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O western spaghetti: A variante italiana do gênero

O western spaghetti: A variante italiana do gênero

Conceituação e principais nomes

O chamado Western Spaghetti é uma denominação, que em algum momento chegou a ser depreciativa por desentendidos do assunto, dos filmes de faroeste realizados na Itália e também com locações na Espanha. O Diretor Sérgio Leone foi o principal responsável por esse surto, além de Sérgio Corbucci e Sérgio Sollima, os chamados “3 S”. Atores como Clint Eastwood, Lee Van Cleef, Eli Wallach, Franco Nero e Gian Maria Volonté se notabilizaram nesse gênero.

É uma variante do gênero faroeste mais psicológica, com personagens mais dramáticos e vingativos, relações interpessoais extremamente difíceis, no geral todos são solitários, e há muito interesse por dinheiro, tramas de “passar a perna nos outros” e corrupção. Foi uma espécie de redefinição do gênero Western após o domínio e o grande sucesso dos faroestes americanos.

Leone foi muito influenciado pelo diretor japonês Akira Kurosawa na composição dos personagens e no uso intenso de close-ups, e também por John Ford no uso de cenários clássicos como o Monument Valley no Arizona.

Em 1969, Leone rodou sua obra prima “Era Uma Vez no Oeste” com Henry Fonda, Charles Bronson, Jason Robards e Claudia Cardinale. No final deste artigo comentaremos mais a respeito desse grande filme.

O diretor Sérgio Leone, ícone do western spaguetti

Características do estilo

Algumas características devem ser consideradas para distinguir os filmes spaghettis dos faroestes americanos. São as seguintes: o nível de violência é normalmente muito maior; os efeitos sonoros, como sons de armas e cavalos, são diferentes e mais estridentes; a utilização de imagens e símbolos religiosos (geralmente católicos) são comuns; e os lugares são mais empoeirados e abandonados. Os contextos históricos dos filmes são geralmente ligados à guerra civil americana e aos conflitos com mexicanos.

Outras características são marcantes e muito importantes para se fazer distinção: os tiroteios e a morte de vários personagens, por autoria do herói que faz justiça pelas próprias mãos; o uso radical dos close-ups para criar tensão, a presença constante do duelo, frequentemente no clímax do filme; e há mais ação, com poucos diálogos e a música funciona como um elemento da narrativa. Os filmes são também de baixo orçamento.

Filmes representativos do gênero

A chamada Trilogia dos Dólares, composta por três filmes dirigidos por Sérgio Leone, é considerada o ápice dessa variante denominada spaguetti. São eles: “Por Um Punhado de Dólares”, 1964; “Por Uns Dólares a Mais”, 1965; e “Três Homens em Conflito”, 1966. Nesses filmes, Leone deu fama ao ator Clint Eastwood, que foi estigmatizado como uma espécie de anti-herói frio, misterioso, calculista e silencioso.

Por Um Punhado de Dólares, 1964

Por Uns Dólares a Mais, 1965

Três Homens em Conflito, 1966

Cenas do filme “Três Homens em Conflito”, 1966

Outro grande representante do gênero spaguetti é Sérgio Corbucci. Paralelamente a Sérgio Leone, Corbucci fez história com seus filmes recheados de tiroteios, perseguições implacáveis e assassinos sanguinários. Filmes cheios de conflitos e com belíssima fotografia, onde se sobressai uma tonalidade escura, suja e pueril.

Seus principais filmes se passam na fronteira com o México e são impregnados de confrontos por dinheiro, vingança, terras e cidades sem lei. Seu filme “Django”, de 1966, é o mais conhecido e assistido. Esse filme consagrou o ator Franco Nero e seu personagem, que se popularizou na história e foi imitado

Esse filme apresenta o pistoleiro Django que arrasta um caixão contendo uma poderosa metralhadora, chega à fronteira do México para lutar até a morte contra duas quadrilhas rivais e assim punir os responsáveis pela morte da sua mulher.

Sérgio Corbucci, que também era roteirista, realizou quatro outros grandes clássicos do gênero spaguetti: “Joe, o pistoleiro implacável”, onde Corbucci expõe sua preocupação social com a temática indígena, colocando um índio navajo como um herói; “Os Violentos vão para o inferno”, onde é abordada a revolução mexicana; “Os Cruéis”, um reavivamento da guerra civil americana; e “O Vingador Silencioso”.

O diretor Sergio Corbucci

“O Vingador Silencioso” é considerado por muitos como o melhor filme de Corbucci, que trata da história de um solitário e misterioso homem que anda sem rumo em meio às pradarias sem lei do Oeste e é castigado por uma imensidão de neve, paisagem rara nos filmes do gênero. Conta no elenco com atores estrangeiros famosos como Klaus Kinski e Jean-Louis Trintignant.

Cartaz do filme “Django”, 1966, e de “O Vingador Silencioso”, 1968

Cenas do filme “Django”, 1966

Um terceiro importante representante desse tipo de western redefinido foi Sérgio Sollima. Sollima, também italiano, e, como muitos diretores cult desse país, começou sua carreira dirigindo filmes do subgênero “capa e espada”, famosos na década de 1960. Quando estes perderam a popularidade, Sollima decidiu por fazer western spaghetti.

O primeiro foi  “O Dia da Desforra”, de 1966, estrelando Lee Van Cleef e Tomas Milian, lançado em 1966, fez enorme sucesso, embora tenha clara referência a filmes de Sergio Leone (Três Homens em Conflito) e de Sergio Corbucci (Django).

Logo, Sollima dirigiu mais outros dois spaguettis: “Face to Face”, com Gian Maria Volontè e Thomas Millian, lançado em 1967, e “Run, Man, Run!”, de 1968, também com Thomas Milian. Apesar de ter tido sucesso e mostrado qualidade em seus filmes, Sollima nunca conseguiu chegar ao nível de popularidade dos filmes de Leone e Corbucci.

O diretor Sérgio Sollima

Cartaz do filme “O Dia da Desforra”, 1966

Cenas do filme “Run, Man, Run”, 1968

A importância da trilha sonora e do maestro Ennio Morricone

No western spaguetti a trilha sonora é fundamental em toda a narrativa, chegando mesmo a ser um personagem complementar na trama. O maestro italiano Ennio Morricone foi o maior exemplar nesse gênero com músicas inesquecíveis para diversos filmes, com especial atenção para a Trilogia dos Dólares de Sergio Leone.

O diretor Sérgio Leone tinha um método especial para fazer seus filmes. Antes de começar a rodar, Leone contratava a trilha sonora de Ennio Morricone. Só então, já tocando a música no set de filmagem, ele dava início à produção.

O maestro Ennio Morricone

Música do filme “Três Homens em Conflito” de Ennio Morricone

A obra prima desse gênero: Poeira, silêncio, tempos longos e mortos, uma ópera do faroeste

Em 1969, Sérgio Leone rodou a obra prima dessa variante do gênero: “Era Uma Vez no Oeste”. Com atuações primorosas em um elenco que traz Henry Fonda, Charles Bronson, Jason Robards e Claudia Cardinale, o filme é uma ópera do faroeste, profundamente psicológico e regado a cenas memoráveis de silêncio, close ups, sentimentos expressos em rostos carregados de vazio e tensão, movimentos lentos, o tempo que parece um barril de pólvora e com mais uma inesquecível trilha sonora do maestro italiano Ennio Morricone.

Além do maestro, Leone se utiliza dramaticamente do som de uma gaita, tocada em momentos preciosos pelo pistoleiro vingador, o personagem vivido pelo ator Charles Bronson.

“Era Uma Vez no Oeste” é a história de uma vingança de infância, aguardada silenciosamente por muito tempo. Henry Fonda faz o papel de bandido, algo de que ele não acreditava que fosse possível devido a seus olhos azuis, mas que se rendeu ao assistir às primeiras tomadas de seu rosto em close-up, com um brilho amarelado e feição de gente mal. Ao mesmo tempo, o filme aborda o progresso inevitável, que vai relegar bandidos e mocinhos a segundo plano, a partir do surgimento da ferrovia.

Henry Fonda, o bandido de olhos azuis

Não resta dúvida de que “Era uma Vez no Oeste” é o melhor filme do diretor Sérgio Leoni e provavelmente o melhor do western spaguetti. Seus personagens expressam solidão, complexidade e todos aparentam estarem deserdados do mundo.

O filme possui duas cenas das mais memoráveis da história do faroeste. Uma no início, que é um primor de representação do silêncio, bem demorada, onde se ouve até o barulho de uma mosca, e finalizada com um duelo de tirar o fôlego.

E a outra no final, o chamado duelo da vingança, tema principal do filme, onde só se sente melancolia e o tempo que se esvai lentamente como a morte. E no desenrolar do filme ainda temos a satisfação de se apaixonar pela paisagem do famoso Monument Valley, na fronteira do Estado do Arizona.

Era Uma Vez no Oeste, 1969

Cenas do filme “Era Uma Vez no Oeste”, 1969

Influências modernas do western spaguetti

Dois diretores modernos, Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, retomaram a temática do western spaguetti, cada um com a sua própria maneira estilizada, suas particularidades, suas pegadas diferenciadas, mas mantendo as características básicas do gênero. Eles expuseram com muito talento suas influências e renderam homenagens aos seus mestres Leone e Corbucci.

Tarantino rodou “Django Livre”, em 2012, contextualizando a temática para a escravidão no período pré-guerra civil americana. Contou com grandes atores como Leonardo Di Caprio, Jamie Fox e Christoph Waltz e reacendeu os ícones da violência escancarada, da prepotência dos poderosos e da vingança, assuntos recorrentes nos filmes do western spaguetti. O filme contou uma pequena atuação do ator Franco Nero, que protagonizou o primeiro filme “Django”, em 1966.

Depois, Tarantino repetiu a dose com o filme “Os 8 Odiados”, um ótimo e complexo faroeste, e contratou e homenageou o maestro Ennio Morricone, ícone dos clássicos do gênero, para compor a trilha sonora. Com essa trilha, Morricone ganhou seu único Oscar.

Tarantino sofreu também influência do diretor de faroeste americano Sam Peckinpach na exploração das cenas de violência estilizadas, muito sangue e confrontos mortais radicais. Outras influências de sua filmografia são os antigos filmes de lutas marciais que se manifestaram, por exemplo, nos filmes “Kill Bill 1” e “Kill Bill 2”.

O Diretor Quentin Tarantino

Django Livre, 2012

Cenas de “Django Livre”, 2012

Por sua vez, o diretor Robert Rodriguez realizou o filme “Era uma Vez no México”, em 2003. Filme brilhante e aparentemente caótico, ele possui ótimas dramatizações ao estilo teatral. Nele, Rodriguez moderniza e radicaliza ainda mais as referências a sangue, tiroteios, conflitos, traições e corrupção.

O figurino também é fantástico, com ênfase no personagem do policial corrupto do ator Johnny Depp, que fica perdido teatralmente com o sangue escorrido de sua cegueira adquirida por tortura.

O personagem El Mariachi, um justiceiro já abordado em outros filmes de Rodriguez, é contratado para combater um cartel de drogas que visa derrubar o Presidente do México. O filme reuniu grandes atores como Antonio Banderas, Johnny Depp, com espetacular atuação, e Selma Hayek.

O Diretor Robert Rodriguez

Era Uma Vez no México, 2003

Cenas de “Era Uma Vez no México”, 2003

Uma menção especial a Giuliano Gemma e Terence Hill

O italiano Giuliano Gemma trabalhou como dublê, mas o diretor Duccio Tessari ofereceu a ele um papel no filme Arrivano i titani, em 1962. A partir de então, construiu extensa filmografia.

Gemma posteriormente tornou-se um ator de filmes western spaghetti, alcançando grande sucesso como herói de filmes como Una pistola per RingoO Dólar Furado (talvez seu maior sucesso) e I giorni dell’ira. Quando atuava nos filmes ainda era atleta, e chamava a atenção pela sua elasticidade nas cenas. Para atuar em filmes dos EUA teve que adotar o codinome Montgomery Wood.

Giuliano Gemma também trabalhou na televisão italiana e como escultor.

O ator Giuliano Gemma e cartaz do Filme “O Dólar Furado”, 1965

Cenas de “O Dólar Furado”, 1965

O também italiano Terrence Hill estrelou muitos filmes de ação e comédia, muitos deles em dupla com o amigo e parceiro de longa data Bud Spencer. Durante o auge de sua popularidade, Hill estava entre os atores mais bem pagos da Itália. Hill criou o personagem Trinity, um pistoleiro malandro, cômico e muito rápido no gatilho.

Os filmes mais vistos de Hill incluem westerns cômicos e padronizados all’Italiana (“faroeste de estilo italiano”, coloquialmente chamados “spaghetti westerns”), alguns baseados em romances populares do autor alemão Karl May sobre a fronteira americana. Terrence Hill também teve uma carreira de sucesso na televisão italiana. Seu filme mais popular é “Trinity é Meu Nome”, de 1970.

O ator Terence Hill e cartaz do filme “Trinity é Meu Nome”, 1970

Cenas de “Trinity é Meu Nome”, 1970

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