalmente o conceito dos heróis, e levou ao extremo, mostrando, não seus feitos contra os poderosos, mas sua degradação, sua decadência. Ao contrário dos filmes clássicos de John Ford, no cinema de Pekinpach o mundo está deserdado de seus mitos redentores, os homens se deparam com uma crise histórico-social em processo e a formatação da sociedade capitalista sob a liderança de ricos fazendeiros, industriais em ascensão, militares ditadores e uma justiça para poucos.

Pekinpach foi chamado de “o poeta da violência”, pois seus filmes eram carregados de morte e sangue, em cenas muitas vezes usando a técnica da câmera lenta para torná-las visualmente mais explosivas. Por essa forte característica da violência estilizada, Peckinpach teve muitos problemas com os produtores de seus filmes que geralmente os modificavam para reduzir a violência explícita e organizar uma certa veia caótica dos personagens e das situações radicais.

Seu filme mais badalado é “Meu Ódio Será Tua Herança”, de 1969. Aqui, o contexto é o fim do velho oeste e da era do cowboy, da luta contra militares mexicanos e seus exércitos, e da formação das grandes fortunas, numa acumulação inicial de capital perpetrada pelos famosos “Barões ladrões”. Nessa acumulação, os indivíduos que não souberam acompanhá-la caem para as margens e se tornam reféns de um poder político e militar capitaneado por uma nova tecnologia de guerra, como as metralhadoras. Nesse filme, um general mexicano aparece com um carro vermelho ao invés de um cavalo.

O diretor americano Sam Pekinpach

Cartaz do filme “Meu Ódio Será Tua Herança”, 1969

Cenas do filme “Meu Ódio Será Tua Herança”, 1969

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