O cinema mundial nos anos 90: Diversidade, ousadias e releituras
Um breve perfil da década de 90
Os anos 90 iniciaram com a dissolução da União Soviética e o fim da Guerra Fria, sendo que a queda do muro de Berlin também foi significativo um ano antes, em 1989. Esses acontecimentos foram seguidos pelo início do processo da globalização econômica e a popularização do computador pessoal e da Internet. A internet viria a repaginar o mundo da conexão e da informação planetária.
Politicamente, os anos 90 foram de democracia expansiva. Mas, a prosperidade foi relativa. O capitalismo começou a se achar maioral e a querer se tornar global, mas houve novas guerras regionais e crises financeiras nos países em desenvolvimento, além de novas doenças e muita miséria no Terceiro Mundo. Além disso, o crescimento do terrorismo internacional levou a uma radicalização de muitos tipos de agrupamentos políticos e religiosos.
No âmbito do cinema, as palavras foram diversidade e ousadia. Talentosos diretores foram se consolidando e os filmes trouxeram muitas revisões narrativas de temas já explorados com um renovado impulso criativo. O cinema Blockbuster já fazia muito sucesso e, na contramão desse espírito comercial, outros filmes foram vigorosos em uma abordagem não convencional para atrair plateias mais reflexivas e corajosas.
Uma seleção de filmes americanos dos anos 90
O cinema americano apresentou uma variedade de histórias renovadas de temas já tratados no passado, tais como fantasia bizarra, serial-killer, road movie, retorno ao faroeste, críticas à Hollywood, o Holocauto, policiais repaginados e o sobrenatural. Foi um revisionismo estimulante.
Em 1990, um talentoso cineasta, Tim Burton, apresentou uma fantasia sombria sobre uma criatura artificial, inacabada, mas de carne e osso, que é acusada de um crime. O filme é “Edward, Mãos de Tesoura”. Ainda que em tons bizarros, o filme é muito sensível e remete às influências expressionistas do diretor Tim Burton. A história acompanha esse estranho personagem que tem o dom de esculpir lindas formas em jardins com suas mãos metálicas.
Em 1991, um thriller sombrio sobre um perigoso serial-killer chegou às telas do cinema. Trata-se de “O Silêncio dos Inocentes”, dirigido por Jonathan Demme. O filme foi muito premiado ao contar a investigação policial de uma agente que, para descobrir um assassino em série, precisa lidar com outro assassino enjaulado que conhece a mente do criminoso. Num tom profundamente psicológico e com cenas fortes, a agente caminha por um labirinto altamente mortal.
Também em 1991, o cineasta Ridley Scott filma um ótimo road movie sobre duas mulheres que radicalizam em seu processo de emancipação a qualquer custo. O filme é “Thelma e Louise”. Ao acompanhar duas amigas que saem para se descontrair e se envolvem em um assassinato, o filme se transforma numa alucinada aventura de fuga em que as protagonistas não voltam atrás em suas convicções feministas e traçam um caminho sem volta, mesmo que isso signifique o fim.
“Edward, Mãos de Tesoura”, 1990, “O Silêncio dos Inocentes”, 1991, “Thelma e Louise”, 1991
Cenas de “Edward, Mãos de Tesoura”, 1990
Cenas de “O Silêncio dos Inocentes”, 1991
Cenas de “Thelma e Louise, 1991
Em 1992, Clint Eastwood, um icônico astro dos faroestes italianos de Sérgio Leone, retorna a esse universo de maneira brilhante e conta a história de um antigo pistoleiro que tenta esquecer seu passado numa nova vida, mas volta a lidar com seus fantasmas interiores ao se lançar numa caça a um malvado xerife. O filme é “Os Imperdoáveis”. Focado em um personagem sombrio, incompassivo consigo mesmo, assistimos a um personagem que clama por redenção.
Em 1992, Robert Altman, um reconhecido cineasta de críticas ao modelo americano de vida, com suas hipocrisias morais, roda “O Jogador” e faz um retrato contundente dos podres empresariais na indústria de cinema de Hollywood. Foi uma pancada na época. Ao ser ameaçado por um roteirista anônimo e insatisfeito, um produtor de Hollywood se vê encurralado em termos emocionais e profissionais e faz uso do que for necessário para não perder seu poder.
Em 1993, o campeão de bilheteria Steven Spielberg realizou seu melhor filme, “A Lista de Schindler”, e trata sobre o Holocausto num campo de concentração nazista durante a segunda guerra mundial. Foi uma cartada certeira. Filmado num belo preto e branco e mostrando a crueldade de Hitler, o filme prende com muita tensão sobre a história real de um industrial filiado ao partido nazista que se revolta e tenta libertar judeus da morte certa.
“Os Imperdoáveis”, 1992, “O Jogador”, 1992, “A Lista de Schindler”, 1993
Cenas de “Os Imperdoáveis”, 1992
Cenas de “O Jogador”, 1992
Cenas de “A Lista de Schindler”, 1993
Em 1994 um novo e bombástico diretor de cinema, Quentin Tarantino, lançou um filme poderoso: “Pulp Fiction”. Dirigido de uma forma altamente estilizada, Pulp Fiction entrelaça dois assassinos profissionais, um gângster e sua esposa, e um pugilista na Los Angeles na década de 1990. O filme é rico em monólogos e diálogos ecléticos, mistura humor irônico e violência, narrativa não-linear, uma série de alusões a outras produções cinematográficas e referências à cultura pop.
Em 1996, os irmãos Ethan e Joe Cohen realizaram um filme policial de humor ácido sobre uma trama de sequestro que dá uma reviravolta com consequências mortais. Contratando dois marginais, um revendedor de automóveis em péssima situação financeira vê seu plano virar de cabeça para baixo numa sucessiva cadeia de erros trágicos e tem de enfrentar uma corajosa policial grávida. O filme também foi chamado de um mordaz retrato marginal de humor negro.
Em 1999, o indiano M. Night Shyamalam rodou “O Sexto Sentido” e surpreendeu a todos com uma história sobrenatural de um garoto que vê e conversa com pessoas mortas. Tratado por um psicólogo infantil, o garoto é um interlocutor de espíritos infelizes. A grande sacada da trama é nos deixar sem saber em que situação se encontra o tal psicólogo. Com um grande poder de nos arrepiar com espantos e tratar de fantasmas existencialistas, o filme acertou em cheio.
“Pulp Fiction”, 1994, “Fargo”, 1996, “O Sexto Sentido”, 1999
Cenas de “Pulp Fiction”, 1994
Cenas de “Fargo”, 1996
Cenas de “O Sexto Sentido”, 1999
Diretores que se destacaram nos anos 90 no cinema americano. Pela ordem: Tim Burton, Clint Eastwood, Steven Spielberg, Quentin Tarantino, Ethan e Joel Cohen, M. Night Shyamalan
Uma seleção de filmes pelo mundo dos anos 90
O cinema fora do circuito de Hollywood, mundo afora, apresentou novos diretores e a tônica foi uma total variedade de histórias que geraram grandes filmes com reconstituições de épocas, mas também mostrando dramas existenciais de grande comoção. Com releituras da segunda guerra, de tradições culturais milenares e de personagens famosos, a década foi ótima lá fora.
Em 1991, um novo diretor italiano, Gabriele Salvatores, desponta com um filme sentimental e divertido sobre um grupo de soldados italianos em uma pequena ilha grega durante a segunda guerra. Sem lutar, logo eles começam a esquecer a guerra e buscam a arte, a dança e as adoráveis mulheres da ilha idílica. O filme prega a paz e a alegria, desarma a todos do litígio e nos impulsiona para viver a vida com toda a força que ela merece.
O cinema chinês surpreendeu o mundo com um filme esteticamente deslumbrante: “Adeus Minha Concubina”, dirigido por Chen Kaige. Rodado em 1992, o filme trata da amizade de dois artistas da Ópera de Pequim que, ao se reencontrarem, relembram suas vidas tendo como pano de fundo décadas de turbulências sociais e políticas da China. O filme é um emocionante e visualmente lindo libelo em defesa da arte, da cultura e da liberdade.
Em 1993, a diretora neozelandesa Jane Campion realizou um filme de época sobre arte e submissão. Uma mulher escocesa, que se tornou muda por opção e que se exprime através de um piano, junto com sua filha são transportadas para a Nova Zelândia para um casamento arranjado e se envolve perigosamente com um nativo chantagista que só deseja encontros sexuais. Um filme angustiante sobre a fragilidade das mulheres num ambiente colonial machista.
“Mediterrâneo”, 1991, “Adeus Minha Concubina”, 1992, “O Piano”, 1993
Cenas de “Mediterrâneo”, 1991
Cenas de “Adeus Minha Concubina”, 1992
Cenas de “O Piano”, 1993
Em 1994 foi lançado um filme comovente sobre a amizade entre um simples carteiro e o famoso poeta chileno Pablo Neruda, então exilado numa pequena cidade na Itália: “O Carteiro e o Poeta”, dirigido por Michael Radford. O filme é um tratado sobre simplicidade nas relações, afeto, a possibilidade do amor puro e a capacidade transformadora da poesia na vida de qualquer pessoa, seja ela erudita ou não. Com uma história carregada de sentimentos verdadeiros, o filme é um remédio para os corações de chumbo.
Em 1994, o diretor polonês Krzysztof Kieślowski iniciou a sua chamada “Trilogia das Cores” com o triste e angustiante filme “A Liberdade é Azul”. Após um trágico acidente em que morrem seu marido e sua filha, uma modelo decide renunciar sua própria vida. Com um isolamento e um anonimato assumidos, o filme traça o processo de reconstituição da personagem que sai de uma existência fantasmagórica para um ressurgimento libertador. E a arte é decisiva para isso.
Em 1995 o filme “A Excêntrica Família de Antônia”, dirigido pela diretora holandesa Marleen Gorris, empoderou as mulheres e a possibilidade de uma vida comunitária peculiar, diferente. Em uma pequena vila holandesa, uma matriarca relembra momentos marcantes de sua vida e os curiosos personagens com quem conviveu. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a independente Antônia volta à cidade natal e uma saga familiar atravessa gerações.
“O Carteiro e o Poeta”, 1994, “A Liberdade Azul”, 1994, “A Excêntrica Família de Antônia”, 1995
Cenas de “O Carteiro e o Poeta”, 1994,
Cenas de “A Liberdade é Azul”, 1994
Cenas de “A Excêntrica Família de Antônia”, 1995
Em 1997, o ator e comediante Roberto Benigni vai para a direção e realiza um filme apaixonante: “A Vida é Bela”. Tratando do amor de uma família italiana que se separa durante os eventos da segunda guerra mundial, o filme é um retrato comovente e envolvente sobre as peripécias de um pai que tenta entreter o filho num campo de concentração nazista. Engraçado, tocante, puro, o filme é um retrato da luta pela vida e do amor que precisa permanecer, apesar das tragédias.
Também em 1997, o cinema iraniano despontou de maneira brilhante no filme “Gosto de Cereja”, dirigido por Abbas Kiarostami. O tema é o suicídio. Um homem de meia-idade residente em Teerã planeja se matar e procura alguém para enterrá-lo. Com esse assunto pesado, mas em tom natural, o filme busca as motivações para esse desejo radical através de outros personagens que vão aparecendo. Sem resposta para o porquê, o filme, paralelamente, faz uma ode à vida.
Finalmente, em 1998 o diretor britânico John Madden realiza um filme muito divertido sobre o bloqueio criativo do grande escritor e dramaturgo William Shakespeare na Inglaterra da rainha Elizabeth I. Ao se apaixonar por uma mulher que deseja ser atriz de teatro, mas que precisa se disfarçar de homem diante da proibição reinante, Shakespeare ganha nova inspiração e escreve a famosa peça Romeu e Julieta. O filme é super agradável, despojado e nos deixa felizes.
“A Vida é Bela”, 1997, “Gosto de Cereja”, 1997, “Shakespeare Apaixonado”, 1998
Cenas de “A Vida é Bela”, 1997
Cenas de “Gosto de Cereja”, 1997
Cenas de “Shakespeare Apaixonado”, 1998
Diretores estrangeiros que se destacaram nos anos 90. Pela ordem: Chen Kaige, Jane Campion, Michael Radford, Krzyzstof Kieslowski, Roberto Benigni, Abbas Kiarostami
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