Gêneros do Cinema
O cinema político: Golpes, revoluções, movimentos e conspirações

O cinema político: Golpes, revoluções, movimentos e conspirações

Cinema e política

O cinema e a política sempre estiveram relacionados. Desde os filmes clássicos e grandiosos do americano David Griffith, “Nascimento de Uma Nação” (1915) e “Intolerância” (1916), passando pelo cinema do grego Costa-Gavras, do polonês Andrzej Wajda e do britânico Ken Loach, até o mais recente filme brasileiro “Marighela” (2021), dirigido por Wagner Moura. Durante as décadas de produção cinematográfica, tanto no século XX quanto no século XXI, o chamado cinema político foi muito trabalhado. Em todo o mundo, nos vários continentes, cineastas e movimentos cinematográficos abordaram essa temática, ora de maneira engajada e ideológica, ora de maneira indireta, mas transparente.

Existe o cinema engajado, ideológico, aquele cujo propósito é não somente apresentar o contexto político, mas também ser instrumento de transformações sociais, e o cinema de temática política que se propõe mais em tratar e analisar as realidades políticas, sem explicitamente se posicionar a favor ou contra determinada teoria.

Neste artigo, foram selecionados filmes e documentários importantes de temática política, englobando diversas nacionalidades e enredos diferenciados sobre o assunto, incluindo revoluções, golpes, conspirações e outros tipos de movimentos que tenham como fundo principal do enredo: a política.

Filmes sobre revoluções

Em 1927, o revolucionário cineasta soviético Serguei Eisenstein realizou o filme “Outubro”, em que faz uma homenagem aos dez anos da revolução bolchevique. O filme é um épico histórico e conta como foi todo o processo político que desencadeou nesse movimento comunista e que derrubou a monarquia czarista, abrindo as portas para insurreições populares em todo o mundo ao longo do século XX.  O filme “Outubro” é revolucionário também nas imagens e nas técnicas de montagem.

Em 1968 foi lançado “Memórias do Subdesenvolvimento”, dirigido por Tomás Gutiérrez Alea. O filme acompanha Sergio, um intelectual burguês que decide ficar em Cuba. Sergio relembra as mudanças no país, da Revolução Cubana à crise dos mísseis. “Memórias do Subdesenvolvimento” é um estudo da alienação durante a turbulência das mudanças políticas e sociais no país. O filme incorpora documentários da vida real de protestos e eventos políticos do período revolucionário em Cuba.

Em 1969, o cineasta italiano Gillo Pontecorvo realizou “Queimada”.  A história fictícia do filme se concentra na criação de uma república tropical no Caribe e nos eventos políticos, psicológicos e sociais que a seguem. O ator Marlon Brando interpreta um agente do governo britânico que incentiva e manipula uma revolta de trabalhadores e escravos para servir aos interesses do comércio de açúcar. A revolução nativa foi bem sucedida e o agente britânico tem que lidar perigosamente com os revoltosos que estão no poder.

Os diretores italianos Paolo e Vitório Taviani, que fariam uma carreira muito fecunda no cinema, realizaram em 1974 o filme “Allonsanfan” (Que Viva a Revolução).  O filme é um drama político tendo como pano de fundo a Unificação Italiana no início do século 19. Trata da trajetória de um líder revolucionário e antigo fidalgo (Marcelo Mastroiani) que, cansado e desiludido da luta, tenta trair seus companheiros, mas retorna à sua utopia revolucionária dos camisas vermelhas. O filme é um libelo à revolução, com um olhar crítico sobre seus líderes e métodos de ação.

O cineasta polonês Andrzej Wajda, conhecido pelos seus filmes politizados e críticos, fez uma releitura da Revolução Francesa com “Danton, O Processo da Revolução”, de 1983.  O diretor Wajda trata da relação conflituosa entre dois líderes da revolução: Danton (Gérard Depardieu) e Robespierre (Wojciech Pszoniak). Danton representa a base e os anseios populares autênticos da revolução, enquanto Robespierre representa a cúpula do poder e as maquinações políticas que se afastarão dos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade.

Pela ordem: “Outubro”, “Memórias do Subdesenvolvimento”, “Queimada”, “Allonsanfan” e “Danton”

Cenas de “Outubro”, 1927

Cenas de “Queimada”, 1969

Filmes sobre Ditaduras e golpes militares

Em 1940, Charles Chaplin rodou “O Grande Ditador”, fazendo um filme ao mesmo tempo cômico e profundamente político contra a ditadura nazista de Hitler. Chaplin faz dois personagens: um judeu simples e o próprio Hitler, e situa a narrativa num país fictício. Chaplin nos brindou com cenas de humor sobre a rivalidade entre os ditadores Hitler e Mussolini, sobre os discursos agressivos de Hitler, mas também apresentou cenas dramáticas e tocantes sobre a perseguição nazista a populações desamparadas. O filme tem uma das cenas mais comoventes do cinema: o discurso final do personagem judeu, fantasiado de Hitler, contra as tiranias e as ditaduras e em defesa da democracia.

Em 1967, Glauber Rocha lançou o explosivo filme “Terra em Transe”, um estonteante libelo político que discute as inquietações e angústias do Brasil após o golpe militar de 1964. Centrado na figura de um poeta e jornalista de esquerda (Jardel Filho), que se situa entre os alvoroços demagógicos de um líder populista (José Lewgoy) e os arroubos tirânicos de um líder conservador (Paulo Autran). Sua peregrinação política é permeada por momentos de desânimo, delírios, incoerências e atitudes radicais de luta armada. Um filme revolucionário em sua linguagem técnica, com um ritmo um tanto quanto caótico que expressa justamente a perplexidade do contexto político.

Ainda no contexto da ditadura militar brasileira, o diretor Roberto Farias lançou “Pra Frente Brasil”, em 1982. A trama gira em torno de um cidadão comum (Reginaldo Farias) que é confundido como um ativista político e preso e torturado por agentes federais nos porões da ditadura.  O diretor Roberto Farias apresenta um retrato cruel da ditadura e expõe a dor de uma família que se envolve, sem o querer, com a brutal repressão do regime militar, enquanto a população assiste a beleza do futebol brasileiro na Copa do Mundo do México em 1970.

Em 1985, o filme “A História Oficial”, dirigido por Luis Puenzo, trata da ditadura militar na Argentina. O filme conta a história de uma professora da classe média argentina (Norma Aleandro) que descobre que a criança que adotou pode ser filha de presos políticos assassinados ou desaparecidos pela ditadura militar. A partir daí, ela se depara com os horrores da ditadura e com as grandes manifestações históricas das mães na Praça de Maio em Buenos Aires. “A História Oficial” venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Em 1997 foi lançado “O Que é isso Companheiro”, dirigido por Bruno Barreto. O filme é baseado em uma história verídica e é um comovente relato do sequestro em setembro de 1969 do embaixador americano no Brasil. O drama político se desenrola quando um grupo de jovens idealistas se unem para tramar e realizar um ato de terrorismo político, e dar voz a seus sonhos e visões progressistas contra a ditadura militar no Brasil. Os jovens, interpretados por Pedro Cardoso, Fernanda Torres e Claudia Abreu, abraçam a luta armada contra a ditadura no final da década de 60 dentro de num grupo guerrilheiro de esquerda. 

Pela ordem: “O Grande Ditador”, “Terra em Transe”, “Pra frente Brasil”, “A História Oficial”, e “O Que é isso Companheiro”

Cenas de “O Grande Ditador”, 1940

Cenas de “Pra Frente Brasil”, 1982

Filmes sobre crises e conspirações políticas

Em 1969, o cineasta grego Costa-Gavras rodou um filme poderoso chamado “Z”. o filme foi um panfleto mundial do cinema político. Com roteiro do esquerdista Jorge Semprún, o filme se passa na Grécia na década de 60 e acompanha o assassinato de um deputado oposicionista (Ives Montand) durante uma manifestação política e que é vergonhosamente acobertado por políticos e policiais locais. Além disso, o governo e o exército estão tentando suprimir a verdade. Mas, um magistrado tenaz (Jean-Louis Trintignant) está determinado a não deixá-los escapar impunes. O filme foi uma sensação e fonte inspiradora da militância de esquerda em todo o mundo.

Em 1972, o cineasta italiano Francesco Rossi lançou “O Caso Mattei”. Terminada a 2ª Guerra, Enrico Mattei (Gian maria Volonté), um engenheiro e combatente contra o nazismo, consegue impedir a venda da nascente indústria italiana de hidrocarbonetos para a Standard Oil e cria a ENI, estatal de petróleo e gás que confronta o cartel das “Sete Irmãs” em países africanos e do Oriente Médio. Em 1962, sua morte na queda de um avião da companhia é dada como acidental – conclusão que o filme questiona. Em 1997, a Justiça reconhece que o avião foi explodido pela máfia.

“Todos os Homens do Presidente” foi lançado em 1976 e dirigido pelo diretor americano Alan J. Pakula. O filme é uma brilhante reconstituição dos episódios do escândalo do Watergate, através das investigações jornalísticas de Carl Bernstein (Dustin Hoffman) e Bob Woodward (Robert Redford), repórteres do jornal Washington Post. O filme acompanha uma verdadeira odisseia dos dois repórteres que vão descobrindo uma rede de espionagem política e lavagem de dinheiro, o que acaba por levar à renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon.

Em 1978, o cineasta francês André Cayatte realizou “A Razão de Estado”. O filme trata de um renomado professor, Marrot (François Périer), um ativista na luta pelo desarmamento mundial, que descobre documentos secretos com evidências de transações ilegais de armas entre o governo francês, em face de seu alto oficial Leroi (Jean Yanne), e de dois países africanos. Marrot se encontra sob vigilância e, em circunstâncias críticas, é ajudado por uma parceira italiana, Angela (Monica Vitti). Apesar das evidências, o caso acaba sendo encoberto como “razão de Estado”.

O diretor americano Oliver Stone sempre teve uma veia política em seu cinema. Em 1991, realizou “JFK, A Pergunta Que Não Quer Calar”. O filme tem intriga e investigação. Apresenta uma possível teoria para explicar o assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy. Quando o advogado Jim Garrison (Kevin Costner) decide desvendar o mistério por trás desse assassinato, ele enfrenta forte oposição do governo. É um filme forte e transita por dentro dos meandros do poder e dos arranjos políticos para que as coisas permaneçam como estão.

Pela ordem: “Z”, “O Caso Mattei”, “Todos os Homens do Presidente”, “A Razão de Estado”, e “JFK, A Pergunta que não quer se calar”

Cenas de “Z”, 1969

Cenas de “Todos os Homens do Presidente”, 1976

Filmes sobre movimentos, arranjos e agitações políticas

Em 1971, “A Classe Operária vai ao Paraíso” foi lançado e dirigido pelo italiano Elio Petri. Trata-se de um clássico do cinema político. Conta a história de Lulu (Gian Maria Volonté), um operário metalúrgico considerado um modelo exemplar pelos seus chefes industriais, mas odiado pelos seus colegas trabalhadores. Lulu vive entregue aos sonhos de consumo da classe média, alienado em meio aos movimentos de protesto de sua classe. Porém, ao sofrer um acidente de trabalho, Lulu se envolve em uma greve dos trabalhadores da fábrica. O filme aborda as condições precárias de trabalho, a necessidade da consciência de classe, a resistência dos trabalhadores fabris e faz uma feroz crítica ao capitalismo.

Em 1995, o cineasta britânico Ken Loach, assumidamente socialista, rodou “Terra e Liberdade”. O filme se passa na guerra civil espanhola, em 1936, quando um membro do partido comunista inglês, David Carr (Ian Hart), se une às brigadas internacionais antifascistas. Entretanto, a briga interna das facções de esquerda (pró e contra Stalin) ameaçam a luta maior contra a ascensão do franquismo. “Terra e Liberdade” faz uma dura crítica a fascistas e stalinistas, mas preserva a importância da esquerda revolucionária e incentiva todos aqueles que lutam por ideais igualitários. É um grande exemplar do cinema político e, mais ainda, do cinema engajado, ideologicamente de esquerda.

Em 2002, o americano Paul Greengrass realizou o politizado filme “Domingo Sangrento”. Em 1972, na Irlanda do Norte, foi realizada uma passeata pelos direitos humanos. Sem motivo aparente, soldados britânicos atiraram e mataram quatorze pessoas desarmadas e, a princípio, sem qualquer conexão com o IRA, um grupo armado de libertação irlandês. Esse episódio ficou conhecido como “Domingo Sangrento” e marcou o começo do conflito transformado em guerra civil, com muitos atos de violência e terrorismo. O filme mostra a vida de quatro homens envolvidos nos dois lados do conflito.

Em 2003, o diretor Wolfgang Becker filmou “Adeus Lenin”, um filme sofre as implicações psicológicas do fim do comunismo. Ao participar de um protesto contra o  governo comunista da Alemanha Oriental, Alexander (Daniel Brühl) é preso e , sabendo disso, sua mãe Christiane (Kathrin Sass), uma professora engajada na causa do socialismo, sofre um enfarte. Quando se recupera, a situação política é outra, houve a queda do muro de Berlim e a deposição do governo comunista. Mas, sob orientação do médico, ela não pode saber que sua “pátria socialista” não existe mais.

O diretor americano Michael Moore, que ficou mundialmente conhecido pelo filme “Tiros em Columbine”, realizou em 2004 “Fahrenheit, 11 de setembro”. Trata-se de um documentário político que usa humor e jornalismo investigativo para questionar os motivos do governo Bush para as guerras no Iraque e no Afeganistão. O filme argumenta que o presidente George W. Bush e seu círculo íntimo usaram a mídia para promover uma agenda que explorou os ataques terroristas do 11 de setembro. Mostra ainda os laços estreitos dos sauditas com a família Bush, o lucro cínico das corporações e uma elite política ligada a interesses escusos, enfim, um sistema corrupto.

Pela ordem: “A Classe Operária vai ao Paraíso”, “Terra e Liberdade”, “Domingo Sangrento”, “Adeus Lenin” e “Fahrenheit, 11 de Setembro”

Cenas de “A Classe Operária vai ao Paraíso”, 1971

Cenas de “Terra e Liberdade”, 1995

Filmes sobre líderes políticos

O documentarista brasileiro Silvio Tendler realizou em 1984 o filme “Jango”. O filme refaz a trajetória política de João Goulart, presidente brasileiro que foi deposto por um golpe militar em 1º de abril de 1964. Através de imagens de arquivo e de entrevistas com importantes personalidades políticas, o documentário captura a efervescência da política brasileira durante a década de 1960 sob o contexto histórico da Guerra Fria. “Jango” narra exaustivamente os detalhes do golpe e se estende até os movimentos de resistências à ditadura.

Uma figura importante da política internacional foi Margareth Thatcher, abordada no filme “A Dama de Ferro”, de 2011, dirigido por Phyllida Lloyd. Trata-se da cinebiografia romanceada da primeira-ministra britânica, com foco na Guerra das Malvinas, em 1982, quando a Inglaterra declara guerra contra a Argentina. Thatcher foi uma figura controversa, defensora intransigente do neoliberalismo e de personalidade forte. Se impôs com determinação na política britânica dentro de um universo predominantemente de homens.  Meryl Streep, que interpretou Thatcher, venceu o Oscar de melhor atriz.

Uma outra figura importante da política brasileira foi o ex-Presidente Getúlio Vargas, retratado no filme “Getúlio”, de 2014, dirigido por Jorge Jardim.  É um drama histórico-biográfico que percorre a intimidade dos 19 últimos dias de vida de Getúlio Vargas, período de crise política em que ele fica isolado no Palácio do Catete, enquanto seus opositores o acusam de ser o mandante do atentado da rua Tonelero, RJ, contra o jornalista Carlos Lacerda. Getúlio Vargas foi um político polêmico que oscilou entre um regime ditatorial e um governo popular. Foi uma liderança personalíssima.

“O Destino de Uma Nação”, de 2017, dirigido por Joe Wright, trata de uma das maiores figuras políticas do século XX: Winston Churchill. Poucos dias após se tornar primeiro-ministro britânico em 1940, Winston Churchill (Gary Oldman) enfrenta um momento crucial contra Adolf Hitler e o seu Exército nazista que cercava as tropas britânicas em Dunkirk, na França, durante a Segunda Guerra Mundial. Churchill foi crucial para a vitória dos aliados na guerra. Sua inabalável determinação de não se render a Hitler, apoiado pela corajosa e competente Força Aérea Britânica, ajudou a conter a expansão do Terceiro Reich.

Um líder político, que foi Deputado Federal pelo Partido Comunista Brasileiro, Carlos Marighela, foi retratado com competência no filme “Marighela”, lançado em 2021e dirigido pelo ator Wagner Moura. O filme se passa em 1969 e mostra as ações do líder revolucionário (interpretado por Seu Jorge) que, diante de uma ditadura opressora e de uma esquerda intimidada, opta pela luta armada como o caminho para combater o golpe militar de 1964. O filme é realista e expõe a tortura e a censura impostas pela ditadura que se instalou no país.

Pela ordem: “Jango”, “A Dama de Ferro”, “Getúlio”, “O Destino de Uma Nação” e “Marighela”

O Destino de Uma Nação

Cenas de “Getúlio”, 2014

Cenas de “O Destino de uma Nação”, 2017

Grandes diretores do cinema político. Pela ordem: Sergei Eisenstein, Costa-Gavras, Andrzej Wajda, Gillo Pontecorvo, Elio Petri e Ken Loach 


Sergei Eisenstein
Costa-Gavras
Andrzej Wajda
Gillo Pontecorvo
Elio Petri
Ken Loach

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