Clássicos do Cinema
“Sindicato de Ladrões”: Neorrealismo americano, classe operária e corrupção sindical

“Sindicato de Ladrões”: Neorrealismo americano, classe operária e corrupção sindical

Filme: Sindicato de Ladrões, 1954

Direção: Elia Kazan

Elenco: Marlon Brando, Eva Marie Saint, Lee J. Cobb, Rod Steiger, Karl Malden

Um filme que mudou os padrões hollywoodianos

O filme americano “Sindicato de Ladrões” foi lançado em 1954 e dirigido por Elia Kazan. Ele é, antes de tudo, um filme revolucionário que fugiu dos padrões de filmes produzidos em Hollywood. Até então, Hollywood se mantinha com filmes elegantes que retratavam mais a classe média em comédias românticas, crônicas de costume e musicais ou filmes de dramas históricos e suspenses reveladores. Com “Sindicato de Ladrões”, pela primeira vez a classe operária americana foi abordada de maneira nua e crua em um filme.

O filme teve forte influência do movimento cinematográfico do neorrealismo italiano ao apresentar uma temática social sobre trabalhadores e foi filmado boa parte em locações a céu aberto, longe dos grandes estúdios. O filme deu um novo rumo ao cinema americano com um roteiro transgressor que iria se consolidar nos anos 60. Sintetizando sua importância, “Sindicato de Ladrões” foi a alvorada para a produção de filmes com roteiros mais profundos em Hollywood.

Sobre o Diretor do filme

Elia Kazan foi um cineasta greco-americano. Ficou célebre por trabalhar no famoso Actor’s Studios de Nova York onde revelou atores do calibre de Marlon Brando e James Dean, realizou clássicos do cinema muito premiados e também teve grande carreira na Broadway como diretor de teatro na década de 40.

Elia Kazan foi membro do Partido Comunista Americano e teria delatado colegas artistas e comunistas ao Comitê de Atividades Anti-Americanas, liderado pelo senador Joseph McCarty, na época da “caça às bruxas” ou “macartismo” nos anos 50.

Mesmo com essa mancha em seu currículo, que ele carregou por toda a vida, ele é considerado um dos grandes diretores da história do cinema. Além de “Sindicato de Ladrões”, Elia Kazan realizou pelo menos mais dois filmes considerados obras-primas: “Um Bonde Chamado Desejo”, de 1951, e “Vidas Amargas”, de 1955.

O diretor Elia Kazan e o cartaz do filme “Sindicato de Ladrões”, 1954

Sobre o enredo do filme e seu elenco

Com um tema sobre a vida de trabalhadores estivadores, a história acompanha Terry Malloy (Marlon Brando), um ex-boxeador fracassado que consegue emprego nas docas de Nova York pela influência do irmão, Charley (Rod Steiger), um dos braços direitos do presidente do sindicato da categoria, Johnny Friendly (Lee J. Cobb).

Outro personagem importante na trama é o Padre Barry (Karl Malden), aliado de Terry na luta em defesa dos trabalhadores. Nesse personagem, o filme foi outra vez subversivo ao colocar a Igreja com posições políticas “de esquerda”, algo bombástico na sociedade americana da época.

Mas Johnny não é tão “friendly” como sugere e lidera a máfia do trabalho local ao controlar o sindicato dos estivadores da zona portuária. Quem dedura seus crimes é punido com morte, por isso a lei do silêncio impera entre os estivadores. Porém, após presenciar e ser cúmplice de um destes assassinatos, Terry entra no dilema de delatar ou não o chefe, ainda mais quando se apaixona por Edie (Eva Marie Saint), irmã de uma destas vítimas.

Os atores do filme. Pela ordem: Marlon Brando, Eva Marie Saint, Rod Steiger, Lee J. Cobb e Karl Malden

Uma breve análise do filme

A cena inicial já revela a influência do neorrealismo italiano pós-guerra com o take aberto no cais sujo, onde homens seguem em fila para um barraco. O fato de ter sido filmado em uma época chuvosa e extremamente fria também ajudou na caracterização do elenco, que já contava com figurinos sujos e desleixados, mas ganhava ainda mais força pelo aspecto cansado, maltratado de seus rostos.

A fotografia nas locações externas evidencia ainda mais a má situação em que viviam os trabalhadores da época. O próprio roteiro de “Sindicato de Ladrões” é mais calcado na realidade ao colocar dilemas morais e éticos, ênfase num humanismo social e muito acima de uma guerra entre heróis e vilões.

Além de uma ambientação hiper-realista e uma técnica apurada de composição das cenas num preto e branco muitas vezes sombrio, o filme tem um elenco fantástico capitaneado por Marlon Brando, então com uma carreira em franca ascensão nos anos 1950. O astro entrega uma performance excepcional, utilizando de toda sua selvageria peculiar ao mesmo tempo em que apresenta uma sensibilidade irrepreensível.

Marlon Brando compôs, com sua usual maestria, um personagem perdido numa sinuca de bico entre a verdade e o crime, se alienar ou tomar posições. O personagem vai agindo conforme seu instinto, sem saber a quem é leal. Um total anti-herói. A atuação do astro é soberba. Vai no limite do próprio realismo, inclusive no uso da maquiagem – o nariz quebrado e os olhos levemente deformados pela antiga carreira de boxeador.

Terry, um ex-boxeador perdido nas docas de Nova York

Começando o filme como um valentão que parece não pensar em ninguém, é sua paixão por Edie que o desarma e Brando/Terry é mais do que eficiente para retratar a mudança de postura do personagem sem esquecer sua essência. Ele pode continuar na linha “macho man”, mas nem por isso deixa de lado uma certa doçura com sua amante, ainda mais em momentos como a caminhada pelas ruas.

A gangue sindical o manipula e o ameaça. Porém, a cena em que Terry está com seu irmão Charley em um táxi, sendo levado para uma emboscada, talvez seja a mais reveladora sobre sua personalidade, passional e instintiva. Aliás, os diálogos do filme são, ao mesmo tempo sofridos e fraternais, uma contradição que expressa a própria personalidade do personagem principal que somente toma consciência e reage depois de ser maltratado pelo ex-protegido chefão e amado por Edie.

A gangue sindical e a emboscada em um táxi

Terry tem dois aliados: O padre Barry e sua amada Edie

Cenas memoráveis constroem o clímax final do filme. Ao enfrentar o poderoso chefão do sindicato de estivadores, Terry, apesar de todo surrado por agressões físicas, caminha cambaleante, mas determinado, para um heróico e brutal confronto com seu antigo protegido. Terry consegue vencer Friendly e conduz os estivadores para o trabalho, livres agora da exploração e do controle dos gangsters.

O final do filme é um dos melhores da história do cinema, dramático, ao mesmo tempo puro e sujo, com conotações políticas de esquerda evidentes. Um final nitidamente de defesa da classe operária o que, ironicamente, poderia ser chamado de comunista apesar de seu diretor, Elia Kazan, ter delatado comunistas na época.

O clímax do filme: Terry surrado e seu confronto com o chefe da máfia sindical

Uma obra prima do cinema americano e mundial, “Sindicato de Ladrões” é um legítimo exemplar dos clássicos que devem ser revistos. Além de usar de referências ao neorrealismo italiano que era taxado de um movimento social de comunistas, o filme foi corajoso ao retratar uma situação pungente dos EUA (a máfia dos sindicatos e a situação da classe operária) e fazer disto uma alegoria à “caça às bruxas” ao comunismo na época.

Cenas de “Sindicato de Ladrões”, 1954

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