Análise de Filmes
Filme “Dersu Uzala” de Akira Kurosawa, 1975

Filme “Dersu Uzala” de Akira Kurosawa, 1975

Filme: Dersu Uzala, 1975

Direção: Akira Kurosawa

Produção: Yoishi Matsue, Nicolai Sizov

Roteiro: Yuri Nagibin, Akira Kurosawa

Elenco: Maksim Munzuk, Yuri Solomin

Música: Isaak Shvarts

Fotografia: Fyodor Dobronravov

Cenografia: Yuri Raksha

Um filme sobre amizade, solidariedade, harmonia com a natureza e humanismo

Um filme belo e apaixonante! Assistam!

Reconhecimento internacional, depressão e retomada grandiosa

O diretor japonês Akira Kurosawa foi o maior responsável pelo reconhecimento internacional do cinema japonês, e, nessa onda, também do cinema asiático e oriental como um todo. Na verdade, ele impulsionou o cinema fora do circuito americano e europeu quando, em 1951, seu filme “Rashomon”, venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza e um Oscar honorário. Entretanto, depois de uma carreira valorizada mundo afora, com filmes cultuados e imitados no Ocidente, Kurosawa sofreu um fracasso comercial e de crítica com o seu filme, que entendemos ser poético, doloroso e genial, intitulado “Dodeskaden”, de 1970.

Diante disso, em 1971, Kurosawa tentou suicídio durante um período ruim de sua carreira, questionando sua capacidade criativa e devida também à subseqüente negação de financiamentos para suas produções por estúdios japoneses. Para sorte e empolgação do cinema mundial, Kurosawa foi convidado por uma produtora soviética para adaptar para o cinema o livro de memórias do explorador russo Vladimir Arsenyev, sobre suas viagens com o caçador Dersu Uzala. Assim se deu a retomada criativa de Kurosawa e surgiu a obra prima “Dersu Uzala”, um filme puro, comovente e revigorante.

O diretor Akira Kurosawa e alguns de seus filmes

Navegando por dentro de “Dersu Uzala” e o valor da vida

O enredo e uma bela amizade

O filme “Dersu Uzala” conta a história do capitão do exército russo, Vladimir Arsenyev (Yuri Solomin), e sua tropa de soldados militares, que realizam expedições topográficas de exploração de uma região siberiana no Extremo Oriente russo no início do século XX, em 1902. Rodado quase inteiramente em locações naturais de matas e estepes, o filme explora, paralelamente, o tema de um nativo solitário das florestas, o caçador nômade Dersu (Maksim Munzuk), que está totalmente integrado ao seu ambiente, em harmonia com a natureza, levando um estilo de vida que será inevitavelmente destruído pelo avanço da civilização. O filme tem três partes: o início da amizade, o reencontro anos depois e a vida na cidade.

Ao se encontrarem, o capitão e o caçador, o filme retrata de forma extremamente comovente uma profunda relação de amizade entre dois homens de origens diferentes. Dersu será o guia da expedição através de uma dura fronteira e daí para frente temos imagens imponentes da natureza, de pura beleza, e situações de grandes emoções. Dersu é um exemplo de humildade e sabedoria, perdeu mulher e filhos para a varíola e vive nas estepes.

O filme mostra de maneira poética e sensível as diferenças culturais entre ele e o pesquisador russo, diferenças que não impedem que tenham respeito e admiração um pelo outro. A partir dessa fecunda, porém improvável relação, um, representando a dita civilização, o outro, representando a vida natural e selvagem, o filme nos carrega com seu radioso e inebriante humanismo.

O caçador Dersu Uzala e o explorador Arsenyev, uma bela e fecunda amizade

A jornada de desafios

Inicialmente visto como um velho excêntrico e sem instrução, Dersu, chamado de pequeno homem, conquista o respeito dos soldados por meio de sua grande experiência, instintos precisos, aguçados poderes de observação e profunda compaixão. Tamanha é a sua solidariedade, ele conserta uma cabana abandonada e deixa provisões em um contêiner de bétula para que um futuro viajante sobreviva no deserto. Ele deduz as identidades e situações das pessoas analisando rastros e artigos deixados para trás. A jornada de exploração segue com sabedoria, comoção e respeito à natureza.

E os desafios são enormes. Quanto a isso, o filme nos brinda com cenas inesquecíveis. Numa delas, Dersu e o explorador russo se encontram em local aberto, numa estepe e em um lago congelado, quando uma nevasca os atinge. No frio siberiano (que pode atingir até 60º negativos), o russo se abate, quase que como entregue à morte certa. Dersu o convence a recolher os arbustos da estepe para fazer um abrigo de palha e sobreviver ao congelamento. Uma cena digna das melhores do cinema com relação ao embate entre natureza e sobrevivência.

A expedição segue se aprofundando no coração da floresta e lutando para sobreviver às intempéries da natureza, encontra amparo com moradores nativos hospitaleiros, fornecendo aos homens a comida e o calor de que tanto necessitavam. Após uma longa jornada, a expedição se separa de Dersu e volta à cidade e a uma vida urbana. Dersu segue seu caminho, seu lugar é na floresta e no deserto. Apesar de não ser instruído pela chamada civilização, Dersu tem uma enorme sensibilidade, não julga ninguém e se nutre de relações amorosas.

Desbravando a natureza e sobrevivendo junto com ela

O reencontro dos amigos e o peso da velhice

Na segunda parte do filme, cinco anos depois, em 1907, Arsenyev retorna à sua expedição. Ele tem mapeado cadeias de montanhas e faz cartografia de áreas geográficas, mas o que ele deseja com esperança é reencontrar seu velho amigo Dersu. Procurando na floresta, ocorre o tão sonhado reencontro em cenas de extrema sensibilidade e alegria. Uma das melhores cenas do filme. Dersu volta ao acampamento e assume novamente o cargo de guia de expedição. 

Em outra cena admirável e inesquecível, a expedição se envolve em um perigoso cruzamento rio abaixo. Dersu salva novamente a vida de seu amigo Arsenyev, arriscando sua própria vida, com coragem e solidariedade. O explorador Arsenyev fica encantado com a figura de Dersu e isso ficará para sempre em suas melhores lembranças. A empatia de Dersu conquista também o coração dos soldados do acampamento e sua presença, de pequena estatura e jeito maluco, será absorvida com contentamento.

A amizade na alegria e na dificuldade

O filme não se cansa de nos oferecer uma gama de cenas memoráveis. Em mais uma delas, o grupo da expedição está sendo perseguido por um tigre siberiano na floresta. Dersu tem suas surpestições culturais, o tigre é Kanga, um espírito da floresta que seu povo adora. Perturbado, tenta matá-lo e nota que sua visão e sua destreza estão enfraquecendo devido à idade, à crueldade do tempo. Sem os atributos imprescindíveis para um caçador, Dersu não pode mais viver sozinho na floresta.

O perigo de uma visão falha

O pesadelo da civilização

Na terceira parte do filme, Dersu aceita o convite de seu amigo Capitão e vai para a cidade. No entanto, lá descobre que não tem como se adaptar às regras, leis e costumes da civilização que o impedem de portar armas, praticar tiros, cortar lenha ou construir uma cabana. Seu espírito livre é totalmente podado e a tristeza o abate. Apesar de seu amor por Arsenyev e sua família, Dersu decide voltar a viver nas montanhas e morrer em seu habitat, agora com um novo rifle.

Algum tempo depois, Arsenyev recebe um telegrama informando-o de que o corpo de um caçador foi encontrado, sem nenhuma identificação nele. Arsenyev descobre que é Dersu. O oficial que encontrou Dersu especula que alguém pode ter matado Dersu para obter o novo rifle que Arsenyev lhe deu. Enquanto os coveiros terminam seu trabalho, Arsenyev encontra a bengala de Dersu nas proximidades e a planta no chão ao lado da sepultura.

Na cidade, Dersu não se adapta e morre atacado e roubado

A força do filme e de seu diretor

“Dersu Uzala” ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1976 e o Prêmio de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Moscou. É um belíssimo filme, recheado de paisagens estonteantes, linda fotografia, personagens ricos em humanismo, com uma linda história de amizade, fraternidade, igualdade e solidão. E também um tema para reflexão, para pensarmos que podemos viver com pouco e com gratidão e amor pela vida. E que a natureza e as relações humanas devem ser tratadas com harmonia e compaixão. Um filme apaixonante!

O diretor japonês Akira Kurosawa reencontrou o poder de sua arte com esse filme. Já tinha realizado grandes obras como “O Idiota”, “Os Sete Samurais”, “Yojimbo”, “Ralé”, “Viver”, “Trono Manchado de Sangue”, dentre outros. Continuou sua brilhante carreira e ainda faria mais três obras primas: “Kagemusha, a Sombra do Samurai”, em 1980, “Ran”, em 1985, e “Sonhos”, de 1990, este último financiado pelas estrelas de Hollywood e apaixonados pelo seu cinema: George Lucas, Steven Spielberg e Francis Ford Copolla.

O diretor Akira Kurosawa filmando “Dersu Uzala”

Cenas de Dersu Uzala

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