Filme “Fitzcarraldo” de Werner Herzog, 1982
Direção: Werner Herzog
Produção: Willi Segler, Lucki Stipetic, Werner Herzog
Roteiro: Werner Herzog
Musica: Popol Vuh
Fotografia: Thomas Mauch
Montagem: Beate Mainka-Jellinhaus
Elenco: Klaus Kinski, Cláudia Cardinale, José Lewgoy
Aventura improvável e visionária: Filme e personagem se misturam em nome de um sonho artístico
Assistam! Um filme sobre determinação e coragem! Muito bonito e imperdível
Quarenta anos depois de seu lançamento em 1982, o filme Fitzcarraldo, dirigido pelo alemão Werner Herzog, continua impactando, seja pelas incríveis imagens, pela história improvável, pelo projeto absurdo de realização do filme e pela louca atuação do ator Klaus Kinski, vivendo um personagem perturbado e visionário. A ambição, a ousadia e, principalmente, a coragem do diretor Herzog transformaram o criador, e seu filme, e a criatura, o personagem de Fitzcarraldo, num mesmo sonho artístico.
As filmagens foram caóticas. Houve problemas com o elenco, atrasos nas filmagens na selva, o ator Klaus Kinski parecia um barril de pólvora, centenas de nativos foram utilizados e muitos foram feridos e trabalhadores da equipe técnica viviam em alvoroço. Apesar de um inferno dantesco, Herzog seguiu em frente, seguro de seu projeto que parecia inalcançável. Nada indicava que o filme seria uma obra artística de grande envergadura e que resistiria ao tempo, mas todo grande projeto tem seu preço e suas dificuldades.
As imagens do filme são fantásticas, naturais. E mais, todas as imagens do excêntrico personagem Fitzcarraldo, reverberado pelo ator Klaus Kinski, cabeleira amarela e desgrenhada, terno branco e semblante, ora atormentado, ora maravilhado, rosto esbugalhado e profundo, são perfeitas para caracterizar sua personalidade frenética e seu gênio indomável.
Fitzcarraldo é um épico de aventura e se passa em Iquitos, uma pequena cidade a leste dos Andes na Bacia Amazônica do Peru no início do século 20, quando a cidade cresceu exponencialmente durante o boom da borracha. O filme, também rodado na cidade de Manaus e com destaque para o Teatro Amazonas e lugares ribeirinhos, retrata o aspirante a barão da borracha Brian Sweeney Fitzgerald, um irlandês que os nativos peruanos chamavam de Fitzcarraldo, que está determinado a transportar um navio a vapor por uma colina íngreme na floresta para acessar um rico território de borracha na Bacia Amazônica.
O criador Werner Herzog, e a criatura Fitzcarraldo, com sua esposa Molly
O personagem Fitzcarraldo tem um espírito indomável, um sonhador com uma grande falha já atrás dele – as ferrovias transandinas falidas e incompletas. Amante da ópera e grande fã do internacionalmente conhecido tenor italiano Enrico Caruso, ele sonha em construir uma casa de ópera em Iquitos. Mas para realizar essa obsessão maluca de uma Ópera na selva, ele precisará de muito dinheiro que somente a indústria de borracha pode proporcionar. Para financiar sua paixão, a música, Fitzcarraldo arrisca a própria vida num empreendimento megalomaníaco.
Na época em que o filme foi retratado, início do século 20, as áreas da Bacia Amazônica conhecidas por conterem seringueiras foram parceladas pelo governo peruano e arrendadas a empresas privadas para exploração. Nisso, numerosos imigrantes judeus, europeus e norte – africanos se estabeleceram por lá. Para Fitzcarraldo, só resta uma única área de borracha de acesso muito difícil informada em um mapa por um útil Barão da Borracha (José Lewgoy).
Além de José Lewgoy, outros dois artistas brasileiros participaram do filme: o cantor e compositor Milton Nascimento, que faz uma ponta como um porteiro do Teatro Amazonas em Manaus, e Grande Otelo, como um funcionário de uma estação ferroviária.
Fitzcarraldo e Molly no Teatro Amazonas, Manaus, e uma ópera encenada
Fitzcarraldo terá que encontrar uma nova rota para evitar as corredeiras que isolam o rio Ucayali, afluente do Amazonas, dos portos do Atlântico, e onde está localizada a área ainda não explorada de seringais, e subir outro rio, o Pachitea, um rio paralelo. Entretanto, o ponto mais próximo entre os dois rios é por terra e não há outro jeito senão arrastar o navio para cima e por dentro da floresta.
E há outro problema, existem tribos indígenas hostis. Para essa empreitada, Fitzcarraldo conta com a ajuda financeira da esposa Molly (Claudia Cardinale), uma bem-sucedida dona de bordel, compra um velho navio a vapor e recruta uma tripulação de nativos, praticamente escravizados e incrivelmente impressionados com a figura e a jornada de Fitzcarraldo.
Depois desse detalhamento da história, o resto é puro cinema. A partir da entrada em cena do navio a vapor, ele passa a ser um personagem importante do filme, participando diretamente da narrativa como se fosse um ator humano. As cenas filmadas do navio são de um visual poético impressionante, não só sua luta para transpor a montanha, seus habitantes improváveis que navegam em seu interior, mas também seu desespero contra as corredeiras do rio e seu belo bailado em águas amazônicas, parecendo navegar sobre nuvens.
A subida na floresta do navio-personagem e navegando em águas turvas
Também temos cenas fantásticas da agonia de Fitzcarraldo em sua empreitada com o navio e com perigosos indígenas, e sua tentativa de acalmar tribos hostis ao som da música de Caruso, tocada em um gramofone no topo do navio. Os indígenas ficaram impressionados com o espectro de Fitzcarraldo, algo como um ídolo sobrenatural ou mesmo um fetiche. Com imagens belíssimas, Fitzcarraldo, solitário, vai acompanhar em desespero o bailado do navio-personagem que luta e vence as águas turvas.
Fitzcarraldo e a música de Enrico Caruso, sua obsessão para acalmar possíveis ameaças indígenas, e no navio, lidando com os perigosos nativos
Da mesma maneira que o personagem principal da trama, Fitzcarraldo, tem um sonho doido de construir uma Ópera na selva, o diretor do filme Werner Herzog teve o sonho também doido de fazer esse filme na selva, inteiramente com locações naturais, brigando com a natureza e passando por todo tipo de problema, seja com os nativos, explorando-os e ferindo-os (fala-se que alguns morreram), seja com o ator Klaus Kinski que vivia surtando, explodindo nas filmagens, seja com doenças, bebedeiras e abandonos da equipe técnica do filme, seja com o navio, que foi literalmente empurrado montanha acima.
Pode-se fazer uma correlação com todos os agentes da exploração no filme e na vida real histórica: Os imigrantes europeus colonizavam as áreas de seringais, escravizando a população nativa. O diretor Herzog também explorava os nativos, já que precisou deles para transportar perigosamente o navio pela colina íngreme. O personagem Fitzcarraldo explorou a tripulação nativa do navio para ficar rico com a borracha. Chegamos então a uma visão básica do filme e do contexto social e econômico: a visão do colonizador europeu.
Apesar de todos os percalços técnicos e humanos que aconteceram nas filmagens, o projeto quase impossível de Herzog de fazer o filme foi totalmente recompensado com um grande filme. Um projeto audacioso e uma atuação alucinada e perfeita de Klaus Kinski. Melhor que isso seria impossível. Diretor, ator e personagem se entrelaçaram no mesmo projeto: realizar um sonho, que quase se tornou um pesadelo.
Na cena final, sem a rica borracha e após mais um empreendimento fracasso, Fitzcarraldo não se intimida, comanda um último ato no navio. Convoca uma trupe de artistas, que realiza um espetáculo operístico dentro do navio em movimento. É sua apoteose, acompanhado por um porco ribeirinho.
A apoteose final de Fitzcarraldo e sua ópera no navio
Sobre o Diretor do filme
O Diretor Werner Herzog foi uma grande revelação do chamado novo cinema alemão no fim dos anos 60 e em toda a década de 70, juntamente com outros talentosos Diretores, tais como Reiner Werner Fassbinder e Wim Wenders. Também é um grande documentarista premiado.
Herzog já havia passado por muitos apuros nas filmagens de outro filme amazônico, o visceral “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, de 1972, com o mesmo problemático ator Klaus Kinski. Realizou outros filmes importantes como o premiado “O Enigma de Kaspar Hauser”, de 1975 e “Stroszek”, de 1977. O filme “Fitzcarraldo” talvez seja seu maior e melhor projeto de alcançar um sonho artístico.
O Diretor Werner Herzog filmando “Fitzcarraldo” com o ator Klaus Kinski e com os atores brasileiros José Lewgoy e Grande Otelo
Cenas de Fitzcarraldo, 1982
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