Análise de Filmes
Filme “Encurralado” de Steven Spielberg, 1971

Filme “Encurralado” de Steven Spielberg, 1971

Créditos do Filme

Filme: Encurralado, 1971

Direção: Steven Spielberg

Produção: George Eckstein

Roteiro: Richard Matheson

Montagem: Frank Morris

Cinematografia: Jack A. Marta

Música: Billy Goldenberg

Elenco: Dennis Weaver, Amy Douglass, Jacqueline Scott, Lucille Benson, Lou Frizzell

Uma metáfora sobre o mal, combinando realismo, suspense e terror sobre rodas

Informações gerais

“Encurralado” (em inglês “Duel”) é um premiado filme americano, dirigido por Steven Spielberg. Originalmente feito para a televisão, o filme foi surpreendentemente produzido em somente 13 dias, com baixo orçamento e se tornou um filme cult. Inspirado em fatos reais, o longa se passa em estradas quase desertas na Califórnia, retratando um duelo anônimo entre um caminhoneiro que aparenta ser totalmente inconsequente pela vida humana e um pacato vendedor de eletrônicos.

A obra combina realismo fantástico, história em tempo real, suspense e terror. “Encurralado” é um incrível road movie que lançou o jovem e novato diretor Steven Spielberg ao mercado cinematográfico. Com suas técnicas inovadoras e tendo como protagonista uma máquina mortífera, Spielberg cria uma perseguição imponderável e mantém uma permanente angústia nos espectadores durante todo o filme.

A narrativa aplica elementos que fazem com que o motorista do caminhão, apesar de ser o algoz de toda a desesperada situação, não passe de um simples figurante – o próprio caminhão Peterbilt 281 torna-se o “monstro” em discussão no filme, não como veículo, mas o que ele representa, nesta inquietante abordagem. Para reforçar sua intenção, Spielberg fez questão que o rosto do condutor do caminhão não aparecesse em momento algum durante todo o filme.

O Diretor Steven Spielberg, o ator Dennis Weaver e o “monstro” do filme

O enredo do filme

David Mann (Dennis Weaver) é um pacato homem de negócios que sai de casa para mais um dia normal de trabalho. Dirigindo seu carro por estradas secundárias da Califórnia, ele começa a ser perseguido por um caminhão gigantesco, dirigido por um homem não identificado, que parece querer brincar com ele perigosamente na estrada.

No decorrer do trajeto, David começa a perceber que a perseguição não se trata de uma mera brincadeira. A medida em que as provocações do misterioso caminhoneiro atingem níveis mortais, David procura desesperadamente despistar o seu torturador, que parece não ter nenhum compromisso naquele dia a não ser matá-lo.

Uma reflexão sobre o filme

O filme “Encurralado” é uma metáfora sobre o mal a um limite letal. A perseguição implacável de um desconhecido motorista de caminhão a um cidadão comum por estradas desertas se revela imponderável, inexplicável e imparável. Adotando o anonimato do motorista e a simplicidade do personagem perseguido, a história caminha freneticamente para uma luta entre o bem e o mal, entre a monstruosidade do primeiro e a pureza do segundo, ou entre perversidade e inocência.

O filme é tecnicamente brilhante, filmado em tempo real, construindo passo a passo, sem pressa, uma atmosfera de tensão que vai acelerando na medida certa, não nos dando outra alternativa que não seja seguir em frente, numa crescente expectativa. Ainda que o espectador saiba que algo de ruim pode acontecer, o filme conduz nossas emoções da maneira dele, não nos deixa precipitados, mas nos preenche pouco a pouco com um sentimento de ansiedade, depois de sofrimento e de que o mal está na espreita ou que o diabo está a solta.

Um pacato cidadão e o mal à espreita

O filme é incrivelmente envolvente, utiliza-se de câmeras nos mais inusitados locais, como retrovisor, dentro do carro de passeio, dentro do caminhão, nos pneus, nas pistas, nas paisagens desérticas, em panorâmicas de helicóptero, nas reações dramáticas do rosto do assombrado cidadão perseguido, na ausência do rosto do perseguidor e, muito importante, enfatiza a diferença brutal entre o gigante e implacável caminhão desenfreado com o pequeno carro de passeio em estado de incredulidade e medo. Nos faz lembrar da famosa história bíblica do combate entre o enorme guerreiro Golias e o franzino e minúsculo pastor Davi.

No início, o caminhão parece querer brincar nas pistas. O cidadão do carro de passeio não liga para seus primeiros movimentos, mas algo vai mudando e se transformando gradativamente numa perseguição de gato e rato. De pequenos sustos, a coisa avança para grandes sustos. De tensão, passa para medo. De medo, para temor. De temor, para terror. De uma dança nas pistas para uma luta pela vida. De um motorista misterioso numa máquina rodoviária de carga para um predador mortal.

A descoberta do mal: Da angústia inicial para um medo sem explicação

Abordando a existência do mal como se fosse uma força autônoma, o filme não dá explicação sobre como ele surge e porque ele surge. À primeira vista, o motorista do caminhão se irrita com uma ultrapassagem do motorista do carro de passeio. Mas isso é pouco para entender sua reação mortífera. Entretanto, o mal no filme tem um desenvolvimento. Ele se espreita, se move, provoca, angustia, insiste e vai até o fim. É possível enfrentá-lo frente a frente?

Em duas cenas geniais e tenebrosas, vemos o “mal ao lado do bem” quando os dois carros se encontram num posto de gasolina. Aqui poderia haver uma pergunta do motorista de caminhão: “Você está preparado para morrer?”. Em outra cena, o mal assombra tentando empurrar o carro de passeio para um trem que está chegando. Aqui outra pergunta poderia ser feita: “Você tem forças para resistir?”.

O encontro anônimo e a morte ao alcance

Seguindo a narrativa, ao ficar claro que o objetivo do caminhão (ele se torna o protagonista já que o motorista não é identificado) é matar, o filme se torna aterrorizante, com uma tensão insuportável. Não conseguindo saber quem é o predador e nem a quem recorrer, o motorista do carro de passeio tem duas opções: matar ou morrer.

Aqui há uma clara alusão ao homicídio em defesa própria. Tendo em vista que muitas vezes o mal não tem uma explicação racional para que se possa evitá-lo ou para que se possa saná-lo, não resta alternativa que não seja empunhar uma espada e ir para o combate. No caso do filme, é preciso uma estratégia para eliminar o caminhão literalmente nas condições concretas, ou seja, em estradas com curvas e desfiladeiros.

O desespero pela possibilidade da morte, que vem com fumaça escura

Comentários finais

É possível enfrentar o mal se formos determinados e mais competentes do que ele. No filme, isso é claro, mas depois de muito sofrimento. Entretanto, a interrogação sobre porque existe o mal e seus derivados da dor, infelicidade, desespero e morte, permanece na existência humana. Além disso, ele é muitas vezes poderoso e consegue atingir pessoas de bem. Religiões, psicanálise e a própria ciência buscam respostas, sendo que os desejos, disfunções mentais, a desobediência e o pecado são algumas causas possíveis.

O que continua inalterado é a liberdade humana de fazer o bem e o mal. E a permissão existencial de fazer o mal é um grande mistério. O filme “Encurralado” personificou o mal através de um gigantesco caminhão de carga, gerando um espetáculo visual assustador. Mas, um caminhão é um mero caminhão, apenas uma máquina a serviço de alguma tarefa. A questão é que quem dirige o caminhão é um ser humano, com graves inclinações para o mal.

Cenas de “Encurralado”, 1971

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