Movimentos Cinematográficos
O surrealismo no cinema: Mundo onírico, o irracional e o inconsciente

O surrealismo no cinema: Mundo onírico, o irracional e o inconsciente

O movimento surrealista começa na França, no início da década de 1920, e não leva tempo para se propagar pelo mundo, nas mais variadas linguagens artísticas – artes visuais, literatura, cinema, música –, bem como no pensamento e nas práticas política, filosófica e na teoria social. Se o racionalismo visa a uma reforma gradual das estruturas sociais, o surrealismo se proclama extremista e revolucionário.

O termo surrealismo foi cunhado pelo poeta André Breton em um manifesto de 1924 e traz um sentido de afastamento da realidade comum. Na teoria de Breton, a arte surrealista procura resolver a contradição vigente entre sonho e realidade pela criação de uma realidade absoluta – a suprarrealidade, em que os artistas, em contato com a obra de Sigmund Freud e a psicanálise, valorizam o mundo onírico, o irracional e o inconsciente. Ditado do pensamento na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão.

A estética surrealista, portanto, caminhou na contramão da racionalidade e trouxe para o meio artístico a soberania do sonho e do fantástico, a partir de certos temas e imagens que são sempre tratados pelos surrealistas de maneiras distintas, como, por exemplo, o corpo, suas mutilações e metamorfoses; as civilizações primitivas; e o mundo da máquina.

O poeta André Breton e o manifesto surrealista de 1924

O pintor Salvador Dali, um expoente do surrealismo

Revolucionando não só a linguagem literária e das artes visuais, o surrealismo no cinema deu vazão a novas técnicas e abordagens que o libertaram da narrativa tradicional, transformando o meio em algo que poderia ser explorado de diversas formas, revelando – às vezes até replicando – o impacto dos nossos sonhos.

Os filmes surrealistas muitas vezes nos deixam com imagens chocantes que se alojam em nossa psique e nos distanciam de histórias facilmente legíveis, na mesma medida que se mostram convincentes em suas profundas expressões do desejo. A tela de cinema se torna um portal através do qual o espectador pode viajar para onde as construções comuns de realidade não podem chegar.

Os cineastas surrealistas perceberem que a câmera pode capturar mais do que o mundo real, técnicas singulares transformaram a imagem original em frente à lente em algo novo, fazendo com que os filmes tivessem a capacidade de desafiar as fronteiras entre fantasia e realidade, especialmente no que se refere a espaço e tempo. Como sonhos que desejamos trazer à vida, os filmes não têm limites nem regras.

Inicialmente, o cinema surrealista foi dominado pela vanguarda francesa nas décadas de 20 e 30 do século XX, mas depois se espalhou pelo mundo.

Antes do surrealismo, houve o dadaísmo, outra arte de vanguarda. O filme “Entreato”, de 1924, dirigido pelo francês René Clair, é um exemplo de filme dadaísta, mas que simboliza – mesmo que de uma forma primária – a entrada do surrealismo no cinema. Uma série de cenas malucas e desconexas, incluindo uma partida de xadrez, uma sequência vertiginosa de montanha-russa e um carro funerário puxado por um camelo.

“Entreato”, 1924

Cenas de “Entreato”, 1924

Em 1928 foi lançado “A Concha e o Clérigo”, dirigido pela diretora francesa Germaine Dulac. O enredo parece simples: Os conflitos entre um clérigo (Alex Allin) e um soldado (Genica Athanasiou) examinam simbolicamente os efeitos da conformidade e da autoridade na sociedade. No entanto, o filme não cede aos conformismos, esquemas e paradigmas, sejam eles cinematográficos, culturais e/ou sociais. Por trás da história do padre que desenvolve uma paixão obsessiva e violentamente sexual pela mulher de um general, há um marco: há, enfim, o primeiro filme verdadeiramente surrealista.

“A Concha e o Clérigo”, 1928

Cenas de “A Concha e o Clérigo”, 1928

Também em 1928 foi lançado o filme surrealista “A Estrela do Mar”, dirigido por Man Ray. Baseado em um poema, o filme mostra, com muitas cenas fora de foco, a relação amorosa de um casal que une tematicamente o filme, composto por imagens ligadas por associações eróticas: chaminés, o vento, um trem em alta velocidade, a dança da paisagem, os tentáculos de uma estrela do mar

“A Estrela do Mar”, 1928

Cenas de “A Estrela do Mar”, 1928

Com roteiro co-escrito pelo pintor Salvador Dalí, Luís Buñuel estreou como diretor no curta-metragem “Um Cão Andaluz”, de 1929, e que é considerado um dos maiores filmes surrealistas da história. Com clara influência da psicanálise, Buñuel e Dalí exploram o inconsciente humano, numa sequência de cenas oníricas, incluindo o célebre momento em que um homem, interpretado pelo próprio diretor, corta, com uma navalha, o olho de uma mulher.

“Um Cão Andaluz”, 1929

Cenas de “Um Cão Andaluz”, 1929

Em 1931 foi lançado o filme surrealista brasileiro “Limite”, dirigido por Mário Peixoto. O tema do filme é a passagem do tempo e a condição humana. Em um pequeno barco à deriva, duas mulheres e um homem relembram seu passado recente. Uma das mulheres escapou da prisão; a outra estava desesperada; e o homem tinha perdido sua amante. Cansados, eles param de remar e se conformam com a morte, relembrando (através de flashbacks) as situações de seu passado. Eles não têm mais força ou desejo de viver e atingiram o limite de suas existências.

“Limite”, 1931

Cenas de “Limite”, 1931

Em 1932, outro filme surrealista francês foi lançado: “Sangue de Um Poeta”, dirigido por Jean Cocteau. No enredo, um artista sem nome é transportado através de um espelho para outra dimensão, onde ele viaja através de diversos cenários bizarros. História contada em quatro episódios. Trata-se de uma coleção abstrata de imagens do cineasta Jean Cocteau vagamente conectada aos sentimentos do coração e da alma de um poeta.

“Sangue de Um Poeta”, 1932

Cenas de “Sangue de Um Poeta”, 1932

Em 1945, o diretor britânico Alfred Hitchcock rodou “Quando Fala o Coração”. Não se trata propriamente de um puro filme surrealista, mas vale ser lembrado aqui por se tratar de um enredo psicanalítico e por conter imagens de sonhos montadas pelo pintor Salvador Dali, que foi um grande expoente do surrealismo. No enredo, a linda e fria Dra. Constance (Ingrid Bergman) é uma psiquiatra que conhece muito bem o ser humano, ao menos era o que pensava até conhecer o sinistro Dr. Anthony (Gregory Peck) que foi nomeado como substituto do diretor da clínica psiquiátrica, e que na verdade é um impostor que não se lembra do seu passado.

“Quando Fala o Coração”, 1945

Cenas de “Quando Fala o Coração”, 1945

“Contos da Lua Vaga” é um filme japonês de 1953, do gênero drama fantástico e surrealista, dirigido por Kenji Mizoguchi. A história do filme se passa num Japão violento e feudal do século 16, durante uma guerra civil. Dentre outros assuntos, trata de ambição, contando a história de dois casais de origem humilde: Sr. Genjuro e Sra. Miyagi com seu filho Genichi e o Sr. Tobei e Sra. Ohama. Genjuro e Tobei ignoram os avisos de um sábio em sua aldeia e continuam lucrando com a guerra. Os seus motivos pessoais ameaçam destruir a si próprios e às suas famílias.

“Contos da Lua Vaga”, 1953

Cenas de “Contos da Lua Vaga”, 1953

“O Ano Passado em Marienbad “ é um filme multinacional lançado em 1961, com direção de Alain Resnais e roteiro original de Alain Robbe-Grillet. O filme notabilizou-se por apresentar uma estrutura narrativa enigmática e não convencional, na qual realidade e ficção se misturam, ao passo que as relações temporais e espaciais se confundem. A natureza fantasista e onírica do filme deixaram audiência e críticos ao redor do mundo perplexos e fascinados, alguns o elogiam como obra-prima do cinema de inspiração surrealista, enquanto outros consideram o filme simplesmente incompreensível.

“O Ano Passado em Marienbad”, 1961

Cenas de “O Ano Passado em Marienbad”, 1961

Em 1973, foi lançado o surreal e bizarro filme “A Montanha Sagrada”, dirigido por Alejandro Jodorowsky. No enredo, Ladrão (Horacio Salinas), figura similar a Jesus, perambula por estranhos cenários repletos de símbolos religiosos e pagãos. Um guia espiritual (Alejandro Jodorowsky) o apresenta a sete pessoas, cada uma representante de um planeta do sistema solar. O grupo segue para a Montanha Sagrada. A ideia é ocupar o lugar dos deuses imortais que lá vivem e dominam o mundo.

“A Montanha Sagrada”, 1973

Cenas de “A Montanha Sagrada”, 1973

Em 1983, o diretor americano David Cronenberg rodou “Videodrome”. No enredo, Max, um programador de televisão, se depara com um programa que deixa um impacto subliminar nos telespectadores. Na verdade, ele deseja uma atração mais subversiva para atrair audiência com ideias bizarras para o seu público. Mas, ao descobrir as origens do programa, ele embarca em uma jornada alucinatória.

“Videodrome”, 1983

Cenas de “Videodrome”, 1983

“Quero Ser John Malkovich” é um filme americano de 1999 dirigido por Spike Jonze. O filme conta a história de Craig Schwartz, um marionetista desempregado que arranja um emprego para sustentar sua família. Certa noite, enquanto trabalhava até tarde, ele encontra um portal que leva diretamente à cabeça do ator de Hollywood John Malkovich. Impressionado com a descoberta, conta a Maxine, colega de trabalho e pretendente de Craig, sobre sua maravilhosa experiência, e assim resolvem alugar a passagem para outras pessoas.

“Quero Ser John Malkovich”, 1999

Cenas de “Quero Ser John Malkovich”, 1999

“Cidade dos Sonhos” foi lançado em 2001 e dirigido por David Lynch. No enredo, nas avenidas de Los Angeles, verdade é mentira com ilusão. Em torno da indústria do cinema, personagens vivem suas fantasias surrealistas, desejos e esperanças frustradas, como a ingênua Betty (Naomi Watts), que chega do Canadá para se tornar atriz. Ela cruza com Rita (Laura Harring), que acaba de sofrer um acidente e sequer se lembra do seu próprio nome. Betty tenta ajudá-la a descobrir quem é. Em outra parte de Los Angeles, o diretor de cinema Adam Kesher está sendo convencido por dois estranhos irmãos, com pinta de mafiosos, a contratar uma atriz específica para seus filmes.

“Cidade dos Sonhos”, 2001

Cenas de “Cidade dos Sonhos”, 2001

Em 2009, o diretor britânico Terry Gilliam lançou o fantasioso e surrealista “O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus”. No enredo, na Inglaterra dos dias atuais, o imortal e milenar doutor Parnassus, que comanda a companhia teatral “Imaginarium”, e integrada por um mágico de cartas, Anton, e um anão, Percy, oferece ao público um espetáculo irresistível através de um espelho mágico, um artefato que dá a seu usuário a chance única de viajar para um mundo fantástico e desconhecido, no qual é possível controlar a imaginação alheia. O poder que o doutor hoje possui lhe fora concedido em tempos remotos através de um pacto com o diabo.

“O Mundo Imaginário do Doutor Paranassus”, 2009

Cenas de “O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus”, 2009

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