História do Cinema
Década de 40: Hollywood e Europa apresentam grandes filmes, apesar da segunda guerra

Década de 40: Hollywood e Europa apresentam grandes filmes, apesar da segunda guerra

Consequências da guerra no cinema

A segunda guerra mundial, que se iniciou com a invasão de Hitler na Polônia em 1939, repercutiu negativamente no cinema. O mercado de cinema, principalmente na Europa, foi reformatado com a ascensão ao poder do Ministro da Propaganda Nazista Joseph Goebbels, que passou a comandar o cinema alemão e a ter fortes influências em tudo o era produzido e exibido em todo o continente, instrumentalizando o cinema segundo os interesses políticos do terceiro Reich. Grandes artistas do cinema europeu foram podados, calados e muitos se exilaram em outros países, notadamente nos Estados Unidos.

Enquanto isso, com a entrada dos Estados Unidos na guerra, o setor cultural americano, principalmente o cinema, participou dos esforços dos aliados e diversos diretores importantes passaram a produzir filmes de propaganda, enquanto os estúdios cinematográficos de Hollywood sofreram os impactos da guerra com censores alemães, redução dos investimentos, redução do mercado exibidor e redução da quantidade de filmes produzidos. Ainda que numa fase em baixa, o cinema continuou produzindo grandes filmes.

Alguns filmes americanos de propaganda de guerra foram produzidos nesse período, alguns no próprio front de batalha, tais como: “A Batalha de Midway”, dirigido por John Ford, sobre os confrontos bélicos com os japoneses no Oceano Pacífico; “Why We Fight”, dirigido por Frank Capra, com vários episódios de embates militares; e “Memphis Belle”, dirigido por William Wyler, sobre batalhas aéreas.

Filmes americanos de propaganda de guerra nos anos 40

Cenas de “A Batalha de Midway”, 1942

Uma seleção de filmes de Hollywood e da Europa nos anos 40

Apesar de um contexto desfavorável de guerra, a década de 40 conseguiu produzir grandes filmes, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Selecionamos seis filmes de cada continente.

Ressaltamos que filmes americanos importantes como “Cidadão Kane” e “Casablanca”, não foram aqui considerados porque já foram analisados neste Blog na Categoria Clássicos do Cinema (ver mais). E alguns filmes italianos de grande importância nessa década também não foram selecionados porque estão na Categoria Movimentos Cinematográficos, O Neorrealismo Italiano (ver mais).

Filmes de Hollywood na década de 40

Hollywood manteve a pegada de dramas e comédias românticas, focando muitas vezes em separações e crises amorosas, mas também diversificou a temática, como veremos a seguir.

Em 1940, apareceu o filme “Núpcias de Escândalo”, de 1940, dirigido por George Cukor. O filme reuniu um trio de incríveis atores de Hollywood: Katharine Hepburn, Cary Grant e James Stewart, que vivem um escandaloso triângulo amoroso. Baseado em uma peça teatral da Broadway, o enredo acompanha uma socialite cujos planos de casamento são complicados pela chegada simultânea de seu ex-marido e um jornalista de um tablóide. Muitas confusões, farsa de mídia e sentimentos desordenados dão o tom dessa trama repleta de reviravoltas emocionais.

Em 1943, um clássico baseado em obra literária homônima de Ernest Hemingway foi lançado: “Por Quem os Sinos Dobram”, dirigido por Sam Wood. Filmado em Technicolor, o filme é um drama que se passa na guerra civil espanhola, 1937. A trama acompanha o brigadista e idealista americano Robert (Gary Cooper) que tem a missão de explodir uma ponte estratégica, e se alia aos guerrilheiros locais nas figuras de Pablo (Akim Tamiroff) e Pilar (Katina Paxinou). Nessa jornada, Robert se apaixona pela bela jovem Maria (Ingrid Bergman), uma órfã dos assassínios franquistas. Com uma bela fotografia, o filme transborda de situações dramáticas e conta com atuações extraordinárias de todo o elenco.

Em 1944, o diretor Billy Wilder lançou “Pacto de Sangue”, um filme de suspense e de assassinato. Rodado no estilo noir, de muito claro/escuro, a história é baseada num crime real de 1927, em que Ruth Snyder (Barbara Stanwyck), uma mulher casada do Queens (Nova Yorque) convence o seu amante Judd Gray (Fred MacMurray) a matar o marido Albert (Edward Robinson), após ter comprado uma apólice de seguro com cláusula de indenização dobrada (double-indemnity clause). Os assassinos foram presos e executados. O diretor Billy Wilder, apesar de ter filmado esse thriller de suspense se especializaria em crônicas sociais urbanas e em comédias de costume.

“Núpcias de Escândalo”, 1940, o triângulo amoroso vivido por grandes atores

“Por Quem Os Sinos Dobram”, 1943, o casal apaixonado e os guerrilheiros

“Pacto de Sangue”, 1944, e o diretor Billy Wilder

Billy Wilder

Cenas de “Pacto de Sangue”, 1944

Em 1946, foi lançado “Gilda”, dirigido por Charles Vidor. O filme deu fama mundial à atriz Rita Hayworth. “Gilda” é conhecido pela exuberante fotografia, pelo belo figurino e pela linda coreografia. A trama é sobre a beldade Gilda que fica entre o possível casamento com Ballin Mundson (George McReady), um dono de Cassino, e Johnny Farrell (Glen Ford), um jogador trapaceiro. A despeito desse triângulo de fortes emoções, o que vale no filme é a presença de Rita Hayworth, que é Gilda ou Gilda que é Rita. Nunca mais a atriz conseguiu se separar desse personagem. No filme, ela teve uma atuação de uma das maiores mulheres fatais da história do cinema, sedutora e enigmática.

Em 1947, o diretor Orson Welles se uniu à atriz Rita Hayworth, sua ex-esposa, e rodou o clássico “A Dama de Shangai”. A trama é sobre uma conspiração de um assassinato entre um marinheiro irlandês, Michael O’Hara, (Orson Welles) e o advogado traiçoeiro George Crisby (Glenn Anders), sócio da vítima. O que interessa a Michael é sua paixão por Elsa (Rita Hayworth), esposa da vítima. O filme não teve sucesso, mas, ao longo do tempo, foi sendo venerado e se transformou num Cult. O filme apresenta um tiroteio culminante único em uma sala de espelhos envolvendo uma infinidade de imagens espelhadas falsas e reais. Essa cena é muito cultuada e homenageada no mundo do cinema.

Em 1948, o diretor John Huston realizou o excelente filme chamado “o Tesouro de Sierra Madre”. Mesclando drama e aventura, o filme se passa nos anos 1920, no México, quando a sangrenta revolução mexicana já havia terminado, mas inúmeros bandoleiros continuavam a aterrorizar o país. Três forasteiros (gringos) resolvem procurar ouro nas montanhas de Sierra Madre, guiados por um velho garimpeiro, Howard (Walter Huston).

São bem sucedidos, mas logo um dos exploradores, Fred C. Dobbs, (Humphrey Bogart) começa a sucumbir à desconfiança a à ganância e entra em conflito com os companheiros, traindo os seus amigos, ao mesmo tempo que são atacados por numerosos bandoleiros. Uma obra prima sobre a condição humana.  

“Gilda”, 1946, e a exuberante Rita que é Gilda

“A Dama de Shangai”, 1947, um caso amoroso tórrido e a cena dos espelhos

“O Tesouro de Sierra Madre”, 1948, e o diretor John Huston

John Huston

Cenas de “O Tesouro de Sierra Madre”, 1948

Filmes da Europa na década de 40

Na Europa, como sempre foi sua característica, os filmes possuem temáticas variadas. Selecionamos seis filmes importantes da década de 40.

Em 1943 surgiu “O Boulevard do Crime”, dirigido pelo francês Marcel Carné. O filme foi lançado somente em 1945 e foi realizado, muitas vezes de forma clandestina, na França ocupada pelos nazistas. O contexto é a Paris do século XIX e a cena é um teatro de variedades com atores e malabaristas. A história é baseada no triângulo amoroso entre Pierrot, Arlequim e Colombina, uma fábula famosa que foi transformada em tragédia. No caso do filme, Garrance, integrante de uma trupe de artistas é acusada de roubo e é salva pela performance silenciosa do mímico Debureau, que a ama. Existe uma galeria de personagens interessantes: o ator shakespeariano Lemaitre, um conde, um assassino filosófico, o catador de papeis delator e a filha do administrador do teatro.

Em 1945 foi lançado “As Damas do Bois de Bologne”, dirigido pelo cineasta francês Robert Bresson. Na trama, uma mulher da alta sociedade, Hélène, (Maria Casares) se sentindo abandonada pelo amante Jean (Paul Bernard) engendra uma armadilha para fazê-lo se apaixonar por Agnès (Elina Labourdette), uma dançarina de Cabaré que se sustenta também como prostituta. O filme trata de ciúme e vingança e possui uma deslumbrante fotografia em preto e branco, consegue equilibrar atos de vilania com cenas de suavidade e aborda com maestria uma conspiração silenciosa de uma mulher socialite que se acha poderosa em manipular pessoas e situações e ainda sentir prazer com isso.

Em 1946 foi realizado o filme “A Bela e a Fera”, uma fantasia romântica dirigida pelo francês Jean Cocteau.  É uma adaptação da história de 1757 de mesmo nome escrita por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont e publicada como parte de uma antologia de conto de fadas. O enredo do filme de Cocteau gira em torno do pai de Belle, que é condenado à morte por colher uma rosa do jardim da Fera. Belle se oferece para se entregar para a Besta no lugar de seu pai e a Besta se apaixona por ela. O filme foi um grande assombro quando foi lançado nos cinemas, com uma belíssima reconstituição de época e com incríveis figurinos e maquiagens. O filme se tornou um clássico do cinema francês e muito tempo depois foi adaptado para o desenho animado com grande sucesso.

“O Boulevard do Crime”, 1943, tramas e armações num teatro de variedades

“As Damas do Bois de Bologne”, 1945, e o diretor francês Robert Bresson

“Cenas de “As Damas do Bois de Bologne”, 1945

“A Bela e a Fera”, 1946, um conto de fadas sobre um romance improvável

Em 1948, o ator britânico Laurence Olivier embarcou pela segunda vez na direção de filmes e adaptou a obra de William Skakespeare, “Hamlet”. O filme foi um sucesso internacional, vencendo o Oscar em Hollywood e o Leão de Ouro em Veneza. A versão de Laurence Olivier foi controversa por alterar trechos da peça original, mas fez questão de enfatizar o Complexo de Édipo do personagem e manteve o tom trágico. O estilo do filme é do expressionismo alemão com ambientes escuros, lúgubres e escadarias tortuosas que corresponderiam aos labirintos da mente de Hamlet. Especial atenção para o famoso diálogo com a caveira: “Ser ou não Ser, eis a Questão”.

Em 1949, o cineasta britânico Carol Reed realizou um filme que se tornou uma obra prima do cinema noir: “O Terceiro Homem”.  Situado na Viena do pós-guerra, o filme é centrado no americano Holly Martins (Joseph Cotten), que chega à cidade para aceitar um emprego com seu amigo Harry Lime (Orson Welles), apenas para saber que Lime morreu. Vendo sua morte como suspeita, Martins decide ficar em Viena e investigar o assunto. O filme é tecnicamente primoroso, há uma extasiante atmosfera expressionista em preto e branco, locais decadentes, túneis e fossos escuros, com iluminação intensa e técnica de câmera distorcida, além de um elenco brilhante. Tudo isso se combina para evocar um ambiente de uma Viena exausta, corrupta e cínica do pós-guerra e no início da Guerra Fria.

Também em 1949, o famoso comediante francês Jacques Tati, ainda no começo de carreira, realizou um filme encantador chamado “Carrossel da Esperança”. Acompanhamos uma pequena cidade no interior da França durante os preparativos para uma grande festa e o cotidiano simples de um carteiro, François (Jacques Tati). François representa a ingenuidade e o deslumbramento diante de um mundo em rota de colisão inevitável com a modernidade. O cinema de Jacques Tati era rico de idealismo, imaginação e generosidade. E seus personagens são comuns e puros, tais como as crianças, o dono do bar, o prefeito e a senhora idosa que aparece pontualmente como narradora.

“Hamlet”, 1948, a tragédia filmada de Shakespeare e a cena clássica com a caveira

“O Terceiro Homem”, 1949, uma incrível trama nos subterrâneos de Viena no pós-guerra

Cenas de “O Terceiro Homem”, 1949

“Carrossel da Esperança”, 1949, e o famoso comediante e diretor francês Jacques Tati

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